Home / Opinião

OPINIÃO

O novo apartheid da internet

Diante dos sucessivos acontecimentos nacionais e as reações por toda a rede, é de se parar para refletir sobre como nós, brasileiros, temos nos comportado uns com os outros, através do processo de formação de sociedade. A construção de uma pátria é uma atividade perene e com uma dinâmica imparável. Estamos o tempo todo mudando, adaptando, crescendo, atualizando conceitos. No entanto, causa espanto perceber que, aparentemente, estamos – agora – numa espécie de espiral de intolerância generalizada.

A primeira dúvida que surge é no tocante ao radicalismo e à agressividade. Pelas redes sociais, surgem avalanches de discursos raivosos. Mais do que ter uma opinião ou um posicionamento, no geral, temos lido e acompanhado manifestações de ódio. O que ainda não dá para compreender é se a internet nos fez assim, corajosamente furiosos, ou se a força da comodidade do anonimato é que nos permitiu revelar o que realmente fomos. O fato é que, pelo menos ideologicamente, estamos digladiando e nos matando como sociedade.

Por conta dos embates da política eleitoral, criamos um grande muro sócio comportamental no qual dividimos o mundo em “nós” contra “eles”. A maturidade democrática, que nos demorou tanto a chegar, parece que tem mais nos feito mal que o bem esperado. Assim como em diversas democracias pelo mundo ocidental, a polarização em duas agremiações partidárias e ideológicas é uma tendência natural. Só que por aqui, no Brasil, tem criado um muro de Berlim repleto de ódio e discriminação. Estamos perdendo a chance de dialogar para tão-somente nos odiar uns aos outros.

O acréscimo do perigoso tempero religioso na política dá um sabor de veneno nas relações. As constantes aparições de líderes religiosos controversos como Silas Malafaia em debates sociais e políticos somente causa confusão às pessoas. É, quase sempre, um discurso de incitação ao ódio e à segregação. Curiosamente, na exata contramão dos mandamentos do Cristo, que morreu implorando pela comunhão dos homens na Terra.

Já não temos nomes ou identidade. Politicamente, somos Petralhas ou Coxinhas. Causamos um reducionismo tolo, pueril e sem conteúdo no qual conseguimos comprometer trajetórias geniais como a do humorista e entrevistados Jô Soares. O maior showman do Brasil, agora, tornou-se um idiota, vendido ou qualquer outro adjetivo ofensivo somente por ter feito uma entrevista com a presidente da República. Estamos insistentemente querendo cercear os valores democráticos e até mesmo do jornalismo. Se for contra o que pensamos, deve ser sumariamente tolhido. Isto não é democracia, é autoritarismo conservador.

E diante disto, estamos cada vez mais intolerantes com o diferente de nós. Se já tínhamos dificuldade em aceitar o diverso, agora criamos uma espécie de milícia virtual, cujos agrupamentos vivem para defender a supressão de movimentos sociais reais, como o LGBT. Há uma guerra contra gays em geral, defendida por gente de batina, de gravata ou de avental. A internet é o grande panfleto da discriminação. E achamos que, com isto, estamos preservando valores familiares. Na verdade, estamos apenas ensinando às novas gerações a incitação ao cultivo do ódio.

O anonimato do sofá dos ativistas de Facebook incentiva a coragem pela manifestação do preconceito e o fim do diálogo. Assim com discriminamos gays ou políticos de esquerda ou direita, acabamos por repetir outros preconceitos do passado, como o racismo do apartheid ou a recriminação dos direitos das mulheres que há menos de 100 anos sequer podia votar no Brasil. Repetimos preconceitos e nos separamos em castas imaginárias, mesquinhas. Terminamos por esquecer que no mundo real, fora do “curtir” e “compartilhar” ainda somos o que sempre fomos: seres humanos, os mesmos homo sapiens sapiens de sempre.

Ernani de Paula, empresário, ex-prefeito de Anápolis

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias