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OPINIÃO

“Um beijo gay tem o poder de destruir as famílias brasileiras?”

Bruno Rodrigues Ferreira ,Especial para Opinião Pública

Dias atrás milhões de pessoas saíram às ruas exigindo que algo fosse feito. A podridão fétida da corrupção brasileira só aumenta e a população cansou de ver o País ir para o buraco e políticos se darem bem. O mínimo que se esperava do Congresso brasileiro era que fizessem algo a respeito. Votassem as leis anticorrupção ou a reforma do código penal, reforma política entre outras. Porém alguns parlamentares preferem ocupar seu tempo, que deveria ser dedicado a trabalhar pelo povo, para aparecerem. A “Frente parlamentar mista permanente em defesa da família brasileira”, um nome bonito para a bancada evangélica, chefiada pelo Magno Malta começou uma campanha de boicote à nova novela das oito, Babilônia, em defesa da família brasileira.

Primeiro, que o senador Magno Malta é aquele envolvido em um monte de escândalos, porém se acha digno de ser o defensor da moral e dos bons costumes. E como o brasileiro é o País da hipocrisia, muitos outros brasileiros de moral questionável se acham bons o suficiente para abraçarem a campanha e lutar pela família brasileira.

O burburinho começou por causa de um capítulo da novela que mostrou uma cena de beijo lésbico, com duas atrizes consagradas da teledramaturgia brasileira, representando o amor de um casal. Não era putaria. Não era uma cena gratuita. A cena sequer insinuou sexo. Mas bastou isso para os cristãos exemplares que vivem no Brasil começarem a reclamar da novela, querendo inclusive que ela fosse tirada do ar. Deve ser horrível morar em uma casa onde a TV não possui controle remoto. Afinal essa é a única explicação para o infeliz reclamar e não mudar de canal.

Graças a Deus na minha casa fomos agraciados com uma TV que possui controle remoto! E olhem que maravilha! Quando não gosto de um programa que está passando, eu pego esse dispositivo mágico, aperto algumas teclas dele e, pronto! Já estou assistindo outro programa em outro canal. Você consegue imaginar o quanto isso é maravilhoso? Ao invés de reclamar no Facebook, eu simplesmente mudo de canal. Imaginem que benção vai ser quando esses irmãos descobrirem que o controle remoto serve pra isso?

O grande problema, nessa situação, é que as reclamações não são ignoráveis. Muitos vomitam preconceito e ódio, sob o pretexto de estar defendendo a vontade de Deus. Sabe quem mais faz isso? O Estado Islâmico, Boko Haram, Al-Qaeda, e num passado não muito distante os cristãos, pelas Inquisições católica e protestante. Chega a ser irônico, ver pessoas que seguem o Deus do amor, falando que gays deviam apanhar até virar homens, ou que o lugar de gays é no inferno. Aquela passagem que fala que seremos julgados com a mesma medida com a qual julgarmos alguém, não deve fazer parte da Bíblia deste povo!

“Ah, mas é pecado! Está na bíblia!”, dirão alguns! Sim, realmente, assim como está lá a permissão para vender sua filha (Ex 21, 7), Também nesse mesmo livro pessoas que trabalham no sábado estão condenadas à morte (Ex 35, 2). Lembrem-se também que a mesma bíblia proíbe comer carne de porco, ou mesmo tocar em um (Lev 11, 7-8), ou seja, Bacon te leva pro inferno! Moluscos também, está lá no versículo 10, do mesmo capítulo. Você pode ter escravos, e devem morrer quem planta vegetais diferentes alinhados ou usa roupas com tecidos diferentes. E aí, como faz?

O mais engraçado é que para estes falsos moralistas o maior problema das famílias hoje em dia é o fato de haverem casais gays no mundo. É isso que está destruindo a família brasileira. Mentir pra esposa? Ah, isso tá liberado. Participar de grupo de whatsapp com putaria, mesmo sendo casado? Tá tudo bem, afinal não é pornografia gay. Trair, roubar, matar, falar mal, sonegar impostos, não ter tempo para brincar com o filho, e deixar ele ser educado pela TV e pelo Videogame, de boa, se não tem gay no meio, tá liberado!

A coisa está tão feia, que essa semana tive o desprazer de ouvir um sujeito que segue essa linha de pensamento, em um programa de rádio em Goiânia, que passa na hora do almoço, chamado Papo Cabeça, da rádio Interativa. Ao falarem do beijo da novela, um sujeito ligou exigindo que sua família fosse respeitada afinal estava ele e a esposa e a filha de três anos (isso mesmo, três anos!) vendo a novela, quando a apareceu o beijo gay, e a criança perguntou sobre duas mulheres se beijando e o sujeito questionou: “O que vou dizer pra minha filha?” Ignoremos o fato de ter havido uma cena de sexo no mesmo capítulo, afinal não era gay, então está liberado.

O que mais me deixou feliz nessa situação foi a resposta dos apresentadores: Primeiro uma criança de três anos jamais deveria estar assistindo uma novela recomendada para pessoas acima de 14 anos. Segundo, o preconceito é ensinado e bastava falar que as duas se amam, e estavam demonstrando esse amor. E o apresentador citou o caso de sua própria filha que ao ver a foto de dois homens se beijando o questionou sobre isso, e o mesmo disse que não era nada demais, que era um casal que se gostava e que não deviam ter preconceitos por causa do diferente. A filha nunca mais tocou no assunto. Lembrem-se: o proibido é que chama atenção. O cotidiano sempre passa despercebido.

No mesmo programa ainda apareceu outro ignorante, falando que ele e a esposa se sentiam ameaçados pelo tanto de casais gays “aparecendo”. Eis que um dos apresentadores respondeu na lata: “Eu sou heterossexual e casado e eu e minha esposa não nos sentimos ameaçados ao ver casais gays. Se isso mexe tanto com você deve haver algo errado.”

Creio que eles resumiram bem toda a situação. Cabe sempre lembrar que os evangélicos estão longe de ser maioria no Brasil, portanto não tem o direito de impor seu “modo de vida” a todos os brasileiros. Aliás, como falei, o Estado Islâmico tem se destacado nesse tipo de ação impositiva, matando quem se opõe. Segundo, nenhum gay quer acabar com famílias ou cristãos. Querem apenas o direito de poderem viver como são de verdade, sem medo de apanhar na rua ou serem mortos por isso. A sua vida tem que ser muito ruim para que a felicidade de um casal gay te incomode tanto ao ponto de você se sentir ameaçado.

Casais bem resolvidos e felizes não se incomodam de ver gays se beijando. Acima de tudo, pessoas bem resolvidas não ligam para o fato de outro sujeito ser gay, afinal isso não vai mudar nada em sua própria sexualidade. Ninguém vira gay por conviver com um gay, ou por ver um beijo gay na novela. A grande maioria dos incomodados são os que escondem sua verdadeira sexualidade na igreja, traindo a esposa com travestis e afins, como já vi muitos fazerem em uma famosa avenida da minha cidade, ou os que já foram “curados da boiolice”, se casaram com uma mulher, mas continuam sonhando com o “Marcão”.

Se houvesse uma influência mesmo, não haveriam gays, afinal todos cresceram com papai e mamãe. Além disso não haveria registro de centenas de espécies diferentes de animais que possuem práticas homossexuais, reforçando ainda mais a tese de carga genética envolvida. E por fim, você não virou ladrão por ter assistido novelas que falam disso, não virou bandido por ver novelas mostrando bandidos, não virou assassino por ver novelas mostrando pessoas matando outras, não traiu sua esposa por ver isso em novelas e não vai virar gay por uma cena de beijo gay. E, se você se sente tão ameaçado ou incomodado ao ver uma demonstração de carinho ou amor entre um casal gay, talvez seja hora de reavaliar sua sexualidade.

Então, amigos, quanto à pergunta do título a resposta é não! Ninguém vai sentir vontade de sair beijando pessoas do mesmo sexo depois de ver uma cena de beijo gay em uma novela. Ver um casal gay se beijando não vai fazer seu filho virar gay. Cada vez mais pesquisas tem mostrado que existe uma complexa relação genética por trás do comportamento homossexual. Qualquer pessoa de bom senso entende que homossexualidade não é escolha, que faz parte da identidade do sujeito, que nasce com ele, e que é desencadeada ao longo do crescimento, assim como os heterossexuais. Pesquisas mostraram inclusive, que crianças com pais gays não são mais propensas a se “tornarem” gays. Que a porcentagem de filhos de gays que são gays é a mesma de filhos de héteros que são gays.

(Bruno Rodrigues Ferreira, psicólogo e jornalista. Especialista em Tecnologia e Educação. Twitter: @ferreirabrod)

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