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OPINIÃO

Não odiar uma feminista é um ato revolucionário

As pessoas de personalidade marcante sempre são as que mais merecem a minha admiração, ainda que eu nunca tenha precisado, nem de mim foi exigido, concordar com as suas ideias, com suas atitudes. Mas, se a pessoa tem uma ideia original e se posiciona na defesa daquilo que verdadeiramente acredita, de forma sincera, resoluta, coerente e com fundamento intelectual, então terá o meu respeito e a minha admiração. Por esta razão, tenho amigos e amigas gays, lésbicas, de esquerda, de direita, anarquistas, cristão, muçulmano, umbandista, espírita, ateu. Muitas dessas amizades surgiram em razão do próprio embate que as divergências saudáveis são capazes de proporcionar.

Mas, para completar e ampliar o meu leque de amizades e relacionamento social faltava-me a representante de um segmento. Esta foi, por muito tempo, considerada a mais difícil, tanto que eu cheguei mesmo a acreditar que seria impossível. De fato, não há nada mais terrivelmente agressivo aos ouvidos e aos neurônios do que ver e ouvir uma feminista tagarelando. Entretanto, o tempo e uma boa dose de paciência e tolerância, precedidos de um longo exercício de meditação budista, mostraram-me que é possível, sim, existir mulheres feministas que são agradáveis, cultas, elegantes e, por mais incrível que pareça ser, cativante, empáticas. É verdade! É raro, mas é possível. A percepção generalizada que eu tinha em relação às feministas, de que todas elas não passam de um amontoado de barangas malcomidas, traumatizadas, complexadas, iletradas e, embora isso, ilusoriamente autodenominadas “inteligentes”, está paulatinamente atravessando um processo de mitigação e, com isso, começam a surgir os primeiros resultados positivos. Porém, antes que alguma afobada ouse arrostar que minhas percepções são fruto de minha anacrônica estupidez, considerando que o feminismo é um movimento mundial e que existe, com essa denominação, há quase um século, devo dizer que, ao contrário do que imaginam algumas feministas desinformadas, Simone de Beauvoir e Camille Paglia, em hipótese alguma, podem ser associadas às ideias e ao “modus operandis” do ‘feminismo” contemporâneo. Não confundam ideologia com patologia nem euforia com esquisofrenia.  A escritora americana Camille Paglia já se opôs, reiterada e publicamente, contra a loucura que algumas ensandecidas chamam de “feminismo”. Para ela, o feminismo não é honesto com as mulheres e as feministas atuais perderam-se e se converteram em um bando de mulheres malucas. Paglia, autodenominada “dissidente do feminismo”, diz que a mulher deve ser maternal e parar de culpar os homens.

Segundo Paglia, embora ainda se considera ser 100% feminista, a sua admiração pelo feminismo ficou no passado, restrito às mulheres de sua época e da década de 20 e 30. Porque elas não atacavam os homens, não insultavam os homens e não apontavam os homens como fonte de todos os seus males, de todos os seus problemas. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Paglia diz que o que as mulheres pediam era igualdade de condição no âmbito da carreira e da política e queriam demonstrar que podiam obter as mesmas conquistas dos homens. Hoje em dia, continua, as feministas culpam os homens por tudo. Elas exigem que os homens mudem, querem que eles pensem e ajam como mulheres, almejam que o protagonismo dos homens seja reduzido.

Em recente visita ao Brasil, a jornalista, escritora e tradutora espanhola Pila del Río, viúva do escritor português José Saramago, durante participação na Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, concedeu entrevista ao jornal espanhol El País, onde revela uma mulher elegante, feminina, culta e obtemperada, com profundo conhecimento sobre as questões sociais e políticas, inclusive do Brasil. Abordou temas modernos, atuais, pertinentes aos interesses da humanidade e que dizem respeito aos verdadeiros propósitos de uma sociedade melhor, justa, igualitária.

Longe do discurso maniqueísta da grande maioria das feministas no Brasil, Pilar del Río alerta para o dever cívico que tem todas as pessoas e que esse dever impõe ser observado para que seja possível a construção de um país composto por uma sociedade melhor e mais humana. Nesse sentido, a luta não deve ser segmentada, subdividida, na busca da preponderância de uns sobre os outros, o que revela a vontade de submissão do próximo, sendo isso o reflexo do nosso egoísmo, em uma sociedade caracterizada pelo individualismo.

Há tempos venho ressaltando que estamos vivendo uma grave crise civilizatória e, na proporção em que essa crise se agrava, revela-se, com espantoso relevo, o nosso egoísmo. Pode até soar meio herético, mas, as reivindicações, as chamadas “bandeiras” ou “pautas” de determinados segmentos sociais – negrismo, feminismo, gayzismo, neonazismo – não são pela busca de uma sociedade igualitária e fraterna, mas a tentativa de conquista de privilégios e de imposição de força e influência. Desta forma, em sociedades sem características de estratificação tribal, como o Brasil, segmentos sociais, sob o epíteto de “situação de inferioridade” ou “minoria”, e com vasta exploração midiática com o discurso vitimista, atuam em um retrógrado fenômeno de “tribalização”, fragmentando o corpo social em subgrupos, cada um com propósitos distintos, mas sempre almejando a prevalência de seus interesses – legítimos ou não.

É lamentável, pois com a fragmentação social com o predomínio do individualismo, fatalmente irrompe-se a desintegração da identidade nacional, da consciência cívica coletiva, do sentimento de pertencimento. Por esta razão, não existe em nossa sociedade a confluência de propósitos, de objetivos cívicos. O empenho é individual e é canalizado para interesses pessoais ou corporativos. Esse egoísmo é, com grande ênfase, patrocinado pelas igrejas e por partidos políticos, que temem a possibilidade de uma agregação social voltada para objetivos que beneficiem a todos. Por mais paradoxal que pareça ser, as religiões vêm exercendo um papel crucial na promoção do egoísmo, pois as pessoas não veem mais o semelhante como parte de um projeto comum, e por isso, ao invés de empenharem-se na construção de uma sociedade melhor para todos, optam por dedicarem-se aos planos de uma outra vida, em um paraíso divino. Eis aí o ambiente perfeito para o surgimento de espertalhões, charlatães mercadores da fé que vendem o Paraíso e, claro, de políticos desonestos que praticam estelionato eleitoral contra uma população cega e estúpida.

Nesse aspecto, adverte-nos Pilar del Río, as pessoas, ao invés de reivindicarem melhorias para a vida, estão esperando morrer para que Deus lhes dê sopa quente todos os dias. Para ela, o poder das igrejas vai fazer esta sociedade retroceder muito. As pessoas não vão filiar-se a partidos, a sindicatos, vão confiar em que Deus lhes resolva os problemas. A religião tem estimulado o egoísmo, o individualismo, porque apregoa que as ações do ser humano devem ser voltadas para a obediência aos dogmas religiosos e, em maior medida, na resignada doação financeira para a obtenção da redenção após a morte. Esses dogmas que impulsionam o egoísmo entre os indivíduos e fomentam o distanciamento de uma identidade cívica, possuem muita verossimilhança com os segmentos vitimistas e vitimizantes atuais que nos desagregam. Ao invés de pregarem a união e a integração de objetivos comuns, difundem a segmentação, a estratificação social e a propagação do ódio sectário contra aqueles que não se enquadram nos requisitos do grupo, aos que são alijados dos caracteres fenótipos e genótipos dos que se autoproclamam detentores do monopólio de direitos.

Essas reflexões têm as contribuições dessas duas extraordinárias e admiráveis mulheres feministas: Camille Paglia e Pilar del Río. Suas ideias colaboram para uma reflexão e uma mudança de paradigmas sobre quais deveriam ser as nossas verdadeiras pautas, lutas, reivindicações, para a construção de uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária. Há uma frase atribuída a um autor desconhecido que diz: “amar em tempos de ódio é um ato revolucionário”. Percebo que começa a brotar em mim um sentimento de amor, em nome de uma causa: a vontade de um mundo verdadeiramente justo e igualitário.

Ao manifestar a minha admiração por Camille Paglia e Pilar del Río, sinto que estou rompendo com o “ódio” às feministas, com seus radicalismos sectários, e dando os meus primeiros passos em direção a construção de uma consciência coletiva, onde todos sintam-se envoltos em um sentimento de pertencimento. Essa é a revolução que nos interessa. Nessa imprescindível missão revolucionária, estou fazendo a minha parte.

(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – [email protected])

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