Home / Opinião

OPINIÃO

Tempos de paixão

O mundo arde. Os tempos ardem.
Há um mundo em ebulição. Milhões de refugiados vagam pela Europa, sem terra e sem pátria. A intolerância e o ódio crescem, assim como a extrema-direita, que vem ganhando espaço, inclusive nos Estados Unidos da América. As guerras matam centenas de milhares, já é notícia quase corriqueira e sem alarde. Enquanto isso, os ricos ficam mais ricos e os trabalhadores amargam o desemprego. Crescem a fome e os programas tipo Bolsa Família nos países supostamente desenvolvidos.
Há um Brasil em ebulição. Prega-se a volta da ditadura militar sem pejo nas ruas. Arma-se a deposição de uma presidenta mesmo sem haver qualquer acusação concreta ou crime cometido por ela. O povo está nas ruas, a favor e contra. Aumentam os problemas econômicos e sociais. A política, os partidos e os políticos estão no fundo do poço, totalmente sem crédito. Crescem a intolerância e o ódio com quem pensa diferente, e até com quem, desavisadamente, veste vermelho. Famílias deixam de se falar porque alguém defende estas ou aquelas ideias, esta ou aquela posição. A violência é crescente especialmente contra mulheres e jovens pretos.
Há urgências.
Cadê o cuidado com a Casa Comum? Cadê o acolhimento e a hospitalidade com quem atravessa fronteiras? Cadê o sentimento humanitário de preservar a vida? Cadê as políticas do Estado de Bem-estar social? Cadê a solidariedade?
Cadê o sonho de uma jovem Nação que vem se afirmando no mundo, que vem dizendo a que veio, que vê, finalmente, seus jovens com esperança e futuro, seus trabalhadores com dignidade, os mais pobres entre os pobres não mais passando fome? Cadê as oportunidades que se abriam, cadê? E a democracia tão duramente conquistada neste país de tão escassa democracia ao longo de sua história? Estará se esvaindo sem tornar-se adulta? Onde está a juventude que ousa sonhar?
São tempos de paixão. São tempos de morte. Onde está a vida? Haverá Ressurreição?
Há que se cuidar. Há que se cuidar das plantas tenras, das jovens folhas verdes que teimam em nascer. Há que se estender a mão e não permitir que a outra mão se afaste. Há que se dar abraços e não deixar eternas as despedidas. Há que se cuidar das brisas que ainda sopram refrescando o ambiente. Há que se tolerar as diferenças. Há que se olhar com ternura o novo que floresce na praça e nas ruas. Há que se embalar a paz e seus encantos. Há que se amar a juventude e suas utopias, as mulheres e seu olhar de esperança, as crianças e seu futuro.
Se não, Páscoa não haverá como passagem do sofrimento e da morte à alegria de ser e viver. Bem Viver. A dor não passará. Não haverá redenção. As luzes não serão acesas para mostrar a verdade. As vozes e os gritos de dor e sofrimento serão eternos. A cruz será pesada e não será símbolo. A Casa do homem e da mulher não será aconchego, repouso, morada. Os filhos e as filhas não dormirão o sono dos justos. A manhã não será benvinda. Os tempos de Paixão prevalecerão, sem amanhecer, sem Ressurreição.
“O lobo habitará com o cordeiro, o leopardo se deitará com o cabrito, o terneiro comerá ao lado do leão e um jovem pastor os cuidará. A vaca e o urso pastarão em companhia e suas crias repousarão juntas, pois o leão também comerá palha, igual o boi. A criança de peito brincará perto do esconderijo da cobra e no ninho da víbora colocará sua mão. Ninguém fará nenhum mal nem destruirá coisa alguma em todo meu Monte santo, pois, como chegam as águas ao mar, a terra se encherá do conhecimento de Javé”, profetizou Isaías (Isaías 11, 6-9).
Quem abrirá as portas do paraíso? Quem soprará a trombeta da justiça? Quem curará as feridas? Quem retornará os abraços? Quem cobrirá de beijos os rostos, mesmo os feridos? Quem tocará o sino da esperança?
Feliz Páscoa-passagem a todas e todos.

(Selvino Heck, diretor do Departamento de Educação Popular e Educação Cidadã, Secretaria Nacional de Articulação Social, Secretaria de Governo da Presidência da República)

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias