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OPINIÃO

Jesus e o desprendimento dos bens materiais

E Jesus, vendo-o assim triste e olhando em torno, disse a seus discípulos: “Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus”.

Os discípulos ficaram admirados com essas palavras. Jesus porém novamente disse: “Filhos, como é difícil aos que confiam nas riquezas entrar no Reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo da agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!”

Ao ouvirem isso, os discípulos ficaram muito espantados e disseram uns aos outros: “Quem poderá então salvar-se?”

Jesus, porém, olhando para eles, disse: “Aos homens isso é impossível, mas não para Deus, porque para Deus tudo é possível”.

Então Pedro, tomando a palavra, disse: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos, qual será, pois, a nossa recompensa?”

Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade vos digo que, no dia da regeneração, quando o Filho do Homem se assentar no seu trono de glória, vós que me seguistes vos assentareis também sobre doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras por minha causa e por causa do Evangelho, que não receba agora, neste tempo, o cêntuplo de casas, irmãos e irmãs, mães e filhos e terras, com perseguições; e, no mundo futuro, a vida eterna. Muitos primeiros, porém, serão últimos, e muitos dos últimos, serão primeiros”.

(Evangelhos de: Mateus, cap. 19, vv. 23 a 30 – Marcos, cap. 10, vv. 23 a 31 – Lucas, cap. 18, vv. 24 a 30).

Esse episódio é dividido em três partes: a situação dos ricos que se apegam aos seus bens, o poder infinito de Deus e o valor da renúncia em prol dos deveres espirituais.

Depois que o Mestre disse ao moço rico que se desfizesse de seus bens e os oferecesse aos pobres causou profunda tristeza ao rapaz: “E Jesus, vendo-o assim triste e olhando em torno...”.

O moço rico não imaginava que ainda lhe faltava a virtude do desapego às coisas materiais para atingir a perfeição moral. O rapaz saiu entristecido da presença do Messias. Diante daquela realidade, Jesus revelou que não é fácil superar o apego às coisas materiais, principalmente se o indivíduo tiver muitos bens.

Allan Kardec em O Livro dos Espíritos (FEB), na pergunta 816, indaga aos Espíritos Superiores ao tratar da prova de riqueza:

“816. Estando o rico sujeito a maiores tentações, também não dispõe, por outro lado, de mais meios de fazer o bem?”

““Mas, é justamente o que nem sempre faz. Torna-se egoísta, orgulhoso e insaciável. Com a riqueza, suas necessidades aumentam e ele nunca julga possuir o bastante para si unicamente”.”

Verifica-se igualmente que Espíritos de avançada evolução intelecto-moral passam pela miséria ou pela riqueza e não sucumbem ao peso das tentações provenientes dessas condições extremas de natureza material.

Ao escutarem de Jesus que um “rico dificilmente entrará no Reino dos Céus”, “os discípulos ficaram admirados” porquanto imaginavam que o rico seria um privilegiado de Deus e que não se tratava de uma prova encarnatória.

Ao chamar carinhosamente os seus discípulos de Filhos, o divino Pai Espiritual realçou que não se deve confiar nas riquezas para alcançar a perfeição evolutiva. É um equívoco pensar que somente é possível praticar a caridade por meio de bens materiais. O valor da doação não está na quantidade do que se doa e sim nos sentimentos que promovem a doação, conforme ocorreu com a mulher viúva que deu tudo que possuía como oferenda ao templo (Marcos, 12:41-44; Lucas, 21:1-4).

O Mestre ainda acrescentou de forma figurada: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo da agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” O que lembra outro ensinamento aos seus discípulos quando afirmou: “Vós que coais um mosquito e engolis um camelo” (Mateus, 23:24). Vê-se que não se trata de comparação com alguma corda grossa ou com pequena porta nas muralhas de Jerusalém denominada “agulha”.

Allan Kardec também elucida a esse respeito ao comentar a pergunta 816 de O Livro dos Espíritos:

“A alta posição do homem neste mundo e o ter autoridade sobre os seus semelhantes são provas tão grandes e tão escorregadias como a desgraça, porque, quanto mais rico e poderoso é ele, tanto mais obrigações tem que cumprir e tanto mais abundantes são os meios de que dispõe para fazer o bem e o mal. Deus experimenta o pobre pela resignação e o rico pelo emprego que dá aos seus bens e ao seu poder. A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Por isso foi que Jesus disse: “Em verdade vos digo que mais fácil é passar um camelo por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino dos céus.”

Diante das dificuldades preconizadas por Jesus aos que são apegados ao mundo material, os discípulos ainda indagaram: “Quem poderá então salvar-se?”.

Jesus, ao observar cada um dos presentes, respondeu solenemente: “Aos homens isso é impossível, mas não para Deus, porque para Deus tudo é possível”. Embora as dificuldades naturais do processo evolutivo, o Mestre reafirma que tudo com Deus é possível, inclusive superar o apego às coisas materiais quando o espírito ainda se encontra em níveis intermediários de evolução intelecto-moral. Essa revelação de que para Deus tudo é possível é fundamentada na íntima relação que o Cristo tem com o Criador dos infinitos mundos de Sua Imanência. A impossibilidade de vencer o apego ás coisa materiais está somente no campo da ignorância e das limitações espirituais.

Diante dessas assertivas do Mestre, o apóstolo Pedro nos revela que os discípulos mais próximos a Jesus eram desapegados de bens materiais. Para que todos soubessem a respeito do valor da renúncia em favor do trabalho espiritual, o Grande Pescador indagou ao Mestre:

“Eis que nós deixamos tudo e te seguimos, qual será, pois, a nossa recompensa?”

Pedro nos conduz à reflexão a respeito da natureza de nossas renúncias e das bem-aventuranças destinadas aos que preferem a melhor parte, conforme o divino Amigo enalteceu diante de Marta e de Maria:

“Marta, Marta, tu te inquietas e te preocupas com muitas coisas; no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”. (Lucas, 10:41-42).

Ao falar das recompensas celestes, o divino Amigo também falou das recompensas terrestres e usou de uma linguagem figurada para informar que os seus discípulos o auxiliarão como dirigentes de comunidades espirituais ao usar o sentido figurado dos “doze tronos para julgar as doze tribos de Israel”. Jesus ainda enalteceu a renúncia em favor do trabalho no Bem:

“Ninguém que tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras por minha causa e por causa do Evangelho, que não receba agora, neste tempo, o cêntuplo de casas, irmãos e irmãs, mães e filhos e terras, com perseguições; e no mundo futuro, a vida eterna.”

Evidente que o Mestre não nos recomenda o abandono das responsabilidades familiares, mas solicita que esses deveres não sobreponham aos deveres maiores da evolução intelecto-moral do espírito e do trabalho no Bem segundo as suas orientações. É mais uma vez a confirmação de outro ensinamento do sublime Amigo: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas” (Mateus, 6:33).

Jesus conclui que, dentre os que trabalham na grande Seara de Deus na Terra, muitos que começaram primeiro serão superados por aqueles que chegarem por último. Na senda evolutiva, um Espírito mais velho pela criação poderá ser ultrapassado por um Espírito mais novo.

Quando o filósofo Sócrates viu tantos artigos posto à venda nas lojas de Atenas, disse: “Quantas coisas há no mundo das quais não necessito”. Simplifiquemos as nossas vidas e comecemos com os utensílios domésticos e pessoais desnecessários. Doemos com desapego e avancemos até estágios mais avançados do desapego vinculados à imagem, à fama e ao personalismo. Jesus não tinha onde reclinar a cabeça, nada possuía, mas foi o mais rico dentre as criatura humanas porque quem tem Deus nada lhe falta, conforme afirma Santa Teresa de Jesus (Teresa de Ávila):

“Nada te perturbe,

Nada te espante,

Tudo passa,

Só Deus não muda,

A paciência tudo alcança;

Quem a Deus tem,

Nada lhe falta:

Só Deus basta.

Eleva o pensamento, ao céu sobe,

Por nada te angusties,

Nada te perturbe.

A Jesus Cristo segue, com grande entrega,

E, venha o que vier, nada te espante.

Vês a glória do mundo? É glória vã;

Nada tem de estável, tudo passa.

Deseje às coisas celestes, que sempre duram;

Fiel e rico em promessas, Deus não muda.

Ama-o como merece, Bondade Imensa;

Quem a Deus tem, mesmo que passe por momentos difíceis,

Sendo Deus o seu tesouro, Nada lhe falta.

Só Deus basta!”

(Emídio Silva Falcão Brasileiro, professor universitário, autor de trabalhos científicos e religiosos, advogado e doutor em Direito, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia Goianiense de Letras e da Academia Aparecidense de Letras)

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