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OPINIÃO

Formação e consolidação do internacionalismo burguês e do internacionalismo proletário

Uma “passada de olhos” sobre o título deste sétimo artigo, desprovida de conhecimento sistemático e baseada no senso comum, poderá parecer inicialmente, uma leitura dispensável. Porém, vencendo este primeiro impulso e decidindo-se a favor da continuidade da leitura, é possível perceber e ir compreendendo que toda e qualquer atividade humana está condicionada pelo conteúdo exposto a seguir.

Nos últimos anos, principalmente após o desmoronamento do sistema soviético e o advento do Século atual, se desenvolve, de forma mais ou menos articulada, uma grande campanha para nos levar a acreditar que “não há mais espaços” para as ideologias, que os partidos políticos e a divisão entre esquerda e direita estão superados, não há mais luta de classes. Estas contradições foram eliminadas pelo desenvolvimento social e as tentativas de tê-las como referencial, não raramente, estão associadas a radicalismos “apaixonados”.  Argumenta-se que na defesa de princípios ideológicos e políticos de esquerda e direita, permanecem somente pequenos grupos de “dogmáticos”, de “totalitários”. A diversidade político-ideológica está destinada a desaparecer. Há uma convergência rumo ao centro político, a um “programa único”, a uma “política econômica única”, a uma identidade pragmática entre   as   diferentes posições político-partidária-programáticas que, em nome da governabilidade, convergem para posições semelhantes. Acreditam, equivocadamente, que as posições assumidas pelo Governo Dilma são exemplos contundentes desse “fim da história”, do triunfo definitivo da alternativa e do mercado capitalista.

Apesar dessa volumosa falácia e das tentativas de legitimação da barbárie (neo)liberal, basta desenvolvermos um “olhar” um pouquinho mais atento e utilizarmos aquilo que nos diferencia de outros animais, iremos compreendendo que não é por acaso, não dependem apenas dos “humores” de quem quer que seja, e não são gratuitas as atuais disputas político-partidárias, as atuais manifestações de rua, as disputas e polarizações existentes e manifestas no Congresso Nacional, as tentativas de efetivação de um golpe político-institucional através do impedimento da Presidenta Dilma. Ao contrário do que a mídia propagandeia, estamos vivenciando, de forma diferenciada e particular, um acirramento inédito e peculiar, da luta entre interesses – de classes e frações de classes – contraditórios, manifestos por aqueles que desejam conservar as mazelas que afetam a maioria da população e aqueles que resistem, que procuram preservar as pequenas conquistas obtidas nos últimos anos e abrir caminho para reformas mais profundas.

Na última década, a partir dos esforços para desenvolver uma política externa alternativa, independente do domínio norte-americano-europeu, essas características se encontram acirradas e agravadas. O grande capital internacional pretende abocanhar e privatizar o que resta das riquezas e das empresas nacionais e estatais, representadas principalmente pela Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e disposto a eliminar toda e qualquer resistência representada no Governo Dilma e por forças políticas de centro-esquerda. Acentuam-se as críticas à atual política externa brasileira e as propostas de retomada de realinhamento e retorno a antiga política – de submissão – aos interesses norte-americanos, à famosa política de “tirar os sapatos” . Não é por acaso que o atual centro de ataque das forças conservadoras e reacionárias, associadas a seus aliados externos, dirige-se contra a Petrobras e recomeçam a surgir os defensores de sua privatização.

Neste sétimo artigo , dedicado à memória da Comuna de Paris que há 144 anos indicou a possibilidade de construção de uma sociedade mais fraterna, solidária e igualitária, insisto com aqueles que se preocupam em entender melhor a realidade em que vivemos, que a necessidade de recurso ao conhecimento – histórico – produzido pela Humanidade, é decisivo e insubstituível.  Insisto: não é por acaso, mesmo que de forma subsumida, que as forças econômico-políticas internas aliadas a interesses internacionais, tentam desestabilizar os governos que buscam construírem alternativas independentes da hegemonia norte-americana, como por exemplo, ficando apenas na América Latina: Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Brasil. Há farta documentação, materiais e publicações sobre a orquestração de diferentes formas de golpes, inclusive militares, e outros tipos de intervenções e ingerências.

As pessoas interessadas em ampliar e aprofundar seus conhecimentos sobre esta temática, em uma perspectiva geopolítica, poderá ler a abordagem brilhante e sintética apresentada pelo Prof. Romualdo Pessoa (UFG), em uma série de artigos publicados em seu blog Gramática do mundo.

A referência à História é importante e salutar para entender a atualidade

As revoluções burguesas, principalmente depois de 1789, contra a ordem monarquista trazem também consigo, o slogan universalista de liberdade, igualdade e fraternidade – princípios formais elaborados pelos pensadores contratualistas e o iluminismo – e de que todos os homens têm o direito de resistir aos regimes opressores, contribuindo para legitimar as insurreições e revoluções contra os regimes monarquistas baseados em privilégios e discriminações.

Associado a essas formulações teóricas e a ampliação da circulação de mercadorias, surge e configura-se o sistema colonial, expande-se e consolida-se o mercado mundial. Assim, as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais em um determinado país repercutem imediatamente em outros. As forças de conservação da ordem monárquica reagem violentamente na tentativa de manter seus privilégios de classe. A burguesia nascente, na defesa de seus interesses e interessada na construção de uma nova sociedade, aproveitando-se da crise estrutural do ancien régime, participa e dirige as insurreições populares que se alastram pelo continente europeu e repercute por outros continentes. Isso faz com que as mudanças em um país – em nosso caso em toda a Europa do século XIX – tenham impactos decisivos além das fronteiras geográficas e na repartição econômico-política e territorial entre as monarquias.

A caracterização dessa nova sociedade foi brilhantemente caracterizada, de forma sintética, por dois jovens revolucionários  que, em 1848, apresentaram eloquente elogio e ao mesmo tempo, uma crítica densa e demolidora, lançando assim, os fundamentos para sua destruição.  Afirmaram: “A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Limitou-se a colocar novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta, no lugar das anteriores”, passando assim, deste então, a desempenhar um papel contraditório: em alguns contextos atuam como forças conservadoras e outros, mantém por curto período, posições mudancistas. Fato que não nega, segundo esses autores, seu papel histórico.

Prosseguindo: “A burguesia, onde ascendeu ao poder, destruiu todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Rasgou sem compunção todos os diversos laços feudais que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, ou do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação devota, do fervor cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês filisteu, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar de um sem-número de liberdades legitimas e estatuídas colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, colocou a exploração seca, direta, despudorada, aberta. ”

“A burguesia despiu todas as atividades até aqui veneráveis e estimadas com piedosa reverenciada da sua aparência sagrada. Transformou o médico, o jurista, o padre, o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por ela. ”

“A burguesia arrancou à relação familiar o seu comovente véu sentimental e reduziu-a a uma mera relação de dinheiro. (...) A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, por conseguinte as relações de produção, por conseguinte todas as relações sociais. ” (MARX e ENGELS, s.d., p. 84)

É significativo, no que diz respeito aos aspectos internacionais das revoluções burguesas, principalmente das posteriores a 1789, da Revolução Francesa, se converteram em algo mais que uma simples revolta contra problemas especificamente locais e nacionais: as reivindicações revolucionárias abstratas e formais, sintetizadas pelas palavras liberdade, fraternidade e igualdade, podiam ser aplicadas como instrumentos mobilizadores e de maneira óbvia, a qualquer país e século. “De fato, alguns conceitos e ideologias, que surgiram da França revolucionária, como democracia e socialismo, se desenvolveram de maneira específica como movimentos internacionais conscientes por parte de intelectuais revolucionários como Karl Marx. Também convém assinalar que os avanços tecnológicos na imprensa e comunicações tornaram possível que as ideias se propagassem com rapidez, não só dentro de um país determinado, mas também além de suas fronteiras [...] Era cada vez mais evidente aos revolucionários e conservadores que a revolução, do mesmo modo que o desenvolvimento econômico, estava se convertendo com grande velocidade em um fenômeno inter-relacionado em escala global. ” (TODD, 2000, p. 112).

Mas ao converter-se em classe dominante, a burguesia enfrenta uma contradição: necessita consolidar, ampliar e estender seu poder econômico-político local, o que exige ao mesmo tempo, a criação de identidades nacionais, porém isso só se tornará possível através da negação dos mesmos, ou seja, internacionalização e a constituição de monopólios. Isso no fundamental, transforma as contradições e disputas locais e nacionais em lutas internacionais efetivadas localmente. Esse é o caráter que assumirão as crises econômico-políticas, as guerras – Primeira e Segunda -, enfim, a configuração e reconfiguração da (nova) ordem capitalista (internacional).

A ideia de nação e o internacionalismo burguês

A concepção burguesa, que pressupõe um conteúdo genérico de liberdade em abstrato, de igualdade em abstrato, de fraternidade em abstrato, ou seja, de direitos universais abstratos e de homem abstrato, necessita e constrói conjuntamente a ideia abstrata de povo, como sendo os habitantes – independentemente de suas origens étnicas e classes sociais – de um determinado espaço geográfico e político, denominado nação.

A ideologia burguesa, ao elaborar ideias de igualdade e direitos universais em abstrato, busca eliminar as contradições e as desigualdades – reais – entre as classes sociais e uniformizar a sociedade. Assim, no esforço de neutralizar a ação coletiva do proletariado e impedir sua identidade de classe, apresenta o povo-nação – todos aqueles que habitam o mesmo espaço político e geográfico, possuem as mesmas "tradições" e “história”, falam o mesmo idioma, tem a mesma cor da pele, etc. – como a identidade coletiva. Mas, a destruição da hegemonia da nobreza, as transformações políticas, o desenvolvimento das forças produtivas e "a internacionalização da produção capitalista fazem [...] com que a burguesia se torne uma burguesia internacional e o proletariado um proletariado internacional. Há, portanto, uma burguesia e um proletariado europeus [e mundial], não vários”. (PALÁCIOS, 1995, p. 27)

Na realidade, o povo-nação, a nacionalidade, ao transformar desiguais em juridicamente iguais, tenta criar identidade de interesses entre operário e capitalista e, negar o antagonismo engendrado ao nível das relações de produção, e que se manifesta por toda a sociedade, eliminando a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, em luta irreconciliável, e a contradição essencial entre capital e trabalho.

“Ao implantar a coletividade nacional, o Estado burguês define todos os agentes da produção, produtores diretos ou proprietários, como iguais, tal igualdade consistindo em sua condição comum de habitantes de um mesmo território [...]. Assim, a unificação aparente ou formal dos agentes da produção em povo-nação transforma os produtores diretos em indivíduos: neutraliza sua tendência ao isolamento. Essa individualização é um obstáculo à luta dos produtores diretos contra os proprietários dos meios de produção que lhes extorquem o sobre-trabalho; nessa medida, ela torna possível a renovação contínua desse processo de extorsão [...] O Estado burguês, ao representar a unidade [...] dos membros das classes sociais antagônicas no povo-nação desempenha a função de neutralizar a tendência à formação de comitês de fábrica, sindicatos operários, partidos revolucionários; isto é, de atomizar os produtores diretos, conservando-os num estado de massa (individualismo, concorrência no mercado de trabalho) e impedindo sua constituição em classe social. (PALÁCIOS, 1995, p.  26)

A Comuna de Paris de 1871 desmistifica o discurso burguês do Estado-nação, do nacionalismo burguês e revela o caráter internacional da aristocracia e da burguesia, e consequentemente das classes e da luta de classes.

As classes proprietárias não opõem resistência significativa à ocupação da França – e de Paris – pelas tropas invasoras, e, devido a rebeldia do proletariado, se apressam nas negociações com os prussianos para estabelecer as condições de sua rendição.

Thiers expôs com muita clareza aos componentes de seu governo e à Assembleia Nacional que era necessário aprovar imediatamente as condições de efetivação da paz com Bismarck.  Sem perda de tempo, sequer admitiu o debate parlamentar, tendo em vista que a rendição à Prússia era a única circunstância que lhe permitiria iniciar a guerra contra Paris. Agindo dessa maneira, Thiers torna evidente que a contrarrevolução francesa em aliança a europeia, não tem tempo a perder em sua luta contra o proletariado.

As classes proprietárias se submetem as imposições prussianas e, com a garantia de não-intervenção – e inclusive de apoio – do exército inimigo, eles organizam e concentram sua violência e poder de destruição contra seus "cidadãos", contra a Comuna.

“O fato inédito de que, na mais tremenda guerra dos tempos modernos, o exército vencedor e o exército vencido confraternizem na matança comum do proletariado não representa, como pensa Bismarck, o esmagamento definitivo da nova sociedade que avança, mas o desmoronamento completo da sociedade burguesa. A empresa mais heroica de que ainda é capaz a velha sociedade é a guerra nacional. E fica provado agora que é ela uma pura mistificação dos governos destinada a retardar a luta de classes e da qual se prescinde logo que essa luta eclode sob a forma de guerra civil. A dominação de classe já não pode ser disfarçada sob o uniforme nacional; todos os governos nacionais são um só contra o proletariado! ” (MARX, 1997, p. 215)

Do outro lado, o

Internacionalismo proletário

Explicitando as contradições entre o discurso ideológico mistificador e a prática agressiva e imperialista em que se afirma o nacionalismo burguês, Marx e Engels em contraposição, revelam já em 1848, no Manifesto do partido comunista, o conteúdo internacional das relações capitalistas burguesas e das classes sociais, exteriorizam o caráter – nacional somente enquanto forma de manifestação – internacional da dominação e exploração de classe e consequentemente o caráter internacional das classes e da luta da classe operária, ou seja, o internacionalismo proletário. Inclusive, este caráter internacional é exposto no frontispício do Manifesto do Partido Comunista:  ¡Proletários de todo mundo, uni-vos!

Neste sentido, a Comuna de Paris de 1871 é a primeira experiência e manifestação do conteúdo internacional das classes, da dominação de classe e da luta entre as classes, pois revela com grande nitidez contundência e violência a aliança e união das aristocracias e burguesias francesas e prussianas contra o proletariado de Paris.

A Comuna de Paris, ao se posicionar contrária à submissão da França e à entrega de Paris a dominação prussiana não o faz movida somente pelo sentimento nacional – forma em que se mostra concretamente a luta de classes –, mas sim por uma série de razões, as quais, nesse momento, colocavam com grande evidência que a luta de classes não se limita às fronteiras nacionais, a um só país: ela é internacional, como ficou demonstrado cristalinamente pelas posições assumidas pelo proletariado de Paris e pelas classes proprietárias francesas em aliança com as tropas prussianas de ocupação.

Assim, a luta do proletariado parisiense contra as aristocracias e as burguesias francesas e prussianas assume conteúdo internacional e revela que os problemas das classes dominadas e exploradas não se limitam as fronteiras políticas e geográficas. E assim, recebe solidariedade da classe operária de diferentes países que compreendem que a exploração de que uma é objeto é a mesma das classes exploradas de outras nações, e que são parte dessa sociedade civil mais ampla que é a sociedade mundial. Por isso, os conflitos locais e nacionais são somente manifestações concretas da luta de classes e que tendem a desaparecer com a internacionalização das relações sociais, e assim, se convertem em conflitos que superam os limites nacionais. Os problemas e a luta do proletariado francês não se limitam a suas fronteiras geográficas, mas são os mesmos que os do proletariado alemão, do proletariado inglês, do proletariado espanhol, e assim sucessivamente.

Neste sentido, o proletariado obtém o apoio e a solidariedade do movimento operário e socialista de vários países – sobretudo da Associação Internacional dos Trabalhadores, a Internacional –, e incorpora inumeráveis socialistas estrangeiros em suas fileiras e, os sentindo convictos dos princípios do internacionalismo proletário, escolhe vários estrangeiros para posições de direção na Comuna, que, inclusive, morrem nas barricadas em defesa da república universal. Isto porque "a bandeira da Comuna é a bandeira da República mundial". (MARX, 1977, p. 162).

“Não obstante, ao largo de sua curta existência de 72 dias, a Comuna de Paris encontrou muitos partidários por toda Europa, pertencentes sobretudo à gente trabalhadora corrente, em geral membros de sindicatos e uma minoria significativa de partidários da Primeira Internacional de Marx. Mandaram mensagens de apoio e organizaram, quando foi possível, reunião pública de solidariedade. A maior dessas manifestações foi realizada no Hyde Park de Londres em 16 de abril de 1871, com 30.000 participantes. Além de que, apesar da derrota da Comuna no mês seguinte, os communards legaram ao movimento internacional operário os símbolos que ainda perduram: a bandeira vermelha do socialismo e a famosa canção do comunismo, a “Internacional”, escrita pelo communard Eugène Pottier. (TODD, 2000, p. 119).

A Comuna de Paris de 1871, ao possibilitar aos  proletários de Paris e ao proletariado mundial o entendimento de que não só é possível, mas um dever imperativo e um direito lutar pela concretização dos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade internacional, não se limitando simplesmente a se apoderar da máquina do Estado (nacional) tal como se apresenta e servir-se dele, mostrou como devem tomar o  poder político e construir  um novo tipo de Estado que lhes possibilite utilizá-lo para seus próprios fins, para se tornarem senhores de seu próprio destino.

O Capitalismo sobrevive, efetiva transformações profundas, mas os ideais da Comuna de Paris, continuam atuais

Nestes 144 anos após a ousadia proletária de tentar construir uma nova sociedade, o Capitalismo sobrevive e experimenta importantes alterações, principalmente nas últimas décadas: as economias capitalistas, as avançadas e as dependentes, passam por mudanças em sua base material de produção, provocando significativas modificações nos processos de trabalho. A configuração espaço-temporal é alterada em consequência do desenvolvimento cientifico-tecnológico, que possibilitaram a propagação do “via satélite” e o surgimento da noção de “tempo real”, promovendo amplas e significativas alterações no modo de ser das pessoas, em sua subjetividade, em sua vida individual e nas relações sociais, fortalecendo as alternativas individualistas e golpeando os já débeis laços de solidariedade. Os hábitos de consumo são alterados significativamente. Mas, pese essas alterações, as relações interpessoais continuam marcadamente segmentadas pela divisão da sociedade em classes sociais e por diferentes interesses.

Aparentemente é o triunfo definitivo da economia de “livre” mercado, de consolidação e institucionalização da democracia representativa (neo)liberal, que em nome da busca de legitimidade, permite aos cidadãos, ou mais propriamente, aos eleitores, de tempo em tempo, “decidirem” através de eleições – não raramente viciadas – sobre o governo – definido como representativo – que regerá seus destinos e o do país até as próximas eleições.

Mas, ao mesmo tempo, estas transformações acentuam e aprofundam a exclusão econômica e social, não só nos países do chamado mundo subdesenvolvido e pobre, mas atinge também, os desenvolvidos. Surgem cotidianamente “novos” marginalizados, que ao se proliferarem, elevam assustadoramente o volume de excluídos da prosperidade: os trabalhadores “sem trabalho”, os “miseráveis do mundo”, os “inúteis para o mundo”, produzidos pela crescente concentração das riquezas.

É crescente o número daqueles que, em busca de condições de sobrevivência, são obrigados a deixarem seus locais e países de origem, ocasionando o fenômeno das correntes migratórias rumo aos países considerados desenvolvidos, que associadas aos problemas sociais já existente nestes países, provocam uma segregação social a nível mundial. Procurando impedir o acesso dos “sem-trabalho” ao território das grandes potências, transformam suas fronteiras em verdadeiras fortalezas, como por exemplo os 3.500 Km que separam os Estados Unidos do México e do restante da América Latina, que por iniciativa do governo norte-americano, se transformou em uma verdadeira muralha para impedir o acesso a este país de trabalhadores latino-americanos que fogem da miséria persistente em seus países de origem. O muro e a cerca que separa os EUA do México, ao que tudo indica, “virou moda”, e está sendo reproduzida por Israel, que constrói um muro para “separá-lo” de seus vizinhos fronteiriços e impedir o acesso de palestinos a “seu” território. Até a União Europeia, propalada “defensora” dos Direitos Universais do Homem, cria mecanismos para dificultar ou mesmo impedir o acesso de imigrantes aos países membros, edificando assim, uma “nova muralha da vergonha”, negando desta forma, os princípios e direitos fundamentais, entre os quais se destaca o mais primário entre eles, o direito à vida e a liberdade para buscar melhores condições de existência.

O aprofundamento da desigualdade social se agrava com o fato de que a acumulação capitalista e a distribuição da riqueza, produzida internacionalmente mas acumulada principalmente nos países desenvolvidos, são regidas nestes, pelos fatores internos que dependem da correlação de forças existente entre as classes sociais; enquanto que nos dependentes ou do Terceiro Mundo, ela é determinada não só por essa correlação de forças, mas a ela se somam com significativa importância, os fatores externos, decorrentes das relações hegemônicas, que concomitantemente, bloqueiam o desenvolvimento econômico e social desses países, impondo-lhes uma integração na economia mundial de forma dependente de interesses que em geral, são definidos a partir dos países dominantes. Assim, o desenvolvimento capitalista, desigual e integrado, se revela incapaz de promover o desenvolvimento integrado, seja nos próprios países mais desenvolvidos ou seja nos países dependentes, que ao sofrer os impactos das desigualdades internas, se veem na contingência de aceitarem uma relação de dependência e um desenvolvimento desigual. Isto faz com que as contradições nacionais se transformem também em contradições internacionais, ocorrendo o mesmo no que diz respeito à relação contrária. (COSTA, 2004, p. 264)

Esse processo aprofunda inevitavelmente a concentração das riquezas em mãos de uma pequena minoria e a ampliação das taxas de desemprego, o que por sua vez, provoca uma destruição acelerada de forças produtivas. Esse processo contraditório poderá provocar em médio prazo, o suicídio do próprio sistema, uma explosão social, como poderá ser o resultado produzido pelo agravamento da crise estrutural, das tensões localizadas, mas que tendem a generalizar-se e a internacionalizar-se, conforme o demonstrado pelo aprofundamento das contradições e conflitos em diferentes países nos diferentes continentes.

Essa violenta exclusão social de novo tipo, produz um novo tipo de despossuído: milhões de pessoas não são somente excluídas do consumo, mas ocorre algo pior, são excluídas da possibilidade de integrar-se, ainda que só ocasionalmente, na economia capitalista. Isto, inquestionavelmente gera uma situação de fragmentação social sem precedentes, de exclusão social explosiva, uma “globalização da pobreza”, colocando, a nível mundial, de um lado àqueles que são proprietários do capital e de outro lado, a crescente massa de despossuídos, o que produz uma espécie de apartheid social globalizado, favorecendo o crescimento da xenofobia e do racismo.

Uma das mais perversas facetas da “modernização” da economia é o desemprego estrutural que atinge um crescente número de trabalhadores, tanto nos países desenvolvidos como nos dependentes. Amplia-se o número de deserdados e famintos, excluídos da possibilidade de integrar-se ao próprio exército industrial de reserva. Ao mesmo tempo, intensifica-se a concentração de riquezas em um reduzido número de países e de setores das classes dominantes, as vinculadas ao grande capital internacional.

A mundialização econômica e financeira é uma realidade inquestionável e traz consigo a universalização das contradições entre os diferentes interesses vinculados ao capital, que não se limitam apenas a um ou outro país. Estes antagonismos, que até há algumas décadas em sua maioria eram mantidos nos limites das fronteiras nacionais e dos blocos – econômicos, políticos e militares –, agora, se aprofundam e assumem dimensões mundiais e contribuem para definir o processo de luta de classes, reafirmando e ampliando seu aspecto internacional.

A propósito de uma conclusão das ideias apresentadas, podemos partir da pergunta: Qual avaliação é possível fazer das três últimas décadas? Em resposta, podemos constatar, sem grandes esforços, é que o ideário liberal conservador, ou melhor neoliberal, que vinha se impondo como uma realidade inquestionável, pelos resultados produzidos (empobrecimento significativo de parte considerável da população mundial, agravamento da fome, proliferação de epidemia, guerras, etc.). Mostrando assim, de forma irrefutável, sua “faceta” concentradora de riqueza e geradora de pobreza e miséria para significativa parcelas da população. A nível mundial, a longa crise econômica e social não dá mostras de que serão superadas a curto ou médio prazo. Ao contrário, agrava-se com maior ou menor velocidade a depender dos interesses em cena. A competição por fatias e pelo domínio do mercado mundial assume proporções impossíveis de serem imaginadas nas décadas imediatas ao imediato pós-guerra.

Neste contexto de internacionalização financeira, de grande desenvolvimento técnico e científico, que permitem alcançar níveis de produtividade do trabalho inimagináveis e a produção em grande quantidade, foram construídas as condições necessárias para atender as principais necessidades materiais da humanidade. Mas, por que isto não ocorre? Porque se trata, prioritariamente, de uma questão e de decisões políticas que permitam superar a visão economicista, estabelecida a priori, o reinado do “livre” mercado, que para continuar expandindo-se, impõe como necessária, a marginalização de crescente número de trabalhadores.

Creio que, pese as aparentes e localizadas “ilhas” de bem-estar, a alternativa entre barbárie ou civilização, está presente com grande força nos dias atuais. A médio ou longo prazo, a alternativa vitoriosa dependerá das condições e da correlação de forças existentes em cada país, em cada bloco econômico e político e a nível mundial. Porém, apesar das diversas dificuldades, as contradições econômico-políticas persistem e aprofundam-se, possibilitando o surgimento de condições favoráveis para ocorrerem e aprofundarem o processo de mudanças experimentadas em diferentes países, que consolidadas e ampliadas, permitirão avançar rumo à construção de um outro mundo possível, necessário e urgente!

Referências bibliográficas

COSTA, Silvio. Tendências e centrais sindicais. O movimento sindical brasileiro de 1978 a 1994. São Paulo : Anita Garibaldi; Goiânia : Universidade Católica de Goiás. 1995.

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ENGELS, F. “Introdução a “Guerra civil na França”. In MARX & ENGELS (1977): Textos. São Paulo. Alfa-Ômega. 1977.

LISSAGARAY, Hippolyte Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo. Ensaio. 1991.

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SAES, Décio. Estado e democracia: ensaios teóricos. Campinas, São Paulo, IFCH / Unicamp. 1994. (Col. Trajetória 1).

TODD, Allan. Las revoluciones. 1789-1917. Madrid. Alianza. 2000.

(Silvio Costa, professor de Sociologia, Ciência e Teoria Política na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. É autor dos livros Tendências e centrais sindicais; Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto e Revolução e Contra-Revolução na França. É organizador de Concepções e formação do Estado brasileiro e Estado e poder político: do realismo político à radicalidade da soberania popular. Endereços eletrônicos: [email protected] e [email protected])

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