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OPINIÃO

Monomania

João Moreno, Especial para Diário da Manhã

Partiu. Ela partiu. Conseguia sentir sua presença. Vazio deixado por ela. Como buracos deixados por tiros, seu coração encontrava-se em frangalhos. “Deus, como doía. Como é possível?” Vida monocromática à partir do Adeus. Último beijo. Vislumbre. Jogara fora seu orgulho. Pedira. Implorara. Pedira em tom de súplica. “Fique. Comigo. Durma sobre meu peito, envolta em meus Abraços. Carinho. Amor”.

Dissera-lhe não. Não. E ele amava-a ainda mais por isso. Cada segundo infinitamente dependente. Como um viciado sob o efeito da abstinência. Depedente de um Amor. Seu Amor. Aquela droga pesada. Liberadora de dopamina. Endorfina. Oxitocina em tais quantidades que vivia entorpecido. Entorpecido por uma tal de Felicidade.

Não via mais beleza no mundo. Já provara de seu belo sorriso. Não sentia mais interesse por Música. Apenas o timbre. Tom de sua voz lhe encantava. Entediava-se com seus autores outrora preferidos. Queria apenas “ lê-la”. Desbravar. Desvendar. Linha por linha. Do escrito por ela. Para ele. Sempre ele.

Encontrava-se em casa. Vazia. Quarto (Santuário). Sente. Enxerga. Ouve. Sinestésicos sentimentos. Cheiro (O doce e perfeito perfume). Voz. (Cristalina. Dissoante). Presença. (Marcante. Marcada para sempre na memória. Antiga e recente).

Como fantasma, a vê. Andando. Despindo-se. Seduzindo e sendo seduzida. Amando e sendo amada. Fantasma. Apenas fantasma. Estar e não estar. Dualidade cruel. Destruidora de suas últimas forças. Sobriedade. Sanidade.

Sentindo sua presença incorpórea. Avança. Senta. Senta-se diante de sua máquina de escrever. Seu refúgio em dias solitários. Única maneira. Mais próxima que encontrara para estar perto. Perto dela. Ter seu amor. Amor.

Em vão escreve. Sobre seu tema preferido. O único existente. Sobre ela. Ela...

Monomania. “Como um patrono, livra-me de toda a infelicidade ao meu redor. Feliz e infeliz, despeço – me com o beijo. O mais doce. Aquele que adquiriu um novo significado na vida de ambos. Cada um. Na tristeza da despedida. Com a esperança do reencontro”.

Começa então caminhar. Aos poucos o belo sorriso se apaga. Postura altiva diminui. Curvado. Olhar triste. Melancólico. Exaurido pela perda. Caminha. Caminha. Desejando-a. Mais que tudo. Desejando seu patrono. Desejando-a ao seu lado.

(João Moreno é escritor)

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