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OPINIÃO

Vale-estilingue

“O Brasil progride à noite, enquanto os políticos estão dormindo.” (Elias Murad)

Esta semana, mais uma vez e... de novo, outra discussão legislativa insólita movimenta os corredores políticos do Estado. É o Vale-Arma, Bolsa-Revólver, ou segundo nos conta a história goiana, recente, a conhecida Lei do Trinta.

Da reza maldita não se sabe o começo e ninguém se arrisca a palpitar quantas contas para se alcançar o final da penitência. O ‘direito’ de quem pode ou não se armar, no intuito de defender-se do bandido, vem sendo discutido por inúmeros representantes do povo nas Casas Legislativas – aqui, em Brasília e Brasil afora –, alguns gatos pingados munidos de giz, uma meia dúzia com cartilhas de direitos pós-Constituição. A grande maioria caminha rumo à salvação armada com uma vela numa das mãos e a cartilha da Lei do Olho por Olho e Dente por Dente na outra.

A proposta do deputado estadual, major eleito pelo seus reconhecidos trabalhos enquanto traja a farda militar, dá ao indivíduo ‘de boa índole’ poder de financiar, através do Estado uma arma. Esta deve ser destinada, única e exclusivamente, à sua defesa pessoal e da família, hoje, acuada pelos ‘marginais’. Apresentar seus dados cidadãos, endereço fixo e frequentar o curso de treinamento são as exigências e condições básicas para que o trabalhador se torne mais um ‘cowboy da cidade’.

A arma – no valor de até R$ 1 mil –, segundo o projeto, poderá ser adquirida no mercado legal. A proposta não menciona o calibre mas todo e qualquer pagador de impostos, por mais leigo que seja, sabe que com o montante do ‘benefício’ proposto não se compra, em lojas legalizadas, sequer uma faca de coleção. Já no mercado negro o qual funciona, ao ar livre e sem emitir nota fiscal, em praças conhecidas e espalhadas pela Capital, por este valor, o sujeito ‘adquire’ uma garrucha enferrujada, pistola com número de série raspado ou uma bicicleta afanada.

À nova receita de segurança nas cidades goianas, uma pitada de bom humor nos leva a pensar a garrucha como um belo antiquário pendurado na parede da sala e que não irá causa dor a ninguém. Já a pistola, destas que se vê, aos montes, na mídia podre da TV do meio-dia, costuma gerar uma visita ao distrito mais próximo, processo administrativo e, algumas horas mais tarde, segundo a própria polícia e delegados, o sujeito infrator e ‘bandido’ deixa a delegacia pela porta da frente enquanto a PM ainda se ocupa em preencher dados de formulários questionáveis.

Com certeza a bicicleta é, das três propostas, a melhor das opções, justamente por dar ao indivíduo vulnerável – consequência da ineficiência do Estado e exacerbada desigualdade social –, a possibilidade de pedalar, fugir do ‘bandido’ e desfrutar o bônus de praticar algum exercício aeróbico sem cobrança de impostos por parte deste mesmo Estado.

Bons tempos em que a segurança na Capital e cidades circunvizinhas encontrava como expressão da questão social o fato pitoresco das vacas adentrando portas de residências ou estabelecimentos comerciais. Na zona boêmia, em dia de pagamento da peonada, a violência resumia-se à notícia de um lençol e amores rasgados, o sujeito esfaqueado na perna enquanto outro anotava o fato para apostar no jogo do bicho mais tarde.

Com certeza, e pelo teor das últimas propostas apresentadas na Casa de Leis goiana, estamos voltando no tempo e também às ‘boas propostas’ legislativas. Acorrentado à negação da responsabilidade cidadã por parte do Estado – que arrecada e já não delibera gestão –, o projeto faz jus e sentido às propostas do deputado, enquanto candidato. Ao menos ele demonstra ética a seus preceitos e propostas de campanha.

Enquanto foge dos ‘bandidos’ e da legislatura, o cidadão corre atrás do emprego, da xepa na feira e alguma dignidade. Se o ditado insiste que “aquele que não tem cão caça com gato”, saibam pois senhores executivos que a crise está de uma tal maneira – aqui do lado de fora e no bolso do trabalhador – que o transporte, a moradia, lazer e educação e também a panela do operariado do sistema capitalista, que na fila e à espera deste ‘benefício social’ já existem centenas à espreita de pelo menos um ‘vale-estilingue’ que possa lhes proporcionar a dignidade com valor de compra de, pelo menos, uns 100 reais.

E o pulso... ainda pulsa!

(Antônio Lopes, assistente social, mestrando em Serviço Social/PUC-GO)

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