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OPINIÃO

Costume de beijar – II

Seja nas funções, na importância histórica, na diversidade de lugares, na simples curiosidade ou nos seus infinitos significados ou ato de beijar é uma temática que vem despertando acirradas e polêmicas discussões, acredito mais acentuadas entre pessoas presas a dogmas religiosos, sobretudo quando o beijo ocorre na boca ou entre pessoas do mesmo sexo. Na França, na Alemanha, na Inglaterra e em outros países europeus, o beijo na boca constitui, durante muito tempo, a forma de saudação mais vulgar. É possível que essa saudação vulgar esteja hoje representada pelas beijocas faciais, na alta e média sociedade, provavelmente o beijo mais fingido do mundo. Montaigne fez notar a esse respeito, dizendo: “É um desagradável costume, e injurioso para as damas ter de oferecer os lábios a quem tem três criados na sua comitiva, por menos agradável que seja.”

Nem com as inegáveis transformações dos costumes, o beijo perdeu aquele seu caráter de manifestação de homenagem respeitosa e carinhosa, como acontece com os beijos dos filhos nos pais e destes nos filhos, na mão ou na face, assim como aqueles com os quais certos cavalheiros ainda saúdam senhoras e senhoritas em determinados ambientes sociais.

Nas Américas, notadamente no Brasil, o costume de beijar já virou uma forma até banal de cumprimentos, entre a juventude e nas relações de amizade dos mais velhos, sem erradicar, porém, a resistência dos mais conservadores e puritanos a essa extraordinária expressão de carinho e paixão, tomara somente ao beijo “criminoso” e maldoso, atentatório à moral, ferindo normas jurídicas e ao que nos resta de legítimo e válido nos chamados bons costumes. Não faz tanto tempo que um Juiz de Direito de uma cidade de São Paulo baixou uma portaria proibindo o beijo, de modo especial entre os jovens, recebendo até a solidariedade de uma loja maçônica. Os moços protestaram através de um ato público, conscientes de que não há quem consiga eliminá-lo e evitá-lo no mundo. Vale lembrar três instigantes curiosidades a respeito do assunto:

1 – O beijo mais longo do qual se tem registro foi protagonizado por um casal brasileiro. Durante uma maratona, realizada em Santos (SP), Márcio José e Ivy Mariano Simões de Lima ficaram 62 dias, 8 horas e 15 minutos com os lábios colados, com pequenas pausas apenas para irem ao banheiro e se alimentarem, permitidas pelo concurso. Como prêmio, receberam um carro.

2 - O americano Alfred A. Wolfram mereceu registro no Guiness Book por ter beijado 8.001 pessoas, em 8 horas, no festival Renaissance de Minnesota, em setembro de 1990, ou seja, uma pessoa a cada 3,6 segundos.

3 – O marinheiro Carl Muscarello e a enfermeira Edith Shain entraram para a história, em 14 de agosto de 1945, após serem flagrados trocando um fortuito beijo em plena Times Square, no centro de Nova York, como comemoração pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Eles se cruzaram, se beijaram e foram embora sem trocar uma palavra sequer. Voltaram a se encontrar 40 anos depois, em um programa de televisão.

A sua dimensão histórico-semântica prossegue um desafio aos pesquisadores, notando-se que sem o beijo por certo, não existiria a apreciada ave, beija flor, de vôo tão veloz e de diversos tipos, com o “preto”, agourento, da linguagem racista, evidenciando o racismo “ecológico” contra os animais; o “pardo de coleira”, que costuma festejar a gente com má notícia; o “beijar a Cristina”, da gíria policial, com os fumantes de maconha; o indivíduo viciado em buscar excitação sexual aplicando a boca no clitóris da mulher, bem comum nos chamados palavrões e termos afins do Nordeste, mormente da Bahia; nem o “beijar a pedra”, dos cultos afro-brasileiros, reverenciando os “assentamentos” dos orixás, ajoelhando-se (os iniciados) e beijando Peji (lugar sagrado da cultura Afro Brasileira).

No processo de globalização, nos tornando todos vizinhos, já podem ser definidos os seguintes tipos de beijos: vapt-vupt, toque ligeiro dos lábios; estalante, barulhento, podendo ser ouvido de longe; terceiras intenções ou mordidas nos lábios; social, na face, de cumprimentos ou despedida; de reverência, na mão, antigo; de respeito, na testa; vampiresco, no pescoço; moderado, mais longo, seguido ou não de abraço, intenso, apaixonado, com alta carga erótica; o falso, sem ser de Judas Iscariotes, com os olhos abertos, quando os lábios apenas se encontram.

Enfim, teria o beijo no pós-tudo em que vivemos, adquirido uma expressão mais profundamente sentimental, tornando-se, por isso, um instrumento corrente de exteriorização do amor?  Ou da exploração do sexo, massificado, comercializado. Seria somente uma conquista feminina?  Um estrito sinônimo de namoro?  Transmitiria doenças infecto-contagiosas ou seria apenas afeto, cumprimento social e Amor, como admitiram São Paulo e Santo Agostinho? Ou ainda um perigo, uma maldição pecaminosa de pensamento antigo? E o vírus de HIV? Quais são as causas das cáries? A saliva causada pelos beijos não seria um detergente, mantendo os dentes limpos? Curaria insônia e dores de cabeça? Não reduziria o estresse, a depressão, tão na moda, e a ansiedade? Aumentaria a frequência cardíaca nas relações sexuais? Ajudaria e preveniria o envelhecimento? Quem duvidaria do poder curativo do amor, inclusive ocorrente através do beijo? Em última hipótese, o beijo afetaria a saúde. Deixaria mais benefícios do que os tais malefícios? Seja como for, quem é que não gosta de receber carinhos, afetividades e outras delícias da vida?  Deve ser por isso, como diria Machado de Assis, que “a melhor definição de amor não vale um beijo de moça namorada”.

(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), IHGGO, UBEGO, AGI, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected]))

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