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OPINIÃO

Deus na individualidade da criança índigo

Final da Copa e os canais televisivos só falavam de futebol, coisa que não interessa a Maria Eduarda, apesar de gostar de brincar de bola. Deixou suas instalações com aparelho de tevê e veio para a sala onde nós outros acionávamos o controle para escolher algum programa interessante.

Puxei conversa e logo depois me atinei de ter agido com preconceito. Era uma exibição religiosa e apareceu no vídeo um tipo racial diferente que, além de estranhamente feio, ostentava uma boca enorme, rindo com dentes salientes, beiços protuberantes parecendo um desses espécimes do álbum de Darwin.

– Que homem feio! – exclamei. Poderia fazer uma plástica, ao menos para corrigir essa bocarra de lábios grossos e apresentar-se mais elegante na televisão, que é lugar de galãs. Pensei em estar, com tal observação, chamando a atenção de minha neta, sempre voltada para o ideal da arte e expressão de beleza.

Surpreendeu-me com a seguinte reação: – Que é isso, vovô! Os homens são todos diferentes. Se fossem todos iguais, parecia que eram feitos na máquina. Só a máquina poderia fazer todo mundo igual. Tentando disfarçar minha gafe, espichei o assunto: – Se todos fossem iguais, então seriam todos bonitos como o vovô, não é?

Desconversou, respondendo: – Bem, poderiam sair uns bonitos e outros feios, mas não todos iguais. Insisti na ideia: – Se fossem feitos na máquina, não é? (Evitei usar expressões do tipo, produção em série). Ao que ela respondeu, em tom professoral: – Explicação, vovô. Deus é quem faz as pessoas. Ele é quem sabe o segredo. Só ele tem poder.

Entre estarrecido e, mais uma vez, desapontado, retomei minhas brincadeiras de sempre: – Mas no meio dos diferentes, vovô está entre os bonitos ou entre os feios?

Outra revelação veio daqueles pequenos lábios e daqueles olhinhos luminosos, já agora falando com autoridade: – Quantos anos o senhor tem? Estendi-lhe sete dedos, dizendo: – Setenta. – Pois é, você é velho, mas quer dizer, você também é novo. É minha explicação: quem é velho também foi novo. Quem é novo vai ficar velho. E concluíu magistralmente: – Você nunca é igual a você mesmo.

Tive que reinar silêncio e para não perder a posição que sempre desfrutei de dar lições de vida, minha única saída foi pedir-lhe, com um beijo, uma pose para fotografia, no que ela consentiu, sabendo-se bonita e nunca igual às outras. Mas sua preleção não parou por aí, com toda a sabedoria de cinco anos de idade.

Ergueu-se do sofá e quis me explicar mais coisas, além do seu conceito de individualidade. Encolhido ao lado de sua avó, ouvi atentamente. Era sobre a diferença das pessoas, pobres e ricos.

Disse ela: – Os que trabalham e têm dinheiro para comprar o que querem, são ricos. Exemplificou: Déborah é rica, o vovô é rico, eu sou criança, entendeu? – Os que não trabalham e não têm dinheiro, são pobres, como os moradores de rua, os meninos que não têm mãe e os velhinhos das esquinas.

– Então, acrescenta ela – que gosta muito de reprisar essa conclusiva: – Então, nós que temos as coisas que Deus nos deu, precisamos ajudar os pobrezinhos. Então, eles ficam felizes quando comem, quando ganham presentes, quando conversam com a gente. Então, é porque todos somos filhos de Deus.

Curvei-me ante tamanha grandeza de espírito, numa criatura tão pequena quanto iluminada, como pequenas parecem as estrelas que iluminam o firmamento. Vi que o reino de Deus está mesmo dentro de nós, quando amamos o próximo e praticamos a caridade. De hoje em diante sou seguidor de minha neta.

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa)

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