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OPINIÃO

Querem o fim da psiquiatria não por humanismo, mas por interesses (e pior, concordo que eles estão ganhando)

No nosso último artigo, dia 21.2.16,  disponível em http://digital.dm.com.br/#!/view?e=20160221&p=21,  tentávamos rebater a idéia de que o “fim da psiquiatria”, que é pedido por tantos grupos, tem finalidade “humanística”. Mostramos que as finalidades são interesseiras, seja políticas (acabar com a iniciativa privada), seja corporativistas (acabar com uma profissão para favorecer a sua).

Quem não tem alguém muito próximo, tipo um parente, um amigo, uma namorada, um fiel da Igreja, um ativista pelos direitos humanos, um estudante de psicologia, sociologia, filosofia, serviço social, um pastor, um médium, etc, que estão cheios de “razão antipsiquiátrica” de ser?

Vejam bem, desde o último artigo mostrei que  temos fortíssimos grupos de pressão anti-médico-psiquiátrico: o esquerdismo (para quem é importante acabar com a “iniciativa privada dos hospitais psiquiátricos”), o governismo (para quem é importante acabar com redes privadas para aumentar o poder de contratação no Estado e o poder da “saúde pública” face à “saúde privada”), o feminismo (para quem é importante “fincar o pé” contra a autoridade fálica), os “coitadinhos-manipulados” (que tem de ser protegidos da sanha dos capitalistas, da sanha dos frios, truculentos, torturadores), a imprensa (que tem de jogar para toda esta galera aí acima), os poderes constituídos, executivo, judiciário, legislativo, promotores, delegados, agentes sociais, etc (que têm de fazer seus cabides-de-emprego, seus currais-eleitorais, seus “fãs-que-adoram-as-ações-politicamente-corretas-justificando-assim-altos-cargos-altos-salários”), os convênios médicos (para quem é muito interessante negar a necessidade da hospitalização psiquiátrica para baixar custos: “manda todo mundo para a “fazendinha-clínica-religiosa de recuperação”). Há também o fortíssimo corporativismo, para o qual seria muito interessante se a psiquiatria desaparecesse da face da Terra, como vem acontecendo nos EUA, onde , p.ex., psicólogos, já viraram psiquiatras forenses, já prescrevem medicações, avaliam e solicitam exames médicos, internam, dão alta, etc. É até paradoxal esse pessoal falar tanto contra a “dopação psiquiátrica” e depois, como nos EUA, como aqui no Brasil, numa lei de autoria da senadora-psicóloga Marta Suplicy, reivindicarem o “poder médico” de prescreverem as mesmas abomináveis drogas e rotularem com os mesmos estigmatizantes diagnósticos... Como se vê , é muito importante, e para muita gente, que a psiquiatria desapareça, e ela vai desaparecer, creia-me. Ela, hoje, é o “contrário de tudo que aí está”, não há prognóstico...

Portanto, como se vê,  é inimigo demais, a psiquiatria não agüenta, não vai agüentar, por isso, como eu disse acima, estou “jogando a toalha” de ser psiquiatra, e se depender de mim, nenhum hospital mais se intitula “hospital psiquiátrico” (diga-se: “manicômio”). Você vai ser psiquiatra e trabalhar em hospital psiquiátrico para quê? Para fugirem de você? Para o paciente dizer que o hospital onde você trabalha até é limpinho, calmo, bonito, “parece hospital mesmo e não aqueles manicômios veiculados no filme do “Bicho-de-Sete-Cabeças?” Para o paciente que você cuida com o maior carinho e atenção virar e dizer : “Que não sei porque me trouxeram em você , aqui neste hospital, pois tenho problema no cérebro, é coisa neurológica, não sou louco, não sou delinqüente para ficar preso, não tenho desvio de caráter para ter privação de liberdade deste jeito”? Não é tudo mais fácil dizer que você é um “médico do cérebro” e que trabalha em um hospital de “doenças do cérebro?”.

E é muito fácil para todos estes aí acima serem antipsiquiatras, pois a doença psiquiátrica não sangra; não se “morre” de doença psiquiátrica: suicídio, homicídio, mutilações (auto e hetero), overdose, cirrose, hepatite, afogamento, atropelamento, acidente automobilístico, AVC, convulsão, arritmia, tudo isto é “conseqüência” (quase nunca vista) da doença mental, mas não “é” a doença mental. Ninguém, portanto, morre ou se seqüela de doença psiquiátrica, por isto é muito fácil, facílimo, acabarem com a especialidade, como vem acontecendo e vai continuar acontecer. Asfixiados desse jeito, não há defesa possível para o psiquiatra, a psiquiatria e seu hospital.

Os próprios médicos já jogaram a toalha, e por vários motivos. Algumas especialidades médicas, na minha impressão, adorariam ver o fim da psiquiatria. Um exemplo, uma porcentagem esmagadora de doentes “neurológicos”, na verdade, padecem de problemas psiquiátricos (e para estes, há a feliz associação do profissional médico-não-psiquiatra com a profissional não médica, sobretudo psicóloga). É uma vertente que favorece aos dois, tanto médicos quanto não-médicos, para o fim-da-psiquiatria.

Outra vertente: as próprias entidades psiquiátricas (como “toda” boa entidade médica) engalfinham-se entre si, médicos são os maiores inimigos de si mesmos. Já vi associações psiquiátricas fazerem até homenagens públicas repetidas para os anti-manicomiais que vivem com a faca em suas costas. Mas, para muitos psiquiatras, muitos à cabeça de instituições, é muito importante serem “amigos” de profissionais que verdadeiramente conversam com seus pacientes, pois estes lhes encaminham para a “sedação” (olha o dindin aí ), do mesmo modo que eles, psiquiatras, têm de “dopar” e encaminhar para alguém fazer o “serviço humanizado” para eles (“eu não converso, quem conversa é a psicóloga”). É , importante, portanto, dentro da própria psiquiatria, ser “humanista”, “jogar para a galera”, mesmo que , com isto, tenha de destruir a própria atividade profissional e os próprios locais de trabalho. Se o psiquiatra é um "mero prescritor de remédios para o cérebro" (perdeu sua função humanística-psicoterápica), não é muito melhor ir no neurologista, pois afinal o " genuíno médico do cérebro não é warw úlrimo?". E, não se preocupem, a própria medicina já preparou “nomes” para renomear a prática psiquiátrica dentro da medicina, p.ex., “neurologia cognitiva”, “neurologia comportamental”, “neuropsicologia”, “pediatria do desenvolvimento e do comportamento”, “psicologia médica”, “psicossomática”, etc, etc, e por aí vai...  Em várias ocasiões eu já fiz um teste : quando você fala para um paciente, uma família, que ele tem diagnóstico de doença bipolar, precisa de hospitalização psiquiátrica, é um “Deus-nos-acuda”, revolta, xingamentos, fugas, etc. Mas se você diz que o problema é “neurológico”, que ele tem uma disfunção córtico-subcortical fronto-basal-temporal, e que a hospitalização é neurológica, o problema desaparece como que por encanto. Inclusive, nem os antimanicomiais, nem os antipsiquiátricos, questionam a existência e a necessidade de hospitalização de doenças e doentes neurológicos. Pronto , tai a solução, por “decreto”, vamos acabar com as doenças psiquiátricas e vamos transformá-las todas em “doenças neurológicas cognitivo-comportamentais”, das quais nós , os novos “neurologistas cognitivo-comportamentais”,seremos os especialistas.

Como eu já disse lá em cima, não escrevo tanta coisa para defender um cadáver, portanto não tenho esperanças de melhora nem da psiquiatria, do psiquiatra ou do hospital psiquiátrico. Escrevo por mero exercício intelectual, pelo “prazer lógico” de mostrar à jornalista de IstoÉ , a que fez uma coluna contra a psiquiatria, que há muuuuuito mais coisa por debaixo da manifestação em sua coluna do que mostra sua horizontalidade superficial (isto apesar de ser uma coluna vertical que pega a página inteira).

(Marcelo Caixeta, médico, ironicamente "especializado em doenças cerebrais, trabalha em hospital especializado em doenças cerebrais")

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