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OPINIÃO

Golpismo e boataria no WhatsApp

Confisco da poupança, guerrilheiros invadindo o País, panelaço, convocações para o impeachment e outros absurdos circulam na mídia que é a preferida para espalhar boatos

Marcus Vinícius Especial para Opiniãopública

A Primavera Árabe foi a primeira experiência bem-sucedida de mobilização de massas utilizando as redes sociais. Através do Facebook, jovens e lideres políticos no Oriente Médio encheram as praças contra os governos estabelecidos no Egito, Líbia, Tunísia e Siria. O resultado, pós-mobilizações, não foi exatamente o que era pregado. Ditadores foram depostos, e no lugar de uma nova ordem democrática, o que se viu foi a destruição completa destes países. O Estado Islâmico substituiu estruturas laicas. O fanatismo religioso levou a massacres étnicos, pondo fim a estabilidade nestas nações.
No Brasil o golpismo galopa a passos acelerados, tendo como principal ferramenta o watsapp. Nas últimas semanas, a onda de boatos nesta rede social produziu varios absurdos, entre eles, os boatos de "confisco da poupança", de "20 mil guerrilheiros na fronteira do Brasil com a Venezuela", e de "aquartalamento de militares visando um golpe no Brasil".
Este fenômeno já está chamando atenção de jornalistas e cientistas sociais em todo o país. Na pagina on line da revista Carta Capital, o jornalista Wanderleu Preite Sobrinho abordou o tema:
"Nem Facebook, nem Twitter. Empresas, ativistas e partidos políticos vêm aderindo em massa ao WhatsApp para vender, mobilizar e, claro, espalhar boatos. Sem anúncios e mais intimista e rápido que outras redes sociais, o aplicativo de mensagens instantâneas cai nas graças de quem espera chamar a atenção e dar credibilidade a ações nem sempre bem intencionadas", relata.
No Diário Gaúcho, o colunista Antônio Carlos Macedo denunciou artigo "Boataria criminosa" a onda de mentiras no WhatsApp: "Em outra gravação de voz, uma mulher afirma que a amiga tem um tio, tenente do Exército, que teria dado um aviso para que as pessoas abastecessem as casas e estocassem tudo o que fosse preciso, de alimento a combustível. "Porque, no dia 15, eles querem trancar tudo. Descobriram, na Floresta Amazônica, um grupo de guerrilheiros com 20 mil armas. Estão prevendo uma guerra civil", diz a mulher na gravação.
Murillo Constantino, no site Brasil Econômico, denunciou que usuários do aplicativo WhatsApp têm recebido um áudio que convoca os brasileiros a retirarem dinheiro de suas contas no banco porque um "fulano" que trabalha em um banco teria ouvido de um deputado que o governo federal faria um confisco no dia 18 de março. A informação é boato. Segundo o Ministério da Fazenda, Caixa e Banco Central, não há motivos para saques e nem pânico. Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ato pode comprometer sistema financeiro; apesar de momento econômico difícil, Brasil tem pilares sólidos. Ele entende que os boateiros devem ser punidos exemplarmente.

Ação golpista
Wanderleu Preite Sobrinho relata que o "panelaço" que tomou as varandas dos bairros mais ricos do Brasil durante o discurso da presidente Dilma Rousseff no domingo 8 pegou de surpresa boa parte da população, que se assustou com a ação convocada pelo WhatsApp em 12 capitais. Antes disso, a rede já havia sido utilizada para articular o bloqueio de 128 pontos de rodovias federais na greve de caminhoneiros no mês passado.
No Piauí, o grupo Projeto Escolinha de Taipa tenta socorrer escolas públicas em más condições. Professores e membros da comunidade se articulam pelo aplicativo para arrecadar material escolar e até trocar o telhado de unidades cobertas com palha.
A Carta Capital consultou o especialista em desmascarar boatos travestidos de notícia, o editor do Boatos.org, Edgard Matsuki, que esclareceu sobre as possibilidades multimídia da nova forma de comunicação. "Boa parte dos rumores são em formato de áudio. Se quem falou tem uma boa locução, a mensagem acaba mais convincente do que um texto digitado", explica.
Diretor-executivo da Paradox Zero, agência de estratégias digitais, Paulo Rebêlo acredita que o WhatsApp é a rede do momento para a agitação política. "Ele é mais rápido, objetivo e pessoal do que o Facebook ou o Twitter. Ao mesmo tempo, não tem poluição visual nem anúncios e é muito mais fácil de aprender a usar."
Com cerca de 800 milhões de usuários no mundo e 20 milhões só no Brasil, o WhatsApp decidiu, no final do ano passado, aumentar para cem o número máximo de pessoas por grupo. "Basta ter dez listas para atingir diretamente mil usuários. Com uma estratégia bem definida, a eficiência é muito alta", calcula Rebêlo.

Marketing
De olho nesse filão, agências de marketing digital se especializam em estratégias para aumentar o alcance e a eficiência das mensagens enviadas pelo aplicativo. Uma delas é a Sendixx.com. Seu diretor comercial, Marcelo Quaresma, conta que a eficácia das mensagens enviadas pelo aplicativo chega a 96% e seu tempo médio de retorno é de 2 minutos e 18 segundos. "Não existe meio mais assertivo ou retorno tão ágil no mercado."
A empresa, então, criou uma ferramenta que permite, "por uma quantia muito baixa, o envio em grande escala de mensagens de texto, vídeo e imagem". "Identificamos automaticamente todos os usuários ativos do WhatsApp e, através de mais de 40 mil linhas telefônicas, enviamos campanhas para milhares de pessoas de uma vez."
No WhatsApp, explica Quaresma, ninguém precisa curtir, seguir ou compartilhar para que os outros vejam. "Se alguma mensagem impacta realmente o consumidor, ele interage, permitindo que as empresas dediquem seus esforços aqueles que são os reais interessados em sua marca ou produto."
Mas será que as legendas politicas usariam esse potencial para fins partidários? "Sim", garante o diretor da Sendixx. "Em todos os segmentos da política: desde grandes partidos, passando pela política dos principais clubes do País até as universitárias." Rebêlo concorda: "É de conhecimento geral que os partidos se articulam por meio dessas ferramentas. É válido, faz parte do jogo."
Embora não exista dispositivo para rastrear uma mensagem, Rebêlo explica que elas precisam partir de uma base. No entanto, só o Facebook - dono do aplicativo - pode rastrear o caminho reverso para identificar o número de origem, que "também pode ser forjado".
O que preocupa Matsuki, do Boatos.org, é justamente esse alcance. No Facebook, a boataria começou logo após as eleições: Dilma chegou a ser acusada de tramar a morte de Eduardo Campos e de homenagear traficante; até o presidente venezuelano Nicolás Maduro estaria disposto a invadir o Brasil para defender a presidenta em caso de golpe.
Agora é a vez do WhatsApp. "O receptor da mensagem nem sempre se interessa por política, não lê o assunto. Sua principal fonte de informação são as redes sociais", diz o especialista. "Muita gente quer genuinamente melhorar o Brasil ao espalhar notícias sem checar sua veracidade." Bem-intencionados ou não, acabam atuando como massa de manobra.

Exército e Fazenda analisam gravações e negam boatos
Todas as gravações dizem que o Exército Brasileiro estaria de prontidão para a suposta guerra. No entanto, não há nenhum indício da veracidade do conteúdo veiculado por estas mensagens. Não há confirmação de identidade de nenhuma das fontes mencionadas nos áudios nem prova das informações divulgadas.
O Diário Gaúcho entrou em contato com a assessoria de comunicação do Exército Brasileiro, que analisou as gravações e, em nota oficial, esclareceu: "A Força Terrestre faz o acompanhamento da conjuntura nacional, bem como permanece em constante preparo para manter elevados níveis operacionais, com a finalidade de cumprir suas missões constitucionais. Ressalta-se ainda que os áudios veiculados nas mídias sociais não têm origem no Exército Brasileiro", diz a nota.
Em nota, o Ministério da Fazenda esclarece que:
1) Não procedem as informações que estariam circulando pela mídia social de que haveria risco de confisco da poupança ou de outras aplicações financeiras;
2) Tais informações são totalmente desprovidas de fundamento, não se conformando com a política econômica de transparência e a valorização do aumento da taxa de poupança de nossa sociedade, promovida pelo governo, por meio do Ministério da Fazenda."
Não é novidade o uso de boatos e desinformação para manipular pessoas. Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que também recebeu o áudio com a boataria, esse tipo de atitude "irresponsável" pode levar a fatos concretos que prejudicam o País. "É preciso prender esse tipo de pessoa que espalha isso. O que falta mais inventarem? Essas mensagens são espalhadas por pessoas criminosas, irresponsáveis. Se houver uma movimentação grande de retirar dinheiro dos bancos, o sistema bancário pode ser afetado. Isso levaria, por exemplo, a interrupção do financiamento e empréstimos para a compra da casa própria. Prejudicaria muita gente, inclusive quem fica repassando esses absurdos."
Para o economista, o confisco da era Collor, associado ao boato atual, se deu em outra época, em situação absolutamente deteriorada, mas também era injustificado. "A inflação no começo dos anos 1990 era altíssima, coisa de 80% ao mês. Não temos qualquer motivo para pânico, nem para corrida aos bancos. O governo não tem motivo algum, para fazer confisco. A tática de desinformação tem sido constante. As pessoas acham que se informam nas redes sociais, quando na verdade estão apenas se desinformando, sendo manipuladas."

Cenários
Há grandes diferenças entre o momento econômico atual e o os idos de 16 de março de 1990, quando o governo do Fernando Collor de Mello anunciou o confisco na conta bancária de valores acima de 50 mil cruzados. Em 1990, o Brasil sofria após vários anos de hiperinflação, com média mensal do índice de preços girando em torno de 29%. Em março de 1990, o IPCA atingiu 82,39%, enquanto, em março deste ano, o IPCA variou 1,22%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um bom exemplo é o atual nível das reservas internacionais que o Brasil possui. Segundo o Banco Central, há hoje no País o montante de US$ 370,014 bilhões (equivalente a R$ 1,15 trilhão). Em 1990 as reservas eram de apenas US$ 9,973 bilhões (R$ 31,07 bilhões). Esse dinheiro funciona como um colchão que garante a soberania do País em casos de ataques de capital especulativo. Como é obtido por meio de sobra de recursos (superávit primário), serve ainda como um bom retrato da solidez brasileira no atual momento.
(Com informações dos sites: IG, Diário Gaúcho, Revista Carta Capital)

(Marcus Vinícius, jornalista)

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