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OPINIÃO

A República e a parábola da lama

Nos dias 9 a 11 de dezembro de 2016, realizou-se na comunidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista-SP, o II Encontro Católico Latino-Americano para magistrados e membros do ministério público. Em 2015 tive a oportunidade de participar do I Encontro, oportunidade em que conheci uma centena de promotores e magistrados engajados num projeto de realização de justiça mediante o auxílio de uma força quase esquecida ou desconhecida por muitos operadores do direito: a força do Alto, a força do Espírito Santo.

Não há dúvida de que os operadores do direito, vocacionados a labutar pela realização e distribuição de justiça, confrontam-se, em seu dia a dia, com a dor, mazelas, conflitos, problemas e limites da sociedade. Por essa razão, a mensagem do Evangelho deve ser anunciada a todos os homens independentemente de sua condição social, cultural e profissional. A fé cristã redescoberta, lapidada e assumida como experiência concreta de vida, além de responder aos anseios do coração humano, projeta nova luz e propõe sentido mais amplo e eterno para o enfrentamento dos pequenos e grandes desafios de cada dia. Como cristãos precisamos permanecer como “sal da terra e luz do mundo”, na intenção de servir à sociedade.

A excelência do encontro do qual participei - marcado por palestras de cunho jurídico-espiritual - teve a participação do padre Joãozinho, cuja fala a todos comoveu, não só pela riqueza e atualidade do tema, mas pela pertinência com o momento crítico porque passa a sociedade brasileira. Apesar de ser pouco conhecido da mídia comum e da singeleza de seu nome, padre Joãozinho é um renomado teólogo, sendo doutor em Teologia Sistemática, em Educação e em Espiritualidade (Gregoriana–Roma). É, também, apresentador de TV e autor de diversos livros cristãos, o que faz dele um dos expoentes do movimento da igreja católica denominado Renovação Carismática Católica.

É do padre Joãozinho a crônica "a parábola da lama", que teve o propósito de denunciar o descaso que culminou no desastre que foi o rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana, Minas Gerais, que completou um ano no dia 5 de novembro de 2016. O rompimento da barragem de Fundão é considerado o maior desastre socioambiental da história brasileira e o maior do mundo envolvendo barragens de rejeitos, tendo despejado no rio Doce cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos altamente impactantes, matando todos os peixes já que a densidade da lama retirou o oxigênio da água. Ambientalistas consideram que o efeito dos rejeitos no mar continuará por pelo menos mais 100 anos e a reparação dos danos causados à infraestrutura local deverá custar cerca de 100 milhões de reais.

Mas, infelizmente, Mariana é apenas parte desse lamaçal. Em verdade, nos últimos tempos, um mar de lamas tomou conta da terra dos tupiniquins e ameaça ruir a república. A grave crise que assola o Brasil não se resume à crise política, econômica e aos problemas de corrupção. Especialistas afirmam que o quadro atual, notadamente a “operação lavajato” e seus desdobramentos, não encontra paralelo na história recente do país, não se assemelhando nem mesmo com as crises que abalaram o país no último século, como o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros e os impeachments de Collor e de Dilma Roussef.

A deterioração da nossa economia e a instabilidade político-institucional porque passa o país constituem apenas parte da gangrena que tem levado à ruína o estado brasileiro, com o constante e gradual esfacelamento da república. O que se tem hoje é uma crise moral e de identidade que tem provocado o enfraquecimento mórbido dos pilares que sustentam a república federativa do Brasil. A título de exemplo, quando da prisão de Delcídio do Amaral, à época líder do governo no senado, o ex-presidente Lula, com peculiar cinismo e demasiado descaramento, se revelou: "Delcídio é um político experiente e sofisticado que não poderia ter se deixado gravar de forma simples como foi feito pelo filho do ex-diretor, Bernardo Cerveró". Ora, ao invés de demonstrar indignação com a atitude de um dos políticos, até então, mais próximos da presidente Dilma, o que se viu foi a aprovação, com louvor, do malfeito do senador. Mas, parafraseando a ministra Carmem Lúcia: "agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo". O que conforta a maioria de nós brasileiros é acreditarmos no mote de que ‘o crime não vencerá a Justiça’.

O Encontro Católico Latino-Americano que tive a honra de participar teve como tema o que se lê em Gálatas 5:25: “se vivemos pelo Espírito, andemos de acordo com o Espírito”. Não menos profundo foi o lema do Encontro que extraiu de I Macabeus 3:43 o seguinte mandamento: “levantemos nossa pátria de seu abatimento e lutemos por nosso povo e nossa religião". De fato, nossa república está abatida e chegou a hora de a socorrermos. Urge que todos nós, brasileiros, nos unamos numa só corrente de fé, coragem, obstinação e esperança por um país mais justo, solidário e fraterno. A nós, operadores do direito, cabe a responsabilidade de, em nossos posicionamentos, manifestações e decisões judiciais, contribuirmos decisivamente para extirpar, de uma vez por todas, a lama que insiste em degradar o seio da nossa república. Padre Joãozinho não sugeriu, pediu, insinuou, ou determinou que os participantes do Encontro atuem fundamentados em preceitos bíblicos ou religiosos. Com peculiar sabedoria vislumbrou aos promotores e juízes presentes àquele encontro que é perfeitamente possível e salutar que as manifestações e decisões judiciais sejam iluminadas pela força do Espírito Santo, basta invocá-Lo.

(Inácio Filho é Promotor de Justiça no Distrito Federal ([email protected])

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