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OPINIÃO

O pobre povo rico norte-americano

Bandeirantes e Pioneiros, de Vianna Moog, é um grande livro. Nele é estabelecido um paralelo entre as causas do desenvolvimento dos Estados Unidos e do não desenvolvimento do Brasil. O autor viveu muitos anos entre os ianques, de modo a conhecer a índole e a formação cultural norte-americanas. Muito bom escritor, Vianna Moog produziu um verdadeiro clássico da literatura brasileira. No pequeno prefácio ele afirma: “De há muito que esta pergunta anda no ar em busca de uma resposta em grande: como foi possível aos Estados Unidos, país mais novo do que o Brasil e menor em superfície continental contínua, realizara o progresso quase milagroso que realizaram e chegar aos nossos dias, à vanguarda das nações, como a prodigiosa realidade do presente, sobre muitos aspectos a mais estupenda e prodigiosa realidade de todos os tempos, quando o nosso país, com mais de um século de antecedência histórica, ainda se apresenta, mesmo à luz de interpretações e profecias mais otimistas, apenas como o incerto país do futuro.

“Como foi isso possível? O que aconteceu? Que fatos terão condicionado o processo das duas histórias para que se produzisse tamanho contraste?

“Não há evitar as interrogações ou formulá-las de modo diverso. Estas repontarão a todo momento e a cada passo, ao acaso dos mais variados pretextos, a propósito de tudo e as vezes até sem propósito algum, com a persistência de leit-motives obrigatórios e indesviáveis”.

O escritor gaúcho de São Leopoldo, que foi brilhante diplomata, resume sua interpretação e conclusão quanto às causas do desenvolvimento norte-americano e do não desenvolvimento brasileiro com a definição de pioneirismo em relação ao o que aconteceu no desencadear da civilização norte-americana; e de bandeirantismo, relativamente ao Brasil.

O pioneiro norte-americano desbravou o território do seu país com propósitos que criaram condições para o desenvolvimento nacional. Fixaram-se na terra com objetivos desenvolvimentistas, mediante trabalho fecundo com espírito de construtividade. Já o bandeirante brasileiro interiorizou-se pelo Brasil com propósitos unicamente mercantilistas sem nenhum pensamento de fixação e desenvolvimento.

Um dos muitos pontos interessantíssimos do livro de Vianna Moog é a análise em que o autor demonstra a fortíssima influência da formação religiosa basilar da conduta dos ianques. Tal formação se esteia nas formulações doutrinárias do Calvinismo, ou seja, de Jehan Cauvin, João Calvino em português. Foi ele um dos três maiores nomes do protestantismo, o grande movimento deflagrado contra conduta doutrinária da Igreja Católica. Entre os princípios da pregação calvinista está o de que somente quem desfruta de condições privilegiadas do ponto de vista material, isto é, que usufruí de fortuna, de riqueza, pode conseguir a salvação da alma, o ingresso no paraíso. Tal concepção teve e tem dominante influência na mentalidade norte-americana. O ser rico, o não sofrer as consequências negativas de ser pobre, é condição sine qua non para a alma do falecido ingressar no reino de Deus. Tal cultura domina majoritariamente a mentalidade do povo norte-americano.

Essa predominância certamente muito influiu na eleição de Donald Trump, uma das maiores fortunas do país, à presidência dos Estados Unidos, ocorrida na última terça-feira. Este fator de formação cultural é, a meu ver, a maior causa do orgulho da maioria do povo estadunidense pela hegemonia bélica, pela hegemonia econômica, pela hegemonia, enfim, em todas as formas de afirmação de poder.

Donald Trump é intelectualmente limitadíssimo. Suas ideias manifestadas na campanha eleitoral são de pobre conteúdo e ricas de potencial negativo. O candidato republicano é inimigo dos imigrantes latino-americanos, sobretudo dos provindos do México, chegando ao ponto de prometer a construção de um muro para impedir a entrada de mexicanos. Cerca de 15 milhões de imigrantes sentem-se ameaçados de perseguições. A fim de desvalorizar a candidata oponente Trump fez inclusive declarações ofensivas a todas as mulheres. Suas intenções quanto à acordos comerciais e também à acordos estratégicos com vários países deixam muitas nações preocupadas. A fala de Donald Trump é paupérrima na forma e no conteúdo. Ficou mais uma vez demonstrado que em termos de consciência política e de formação cultural o eleitorado norte-americano dá provas de que constitui um pobre povo rico.

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às terças e sextas-feiras)

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