– Filho, sua professora me ligou.
– Ah, nem, pai.
– Ela estava preocupada. Você tirou nota muito baixa na prova.
– Professor sempre está preocupado. Deve ser por isso que ela tem tantas rugas.
– Não seja maldoso.
– Sério. Ela não tem senso de humor.
– O que você aprontou?
– Nada.
– Por que disse que ela não tem senso de humor?
– Ela não gosta de ver a turma sorrindo.
– Não entendi.
– Algumas aulas são bem chatas. Algum colega faz um comentário e a gente quase morre de rir. Ela fica muito brava com a gente.
– Você a desrespeitou.
– Rindo?
– Rindo.
– Mas nem cheguei a gargalhar.
– Não precisa. Se você soubesse o quanto é difícil dar aula, teria mais consideração com ela.
– Ah, ela passa umas coisas no quadro e fica contando umas histórias de uns povos que nem existem mais.
– Aula de História?
– Não. Matemática.
– Mas matemática trata de números, equações e coisas assim. A vida de povos que não existem deve ser história.
– Não, é matemática mesmo. Um tal de Pitágoras, outro chamado Gauss. Há também um certo Euclides. É engraçado.
– Não é.
– Juro que é.
– Por exemplo?
– Tinha um tal de Arquimedes que provou que uma coroa de um rei era falsa medindo o peso dela com água. Como pode pesar alguma coisa com água? Loucura, pura.
– Conheço a história.
– É um negócio sobre flutuação de objetos em água.
– Sim. O rei desconfiava que sua coroa não era feita de ouro puro. A majestade havia pago um preço muito alto por ela.
– Isso mesmo.
– Então, ninguém conseguia provar que era falsa. Aí o rei estava desconfiado que a coroa era de prata, apenas revestida por ouro.
– Foi o que a professora disse.
– Se não me falha a memória, Arquimedes pesou a coroa e duas porções, de massas iguais, de ouro e prata. Colocou cada uma em água e mediu o deslocamento do volume. Depois, comparou os resultados e descobriu que a coroa não era de ouro puro, mas uma mistura com prata e o metal dourado.
– Foi assim que ele desmascarou o artesão.
– Exato. Mas não há nada de engraçado na história.
– Eu acho engraçada, sim, meu pai.
– Nada a ver. É o chamado princípio de Arquimedes, fundamental para a engenharia civil, por exemplo. Não vi graça nenhuma.
– Pura loucura, pai.
– Prove para mim.
– Usar água para peso? Nada a ver.
– Não é exatamente peso, mas densidade.
– Que seja, papai, é pura maluquice?
– Por quê?
– Uai, água se mede em litros e não quilos.
– Sua professora tem razão. Você merece o zero que levou...
(Victor Hugo Lopes, jornalista)