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“Rosarita Fleury”: uma narrativa efetiva

Estou a ler um livro permeado de afeto e espírito saudosista, de autoria da presidente da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás – Aflag –, Maria Elizabeth Fleury Teixeira, intitulado Rosarita Fleury, minha mãe.

Pelo título já se vê que se cuida da biografia da mãe da escritora, a consagrada romancista goiana Rosarita Fleury, uma das fundadoras  da Aflag e autora de Elos da mesma corrente, um dos romances mais celebrados da literatura produzida em Goiás.

O livro não é apenas uma incursão pela vida de Rosarita, uma das figuras femininas mais fascinantes da vida literária goiana, mas por todo um período histórico, visto sob uma perspectiva romântica e carinhosa. Como ressaltou o prefaciador, acadêmico Helio Moreira, “ao ler estes relatos de Dona Rosarita não há como não se emocionar, pois é a própria história da cidade de Goiás, contada por alguém que viveu naquela cidade mágica, no começo do século XX, e cujos pais e avós, que ela conheceu  e com eles conviveu, também ali viveram em pleno século XIX”.

A autora se apropria das reminiscências da biografada, em que esta descreve os detalhes de sua vivência infantil na bucólica cidade de Goiás, sua adolescência romântica e os episódios familiares entremeados ao surgimento e desenvolvimento da nova capital de Goiás, de que sua família foi pioneira. A partir dessa etapa, a filha passa a ser a dona da narrativa, conseguindo inserir no texto a mesma carga de sensibilidade presente na narrativa de sua famosa mãe. Então, é como se o leitor penetrasse no túnel do tempo, para retroagir aos anos iniciais do nascimento de Goiânia, quando o tumulto das inúmeras obras em construção não impedia o congraçamento familiar, a realização dos saraus, a presença da chama sagrada de um novo tempo marcado pelo progresso, pela prosperidade e pelo surgimento de oportunidade para todos. O livro narra histórias dos seresteiros vilaboenses, as perseguições políticas próprias da velha ordem republicana, os costumes e os hábitos das famílias da velha capital, ressaltando as figuras memoráveis da professora Inhola, do avô Heitor Fleury, do Bispo Dom Emanuel, do interventor Pedro Ludovico e, enfim, das figuras icônicas que marcaram aqueles anos de mudança, quando o Estado ingressava em uma nova fase política, de profundas transformações socioeconômicas. Goiânia era um canteiro de obras, uma efervescência que se irradiaria por várias décadas, até tronar-se uma cidade primaveril, ornada de verdes bosques e praças bucólicas. Rosarita, na esteira dos ascendentes, homens de cultura, dedicou-se a escrever, além de cultivar os dotes próprios das mocinhas do seu tempo. Recebeu um prêmio da Academia Brasileira de Letras, por Elos da mesma corrente, e fundou a importante Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, em parceria com as escritoras Ana Braga e Nelly Alves de Almeida. Uma instituição viva, onde congregam as mais talentosas artistas e escritoras goianas.

É uma narrativa deliciosa de se ler, tecida com densa e contida emoção, sem os derramamentos que poderiam comprometer a qualidade literária. E é um depoimento de um tempo em que a cidade merecia mesmo o epítome de cidade “primavera”.

Vale a pena ler este belo livro de Beth. Essa viagem literária torna mais aceso o amor por esta cidade, e por essa gente pioneira que, na solidão agreste do cerrado, edificou com suor, sangue e sonhos, esta urbe que se projeta sedenta para o futuro.

(Itaney Francisco Campos, desembargador)

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