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OPINIÃO

“Pequenas” corrupções

 Apesar desse tema não ser novidade, é necessário o seu debate. O brasileiro é famoso pelo seu jeitinho de lidar com as coisas cotidianas. A Lei de Gérson que regula a tendência de levar vantagem nas diversas situações, burlando a ética, a moral e os bons costumes.

Diante dos desmandos e da péssima situação política e econômica em que vivemos, cresce nas ruas e nas redes sociais um movimento apartidário que se protesta contra as grandes corrupções que vem assolando todo o país.

Os literatos costumam lembrar do malandro Leonardo, personagem de Manuel Antônio de Almeida em sua obra Memórias de um sargento de milícias (livro diferente do romantismo convencional), que aprontava bastante no Rio de Janeiro (século XIX). Pedro Malazarte é personagem de data e fama ainda mais remota. Ambos contavam com suas espertezas para levar vantagens e aprontarem suas arruaças.

Se a corrupção política é apenas a ponta de um iceberg, como disse o escritor Pedro Karnal, ela é mesmo um reflexo cultural de se achar normal tudo o que procede desse jeitinho vantajoso de lidar com diferentes coisas. “Jeito de agir segundo os afetos e não segundo a razão pura”, segundo o filósofo Immanuel Kant.

Muitos acham normal falsificar carteirinha de estudante, furtar e burlar sinal de TV a cabo, comprar e vender produtos falsificados, furar filas, colar e passar cola nas provas (ou copiar trabalhos, textos e artigos da internet), bater ponto e assinar lista de presença para colegas de trabalho ou de estudo, apresentar atestados médicos falsos, inventar uma justificativa, as mentiras tidas como socialmente necessárias, vender ou comprar o voto, estacionar em vagas especiais (ainda que seja rapidinho), falsificar assinaturas, declarar informações falsas no imposto de renda (omitir ou comprar notas), receber troco a mais e não devolver, não dar nota fiscal (ou o valor correto), desrespeitar lugares reservados em ônibus, cinema, teatro, estacionamento etc, levar para casa enfeites de festa que não são cortesia, tentar subornar o policial ou guarda de trânsito, burlar normas de trânsito (sinais e “gatos” por exemplo), desrespeitar normas trabalhistas, andar pelo acostamento ou em pistas reservadas a ônibus), burlar licitações e obter vantagens indevidas, pagar multas e continuar desobedecendo a lei, jogar lixo pela janela ou nas ruas, receber auxílios sem necessidade (moradia, deslocamento, verbas de gabinete, despesas extras) etc.

Muitos acreditam que pequenos delitos como esses não se comparam a grandes corrupções milionárias, mas se esquecem que ambos são delitos, são atitudes desonestas que desonram nosso caráter.

Somos todos humanos e imperfeitos, mas isso não impede que num determinado momento de nossas vidas possamos dar um basta a atitudes como essas, que são de fato desonestas. Não há mentiras grandes e pequenas, na bruta concepção da palavra. Uma água límpida deixa de ser potável com uma mísera bactéria num cisco e também com uma colher cheia de dejetos. Óbvio que as consequências são diferentes para cada tipo de ação.

Uma relevante campanha da Controladoria-Geral da União, intitulada “Pequenas Corrupções – Diga Não” merece um destaque ainda maior. Mudamos um país investindo na educação e cultura de cada indivíduo. O comportamento que é socialmente adequado hoje pode não ser amanhã.

Quando todos decidirem mudar o caráter de cada indivíduo, a ética cívica coletiva será mudada. A corrupção que está tão arraigada em determinado partido não é responsabilidade exclusiva da classe política, é fruto dessa aceitação generalizada de obter vantagens, desse jeitinho torpe de ser e de se achar mais merecedor do que os demais. Adote essa ideia! Até a próxima página!

(Leonardo Teixeira, escritor)

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