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OPINIÃO

Computadorzinho filho de uma

Meu amigo, hoje estou puto. Cheguei à conclusão de que eu era um sujeito feliz e não sabia.

Quando estudante, e mesmo ainda muito tempo depois, eu escrevia à mão, usando lápis ou caneta, em cadernos ou em folhas de papel almaço.

Daí, passei a escrever em uma Olivetti portátil, que ganhei do meu pai. Meus horizontes nas letras ganharam novas dimensões.

O produto da escrita, fosse lá o que fosse, eu o guardava em uma gaveta ou uma pasta, mas quando procurava, ainda que levasse tempo, achava.

Às vezes, alguma traça comia as pontinhas do papel, embora não danificasse o texto em sua totalidade, e nada ia além do que o papel ficar amarelado e as letras perderem boa parte da nitidez. Contudo, o escrito sempre sobrevivia.

Veio a bendita tecnologia e trouxe milagres de encantar qualquer vovó. O computador e seus primos. Hum... que maravilha! Facilitou tudo. O mundo dentro de casa guardado numa caixa relativamente pequena.

Nos últimos tempos, ficou menor ainda. Hoje carregamos no bolso. O inimaginável surgiu condensado no espaço de um minúsculo celular, que há poucos dias atrás era um mero telefone. Ave Maria! Basta um toque de dedo para nos levar ao quase infinito de tudo.

Ficamos todos viciados na máquina. Pior, dependentes dela. Agora, ninguém conhece mais a letra de ninguém.

Fiquei encantado com a tal engenhoca. Difícil entender do seu miolo, mas fácil de operar, lógico que depois de uns meses fuçando em suas funções.

Mas como nem tudo que reluz é ouro, com o computador inventaram também o vírus. Que saudade eu tenho da traça, porque ela não desaparecia com os meus textos.

Vinha eu reunindo o que encontrei dos meus escritos, de 1997 até este ano, num arquivo em meu computador. Originais de artigos e de crônicas, estes num total de 476 (quase todos publicados pelo Diário da Manhã), e de livros que já editei, mas um, eu estava terminando de escrever. Em um segundo desapareceu tudo.

Os entendidos culpam o vírus. Sobraram os títulos. Quando abro o arquivo os conteúdos aparecem criptografados. Tudo cifrado, oculto. Um desastre nas minhas mal traçadas linhas.

Viu só, se eu ainda escrevesse na minha velha Olivetti portátil e guardasse a folha de papel na gaveta do meu criado mudo tudo estaria salvo. Tem momento que dá vontade de xingar a tecnologia.

(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)

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