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OPINIÃO

Maria Eloá, a intelectual que nasceu no campo

O sopro suave da brisa pressurosa que nascia além da serra trazia consigo o aroma perfumado das matas floridas e verdejantes naquela manhã ensolarada de 27 de junho de 1923, dia em que aportou ao orbe Maria Eloá de Souza Lima. Vindo a lume em ambiente relacional de fraterna convivência, no lar humilde e generoso de seus pais fazendeiro Antônio Francisco de Souza e da dona de casa, fiandeira e tecedeira Maria Hipólita Alves de Lima, ela teve outros: Ormelinda, Suzana, Jerônimo, Ana, Vicente Paulo, Marcemilha e Branca de Neve.

Ao revestir-se na indumentária física de uma garota campesina sua alma doce, generosa, viajora da eternidade e cidadã do universo trazia em sua bagagem o impostergável compromisso de cumprir mais um estágio em nossa nave planetária antes de regressar ao país da luz. Acolhida com desvelado carinho e acendrado amor em berço católico, a mensageira da paz e da esperança nasceu na fazenda Santa Clara, na região chamada Serra do Cafezal, município de Serranópolis, bela e hospitaleira cidade incrustada nas barrancas do Rio Verdinho, no Sudoeste de Goiás.  Embaixadora da cultura do cerrado, aquele espírito de escol e sertanejo, “antes de tudo um forte”, jamais poderia imaginar qual o roteiro seguro que nortearia sua conduta  na senda abençoada da brilhante trajetória que haveria de percorrer  com passos estugados e firmes.

Sua gostosa convivência com os avós paternos católicos e com os avós maternos espíritas, não impediu que ela tivesse forte influência do protestantismo então nascente na região, na urdidura de sua audaciosa e ousada personalidade. Exemplar humano de raríssimas virtudes morais, espiritual e de aguçada sensibilidade, despojada de rótulo religioso e sem ostentação vazia estava consciente de que as dificuldades interpostas em seu caminho haveriam de ajudá-la a crescer e progredir.

Vocacionada a crescer jornadeando a caminho da luz e avançando sempre na direção do bem, não tardaria em agregar novos valores ao promissor patrimônio de sua luminosa personalidade em formação. O enfrentar, combater e vencer a adversidade abriu as portas do seu entendimento para aceitar o ideário universalista da justiça social, da ecologia, da política e do humanismo sustentador da bandeira da liberdade, da igualdade e da fraternidade universal que um dia unirá todas as nações do planeta. Alfabetizada pela própria mãe aos cinco anos, Eloá ufana-se de ter nascido, crescido, casado e vivido na zona rural até o ano de 1958, quando o Brasil sagrara-se campeão mundial de futebol por primeira vez e ela o marido e a filha passaram a residir em Jataí.

O gosto inato pela leitura e pela busca incessante das luzes do conhecimento e do saber que emergiam de sua própria interioridade fê-la, ainda pequena, procurar e encontrar seguro abrigo nas obras importadas de Portugal, sobretudo romances, visto que no Brasil não existia editoras. Ao ler “Os Miseráveis,” obra francesa e encantadora da ilustre lavra do venerando escritor Vitor Hugo, apaixonou-se pelo seu conteúdo que haveria de exercer forte influência na sua formação cultural.  Audaciosa, valente e intimorata, mourejando entre a luta pela sobrevivência e o imenso desejo de aculturar-se cada vez mais, venceu todas as dificuldades para ingressar na rede curricular de ensino e consolidar o alicerce de seu aprendizado com a conclusão dos cursos básico e fundamental. Ávida por saciar sua imensa sede de aprender valeu-se do esforço pessoal e com as lágrimas do próprio sacrifício aquela jovem campesina, de indizível beleza física e espiritual conseguiu ao longo do tempo amealhar uma riqueza cultural de inestimável valor. Humanista audaciosa e auto ditada obstinada e incorrigível, nunca se descurou do compromisso pessoal e indelegável de promover o processo de sua própria autoeducação, consciente de que “ninguém educada sem se auto educar”. Antes de abraçar o abençoado sacerdócio de professora primária na zona rural de sua amada Serra do Cafezal já trazia consigo a certeza inabalável de que o conhecimento é processo libertador da consciência humana. E nesta linha de raciocínio com um enorme carinho passou a cuidar do desenvolvimento harmonioso e progressivo de todas as potencialidades espirituais de seu espírito irrequieto, sonhador e imperecível. E na senda desta árdua e luminosa trajetória estudou dois anos na cidade de Rio Verde, com mestres abnegados e cultos intelectuais que vinham da cidade de Goiás para plantar no solo fértil do Sudoeste goiano as abençoadas sementes das luzes do conhecimento e do saber.

Atendendo ao amorável convite da família Furquim em 1945 mudou-se para Goiânia com o objetivo de estudar e aperfeiçoar na sublime arte de educar. Abrigada no nacionalismo de seu ideário humanista conheceu na capital do Estado o fervoroso militante Djaniro Crispim que fê-la, por convencimento pessoal, ingressar no Partido Comunista Brasileiro nacionalmente comando por Luiz Carlos Prestes. Após esta fantástica experiência a jovem militante comunista voltou a lecionar na escola profissional da zona rural de sua região. Dezoito anos mais tarde ingressaria como aluna no Colégio Estadual Nestório Ribeiro, onde já com os cabelos grisalhos e mais de 60 anos concluiu o curso ginasial. Defensora intransigente e contumaz da alma viajora do povo humilde que ainda jornadeia peregrinando pelos descaminhos da vida temporal, Eloá uma comunista não praticante se confessa adepta fervorosa do Cristianismo ao afirmar textualmente que: “Sou cristã e reconheço que o Cristo foi o maior revolucionário da história do planeta.”

Ocorre que em dado momento da história de sua vida nossa ilustre personagem, convidada por sua tia Lezita Maria de Lima, casada com o fazendeiro Augusto César de Lima convidaram-na a lecionar na fazenda campeira de sua propriedade. O que aquela graciosa professorinha do sertão goiano jamais poderia prever é que aceito o convite a senda de sua árdua e brilhante trajetória tomaria uma direção nunca por ela imaginada. Logo que ingressou naquela atividade laboral sentiu-se seduzida pelo olhar encantador e voluptuoso de seu primo e aluno Antônio Cândido de Lima, com o qual se uniria matrimonialmente seis meses depois a 28 de outubro e de 1947 em cerimônia simples a aureolada de ternura. Desta fraterna, amorável e duradoura união que perdura há mais de 68 anos adveio o nascimento da única filha do casal Célia Maria de Lima, nascida na fazenda a 13 de maio de 1949, hoje advogada militante na comarca e procuradora da Prefeitura Municipal de Jataí.

Em seu linguajar brejeiro e peculiar a autora e romancista resgata com a singeleza do estilo leve e cativante de sua encantadora verve poética, a história do homem do cerrado cantando em prozas e versos seu acendrado amor pela nobre causa dos humildes e desprotegidos. Lutando com amor e tenacidade não demorou encontrar o luminoso caminho da verdade relativa que a permitiu agregar novos e modernos conhecimentos ao rico patrimônio de seu permanente aprendizado cultural.

Os bons frutos desta frondosa árvore cultural, amealhados com a experiência de quem ainda moureja jornadeando entre a luta pela sobrevivência e o incontrolável desejo de saber e de iluminar-se da vez mais, guindaram-na ao mais elevado patamar da literatura goiana. Assim emergiu dos recônditos de sua própria interioridade luminosa e fértil, a beleza poética e literária que deu origem ao Serra do Cafezal I e II que à semelhança do Grande Sertão Vereda de Guimarães Rosa, coloca a alma do povo na trincheira dos humildes. Em outro foco de indizível formosura literária a beleza singular e majestosa brinda seus leitores com o “Ana Prudenciana”, o “Mariquinha do Sobrado” e de “O Jesuíta”, romance que deve vir a lume brevemente retratando uma história real.  Em todas estas obras memoráveis e de inestimável valor literário, por certo o leitor amigo encontrará ali a alma generosa e encantadora da extraordinária mãe de família e dona de casa, da incomparável professora, da arrebatadora poetisa, da excelente romancista, da exímia trovadora, da fluente prosadora, da bela declamadora, da universal esperantista, da laureada escritora, da prendada costureira e da caprichosa artesã Maria Eloá de Souza Lima. Eis a afetuosa e merecida homenagem que ousamos prestar através deste singelo e descolorido artigo de nossa humilde lavra a um exemplar humano de excelente magnitude.

Avante Eloá, arauto da democracia e timoneira da liberdade, que em suas inúmeras andanças pelo caminho do tempo vai deixando os legados preciosos da marca indelével de suas pegadas de amor e um rastro de luz pelos caminhos por ela percorridos.

Com gratidão e votos de alegria e muita paz receba o reconhecimento do mais humilde filho da nossa inesquecível cidade apiária.

(Irani Inácio de Lima, presidente da Associação Jurídico Espírita do Estado de Goiás - [email protected])

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