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OPINIÃO

Uma transexual (era homem virou mulher) rebate meu último artigo sobre aspectos psiquiátricos do transtorno de identidade de gênero

B.C. é uma transexual muito inteligente, na verdade inteligentíssima, que resolveu rebater minhas argumentações exaradas no meu último artigo aqui no Diário da Manhã, domingo, 18.10.15. Como o assunto é complexo, e acho que houve crescimento de ambas as partes, geralmente com respeito, opto por divulgar este “debate” por aqui, é claro, guardando o devido – e respeitoso – anonimato.

Diz B.C: “Para começar uma reflexão, suponho que vocês conheçam o caso de David Reimer. Me digam, por qual razão ele, uma vez que já tinha sido criado como mulher, já tinha uma vida como mulher, documentos, corpo de mulher, resolveu transformar seu corpo no corpo de um homem? Interessante observar que ele nasceu com aparelho reprodutor masculino, e então foi ‘transformado’ em uma menina após ter pênis decepado numa circuncisão. Será que ele tinha um cérebro masculino, e foi por isso que ele não permaneceu como ‘Brenda’?

Falo do transexualismo com mais propriedade que  a maioria dos psiquiatras.

Já se sabe que, em ratos, existe um processo de ‘masculinização’ do cérebro em um certo período crítico, que não ocorre nas fêmeas pela presença de uma substãncia chamada alfa-fetoproteína, que se liga à testosterona, se não me engano, e impede esse processo. Em humanos não sabemos como isso acontece, mas deve ser algo semelhante.

Também é interessante observar que pessoas XY (portanto, do ponto de vista cromossômico, mulher) com uma doença chamada Insensibilidade Androgênica Completa sempre se identificam como mulher, apesar da presença de testículos, o que é o oposto do que ocorreu com David Reimer. Enquanto isso, pessoas XX (cromossomicamente homens) com Hiperplasia Adrenal Congênita desenvolvem comportamentos, e às vezes até identidades masculinas, dependendo do nível de exposição à testosterona.

Sobre o último artigo do Marcelo, onde fala de transexuais adequarem seus corpos por conta de seus parceiros... Eu sou transexual e gosto de mulheres. Não me convence essa ideia, acho que quem muda seu corpo o faz por si mesma(o), não pelo outro.

O discurso da militância LGBT  muitas vezes é bem confuso. Ele tenta conjugar em uma coisa só os relatos de transexuais que dela participam, e a teoria feminista. Mas aí ocorre muitas vezes um conflito, pois o maior mote da militância é a frase de Simone de Beauvoir ‘não se nasce mulher, torna-se’. Ela é interpretada muito rigidamente, no sentido de que transexualidade seria 100% ‘nurture’ (aspectos sociais, psicológicos, culturais) e 0% ‘nature’ (aspectos biológicos), algo um pouco semelhante com os argumentos do Marcelo. Mas estudos com gêmeos mostram que o fator genético ou epigenético é significativo, em torno de 62%. Muitas transexuais dizem que sua sensação de incongruência remonta à infância.

Quanto às pessoas que dizem que promovemos uma auto-mutilação, queria saber qual é esse órgão que a gente retira... fora os testículos, que servem basicamente para produzir hormônios que deformam o corpo, a gente não tira nada, só reposiciona. Afinal de contas, as origens são as mesmas, exceto que num é o duto mulleriano que desenvolve, e no outro é o duto wolffiano. Mas um cirurgião qualificado pode transformar a glande no clitóris, o prepúcio e a pele do pênis nos lábios, o saco escrotal no canal vaginal, e usar a glândula bulbouretral para dar uma lubrificação natural. Os hormônios fazem... o que eles fariam no corpo de qualquer pessoa. a diferença é que nós os recebemos bem depois da puberdade, o que faz com que os efeitos não sejam tão pronunciados, logo recorrer a próteses de silicone é a alternativa para muitas. Colocar silicone e fazer depilação a laser são coisas bem corriqueiras para muitas mulheres na nossa sociedade, não sei porque seria ‘anormal’ se eu fizesse a mesmíssima coisa. E os hormônios eu tomo pq meu corpo não produz na quantidade que deveria, e são os mesmos hormônios que receitariam para você se tivesse algum desequilíbrio no ciclo menstrual, ou se simplesmente quisesse evitar uma gravidez.”

Então, eu, Marcelo Caixeta, respondo: B.C., acho que você entendeu mal meu último artigo quando diz, aí acima, que eu falei que o transexualismo é uma condição “nurture”, ou seja, derivada de problemas psicológicos, sociais, culturais, etc. Na verdade, minha posição é idêntica à sua neste particular, ou seja, com forte influência biológica. Para darmos seguimento ao debate, gostaria de obter sua explicação sobre um aspecto de sua psicossexualidade: uma vez que vc diz gostar de mulheres, então, do ponto de vista genésico, para a relação com as mulheres, não seria mais interessante o órgão fálico? Por que, então, mesmo assim, preferiu a emasculação?

B.C. continua respondendo a estas e outras questões, e eu as debatendo, nos próximos artigos (sempre às terças, sextas, domingos).

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra - [email protected])

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