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OPINIÃO

A precarização via terceirização

Até pouco tempo o Vaticano mantinha uma relação de livros e textos que não poderiam ser lidos pelos fiéis. Quaisquer argumentos que iriam contra os dogmas religiosos estavam passíveis de serem censurados e colocados ali, no chamado Índex. Daí que se combatia, pela via sagrada, o pensamento que representava os descontentes ou daqueles que pregavam um direito de liberdade face aos interesses do clero.

Hoje, guardadas as proporções, vemos outras instituições e organizações, adeptas da religião laica do capitalismo, enviarem para os seus arquivos negros os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a mesma sanha virulenta daqueles tempos. Há no ar, inclusive, um mau-cheiro de vingança contra os trabalhadores, que há muitas décadas se beneficiam de leis contrárias às doutrinas do liberalismo e do neoliberalismo.

Os bispos foram trocados pelos proprietários do grande capital e os infiéis agora são os trabalhadores. Dizem os donos do poder econômico que seus custos de produção estão acima dos preços exigidos pelo mercado e, neste sentido, que o principal peso são as obrigações trabalhistas. Defendem, então, que se faça uma “flexibilização” dos seus direitos para que se potencialize a competitividade, se reoriente os recursos para outros fatores produtivos etc.

Como sempre, faz-se do agente mais fraco o responsável pelas incongruências do mercado, onde são os empresários que efetivamente decidem sobre suas estratégias e objetivos. Se, historicamente, decidiram mal, que se punam os trabalhadores? De fato, o desejo de se locupletarem moldando uma nova abordagem da terceirização tem a ver com uma busca de solução para suas incompetências administrativas. Ora, não se minimizam custos através da depreciação dos rendimentos de trabalhadores.

A terceirização, na verdade, atribui irresponsavelmente ao trabalho a ideia de que este é um fator de produção problemático, que precisa ser “colocado em seu devido lugar”. Volta-se aos princípios do liberalismo clássico, quando o trabalhador era somente mais uma mercadoria que precisava apresentar eficiência e propriedades de valor de uso e de troca. Se percebido assim pode ser usado conforme uma máquina ou equipamento industrial, ou, no limite, como um escravo.

A terceirização corrompe até mesmo o ideal liberal em transformar operários em “capital humano”, pois deixam de sê-lo em última instância para se tornar autômatos de mercado. Se considerarmos empresas como organizações estratégicas, será por meio da terceirização de todas as suas áreas que se tornarão frios campos de exploração, onde indivíduos atuarão ao sabor de poucas garantias, reduzidos salários e medíocres proteções. Não há quem respeite a nobreza do trabalho em tais condições.

É necessário hoje que se proteja os direitos dos trabalhadores e que se exija que empresários da indústria, do comércio e da agricultura realizem uma gestão mais honesta de seus negócios, superando suas dificuldades através de uma readequação de suas taxas de lucros e do aumento da produtividade, o que naturalmente reverterá a atual tendência de crise de crescimento empresarial. Os trabalhadores são parceiros neste processo e não fontes de custos a serem reprimidas, são seres humanos que raciocinam e colaboram para que a produção seja realizada, e não números e cifras a serem subtraídas.

O poder econômico, infelizmente, tem braços compridos dentro dos governos e, em momentos de desatenção da sociedade, realizam seus interesses de forma dissimulada e sub-reptícia. No caso da terceirização é preciso que todos os trabalhadores, sejam do setor privado, do público, dos meios acadêmicos, estejam vigilantes e estabeleçam ações contrárias aos propósitos de precarização do trabalho, ou senão enviaremos de uma vez por todas a CLT para as profundezas do índex capitalista.

(Djalma Araújo é vereador do município de Goiânia)

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