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A vaca Tabuleta e outros nomes complicados

Minha mãe Milena defendia que se deveriam dar números aos filhos e só depois de crescidos eles escolheriam os próprios nomes. Ela não escolheu como se chamariam seus filhos Helder Etienne, Mara Yanmar, Herbert Mozer e Carla Mylenne, e sim meu pai Alcides. Como uma postagem no Facebook afirma que quem tem k, y e w no nome é pobre, meu destino foi selado ao nascimento e eu o estou cumprindo fielmente.

A pessoa pobre, para dar destaque ao filho, copia nomes americanos geralmente escritos de forma errada. Meu pai não era nenhum analfabeto. Formou-se técnico em contabilidade no Instituto Mineiro de Educação em Montes Claros, tinha boa redação comercial, não largava o dicionário e lia jornais e revistas diariamente. As minhas bonecas eram batizadas com nomes de artistas de Hollywood como Jayne Mansfield e Sandra Dee. Ele assistia a pelo menos dois filmes por semana. Assim, nomes com letras duplicadas foram uma escolha e não uma sina.

Trabalhando como médica há quase 36 anos, e atendendo em média 20 pessoas por dia (já atendi 30, mas desacelerei), tenho me deparado com nomes mal escolhidos, mal escritos, bizarros, esdrúxulos e até vergonhosos. Nomes inventados são problemas, assim como brasileiros filhos de estrangeiros, com nomes difíceis de pronunciar, de escrever, e com documentos errados. Já atendi Ostac, Cilsa, Merielen, Maikon (o mais comum). Diante disso, melhores eram antiguidades como Eurídice, Orozimbo, Vicença ou Godofredo. Ainda melhor é ser chamado Maria, João e Pedro.

Na série nome inventado que cai no ridículo, a pessoa não tem xará nem seu nome pode ser lembrado. Listo Gilcilene, Lacilda, Hordilei, Richarlyson. Baby Consuelo, depois Baby do Brasil batizou seus filhos assim: Riroca, Zabelê, Nanashara, Krishna Baby, Kriptus Rá e Pedro Baby. A minha secretária há mais de 20 anos se chama Thykysila. Outra esquisitice é família numerosa com todos os filhos começados com a mesma letra. Isso pode não acabar bem, ainda que a criatividade dos pais seja monstruosa. Os nomes ficam tão parecidos que é preciso recorrer a apelidos para diferenciá-los. É comum copiar nomes de personagens de novela ou de filhos de artistas (Enzo, Luan). Gera situações constrangedoras colocarem nomes de políticos nas crianças, que depois carregam nas costas uma ideologia que não é a sua. Ou ainda ter por nome o sobrenome de algum personagem ou ex-presidente dos Estados Unidos. Já bastam as meninas brasileiras carregarem nomes de lugares estrangeiros, como Fátima e Lourdes, seguindo o nome Maria.

Nomear lojas, carros, produtos, ou qualquer empreendimento ou cidade pode ser a diferença entre o ostracismo ou posição de destaque, chegando a ser top of mind ou mesmo significar em certa época o produto em si, como já foi Gillette, Bombril, Toddy, Modess ou Brahma. O nome Corsa, para um carro popular da Chevrollet, gerou polêmica, por ser a fêmea do veado. O remédio para diabetes Minidiab era rejeitado pelos pacientes, que não gostavam do nome. Há a tendência de um produto ter o mesmo nome em vários países, para baratear os custos, mas, pelo significado, alguns precisam ser trocados.

Portenho é referente a Buenos Aires, mas algumas vezes se vê como sinônimo de argentino, o que é errado. Soteropolitanto é de Salvador, potiguar é o mesmo que norte-rio-grandense, assim como carioca (um rio local) é alguém da cidade do Rio de Janeiro e fluminense os do estado do Rio de Janeiro. Paulistano é uma pessoa da cidade e paulista é do estado de São Paulo.

As vilas vão virando cidades e anexando ou tirando parte do nome, que originalmente costuma ter algum santo protetor. Cidade de São Salvador, Cidade do Natal, e Santa Maria de Belém do Grão Pará. Há nomes curiosos como São José da Coroa Grande (Al), Cacha Pregos (BA), Santa Rita do Mato Dentro (MG), Pai Pedro (MG), Braço do Trombudo (SC), Coité do Nóia (AL), Castelo de Sonhos (PA), Beijo das Freiras (PB), Passa e Fica (RN), Pau Grande (RJ), Pintópolis (MG) que arrancam risos. A lista de nomes bizarros como Pindamonhangaba, Itaquaquecetuba é interminável. Vitória da Conquista na Bahia deveria se chamar Conquista da Vitória, mais lógico.

Ainda que nomes pitorescos causem estranheza, são mais interessantes que as vexatórias homenagens a políticos. Montes Claros, por sua vez, já teve outras denominações, começando como Fazenda Montes Claros, Vila de Formigas, Montes Claros de Formigas e finalmente Montes Claros. Quanto ao título, a vaca Long Island tinha uma tabuleta com seu nome complicado amarrado ao pescoço, e como o vaqueiro não conseguia pronunciá-lo, era conhecida como Tabuleta (Chico Anísio). E viva o inventivo povo brasileiro!

(Mara Narciso, médica e jornalista)

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