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OPINIÃO

Tempo com mel e fel

Pedro Nolasco de Araujo,Especial para Opinião Pública

O tempo parece não ter fim não pra quem experimenta uma sensação desagradável. Esta sensação ilusória vai muito bem arranjada na fala da torcedora Laiza Lopes. Laiza evoca, a 5 de junho de 2013, num texto passional denominado “Esperança e Amor: Sentimentos que Definem o Atleticano”, divulgado na web, uma certa derrota do seu time do coração, o Galo, como um “daqueles instantes de aflição, que me parecem ter durado uma eternidade...” Palavras dela, Laiza. No entanto, tudo não passou, ao mencionar eternidade, de exagero dela, ou seja, de hipérbole da desolada torcedora mineira, uma vez que a derrota do seu Atlético Mineiro não deve ter durado mais que uns instantes apenas. Não além certamente dos 90 minutos da partida. Não obstante, na dorida opinião dela, tudo foi sentido como “eternidade” e ponto final. A impressão é a de que quão mais desprazerosa for a situação mais consciência do tempo a gente tem. Aí está a razão pela qual, durante aquele lamentável transe, Laiza sentiu as horas arrastando-se penosamente.

A gente crê também, porém em escala muito maior, que a sensação da passagem do tempo por parte de um dado observador, que experimenta um pavoroso tremor de terra, com as casas desmoronando, as pessoas morrendo ou sendo engolidas pelos escombros, postes da iluminação pública desabando sobre a gente, viadutos arrojando-se dramaticamente ao solo, crateras tragando automóveis e animais em plena rua, tsunamis arrastando dantescamente tudo que encontram pelo caminho, deve ser de uma lentidão infame; tanto que a gente reza, de joelhos, aos santos e anjos, pra que aquele suplício passe logo. Embora aquele sismo lá não dure mais que uns poucos minutos ou horas, cravados no relógio, aquilo lá vai parecer de uma perenidade desoladora pra quem sofre seus efeitos.

Quão arrastadas e longas terão sido ainda, a 11 de setembro de 2001, aquelas horas mais sombrias no combalido World Trade Center, mormente para aqueles que, em pânico, precisavam descer desesperadamente as escadarias dele e salvar a vida depressa. Que perpetuidade, amigos! Que demora ou lentidão, prezados!

Para o cantor sertanejo, Élcio Neves Borges, mais conhecido por Barrerito (1942 – 1998), as horas logicamente hão de parecer sem-fim sem a amada por perto. É o que diz nas primeiras linhas da canção Horas Eternas:

Alguns minutos sem ter você representam horas

Horas eternas porque eu olho e não vejo nada

Não vejo as flores beirando o lago, não vejo a lua

Nem as estrelas que vão sumindo de madrugada.

Isto porque a noção da passagem do tempo varia muito por conta dos sentidos, que sofrem influência das emoções.

Quão doces e ligeiras são as horas se elas são vividas com delícia e enlevo! Tão ligeiras e doces que a gente nem passa mais a guardar consciência do tempo. O que fica bem marcado na Cena V, Ato III, do Romeu e Julieta de William Shakespeare.

Ali, os amantes de Verona, depois de uma noite descuidada de amor, repentinamente passam a discutir se o pássaro que gorjeia lá fora, na folhagem úmida do jardim, é uma cotovia ou um rouxinol, preferindo este último, que canta durante a noite, ao passo que a cotovia anuncia o dia e, com ele, a separação dos amantes.

Fica patente que a noção da hora, que enquanto se amavam era algo vago e irrelevante pra eles, tanto que nem sabiam direito se o dia ia se avizinhando deles ou não, entra subitamente a incomodá-los, ante a ameaça da separação deles. Porque se for a cotovia, eis a única preocupação deles, isto fatalmente acontecerá. Transcrevamos partes dessa belíssima interlocução shakespeariana:

“Julieta — Já vais partir? O dia ainda está longe. Não foi a cotovia, mas apenas o rouxinol que o fundo amedrontado do ouvido te feriu. Todas as noites ele canta nos galhos da romeira. É o rouxinol, amor; crê no que eu digo.”

Acode Romeu: “— É a cotovia, o arauto da manhã; não foi o rouxinol. Olha, querida, para aquelas estrias invejosas que cortam pelas nuvens do nascente. As candeias da noite se apagaram; sobre a ponta dos pés o alegre dia se põe, no pico das montanhas úmidas. Ou parto, e vivo, ou morrerei, ficando.”

(Pedro Nolasco de Araujo, mestre, pela PUC-Goiás, em Gestão do Patrimônio Cultural, advogado, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI)

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