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OPINIÃO

No campo tem curriola

“Periquito tá roendo o coco da guariroba/Chuvinha de novembro amadurece a gabiroba”. Esse é o começo da trilha sonora mais conhecida de Goiás. Nossas manhãs de sábado perdeu, pela retirada do programa Frutos da Terra do ar, o cheiro e o gosto das frutas do cerrado. Esses sentidos eram despertos pelos acordes e os dois primeiros versos da música do mesmo nome do programa semanal; última cantada de João Caetano na TV Anhanguera. Fernando Perillo, primeiro a gravá-la, Genésio Tocantins, vocal do Musika, Marcelo Barra e Pádua também cantaram o hino do programa.

A cultura popular sente a perda irreparável do programa mais goiano da história da televisão. Frutos da Terra continua na nossa imaginação. Mas Goiás perdeu a mais importante trincheira de resistência cultural para a enxurrada da aculturação globalizada. Imagino que um programador da Rede Globo decretara: a televisão regional que se dane!

Os olhos e ouvidos da maioria expressiva no estado – a que mora no interior ou os filhos e netos que vivem em Goiânia – conservou seus hábitos nas manhãs comandadas pelo mestre Hamilton Carneiro. Quem veio de fora também foi tocado pelas nossas tradições e a simplicidade arrebatadora de Hamilton Carneiro. Ele teve a companhia de um timaço: Carmo Bernardes, Bariani Ortencio, músicos e contadores de causos; Geraldinho, Nilton Pinto, Tom Carvalho e Ostecrino Lacerda. A tradição goiana ganhou, na força daTV, a magia da roça expressa no jeito goiano de viver. “E não tem nada mais doce que araçá dessa terra”.

Ainda ecoa no sertão do Brasil Central a música composta por Genésio Tocantins e Hamilton Carneiro para abrir o programa mais longevo da televisão goiana. 32 anos e 1403 programas feitos com o olhar criterioso do apresentador. Um acervo e tanto, não é, Hamilton? Nesse brejo tem ingá.

Pois é. Frutos da Terra tem as mais belas imagens do povo de Goiás, retiradas da sensibilidade de ouvir e perceber o outro. Hamilton faz o cruzamento de frutas do cerrado com passarinhos para obter gorjeios e canções; olhar seráfico na escolha de seus convidados. Mágica do poeta Manoel de Barros, o menino do mato que fazia parte da natureza; imaginou uma formiga ajoelhada na pedra. A canção de Hamilton é a metáfora maravilhosa da fartura do cerrado.

A TV Anhanguera subtraiu do telespectador o direito de acesso às nossas raízes; Frutos da Terra foi para a guilhotina. Talvez seja a hora de os movimentos populares irem para a rua pedindo mais cultura. Por que não? Cultura também é um direito do cidadão.

Noutro dia, em Piracanjuba, Maria, uma mulher comum, do povo, se dizia triste por causa do fim Frutos da Terra.

– Coitado do Hamilton, ouvi falar que ele está muito doente. Eu oro por ele com um galho de arruda pedindo a Deus para lhe repor as virtudes do corpo.

Respondi:

– Hamilton está bem de saúde; firme no trabalho da sua agência de publicidade. Continue orando, pois todos precisam de prece.

Mestre Hamilton, fazemos um pedido: volta com o programa Frutos da Terra, mesmo que seja em outra emissora. Os artistas, sem você a divulgá-los, perderão shows e a oportunidade de mostrar a força de uma cultura rica e diversificada.

O público, excluído das decisões, perde mais. Certamente que uma pesquisa feita em todo o estado de Goiás mostraria a grande audiência do seu programa. Talvez outra emissora já tenha percebido a falta que você faz com o seu Frutos da Terra.

Aí o rumo das coisas pode ser diferente.

“Tem uns pés de marmelada depois que passa a pinguela...”.

(Doracino Naves, jornalista; diretor e apresentador do programa Raízes Jornalismo Cultural, www.raizesjornalismocultural.net, escreve aos sábados no DMRevista)

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