Sempre foi voz corrente que o nosso sistema político “está falido!” Ainda agora um levantamento, em geral competente e isento, informa que quase dois terços da população brasileira considera os atuais congressistas (513 deputados federais e 27 senadores eleitos em 2014) como tendo um desempenho “ruim ou péssimo. Isso inclui a atuação dos outros 54 senadores eleitos em 2010 com mandatos de oito anos que terminarão em 2018. Parece conformar-se a lenda urbana divulgada pelo velho doutor Ulisses de que há uma lei natural que determina a degeneração do Congresso no Brasil: “Antes de achar que o de hoje é ruim, espere o próximo”, dizia.
Trata-se, provavelmente, de mais uma daquelas peças que nos prega o nosso cérebro treinando pela evolução biológica a considerar os riscos presentes sempre superiores aos passados aos quais já sobrevivemos. Suspeito que é a mesma razão pela qual o maravilhoso sabor do “arroz com feijão” preparado no Cambuci, no fogão de lenha, por minha avó Filomena, não pode ser repetido pelo mais refinado chef! Ele talvez só exista nas “memórias” de alguma coisa que suponho tenha existido. Ah, como são libertadoras para um velho economista e estimulante para um moço algumas pinceladas sobre para onde nos está levando a neurociência.
O que nos informam, empiricamente, as eleições da terceira República? Que existe uma “renovação” média em torno das 45%. Mesmo depois do “mesalão”, o primeiro grande escândalo que expôs as entranhas do encesto produzido pelo conluio de parte do Estado com parte do setor privado, ela não chegou a 50%, o que sugere que, depois de cinco eleições (20 anos), haveria apenas 2% da composição original. Isso não acontece porque há um corpo duro (talvez 10%) de “dinastias regionais” que, à custa de muitos “serviços” (e algumas coisinhas mais...), se perpetuam nos municípios e nos estados e, através deles, na União pelo rígido controle de partidos políticos absolutamente infensos à transparência e ao respeito às regras democráticas internas.
Não tenhamos ilusões: o sistema eleitoral de 2018 está montado para dar ainda maior poder às máquinas burocráticas partidárias que agora controlarão todos os recursos de que disporá cada candidato, como anotou o ilustre estudioso da política. Marcus Melo, na Folha de S. Paulo, na semana passada. E não tenhamos dúvida: a entropia introduzida na qualidade da representação não é produto de uma lei “natural”, mas sim de um comportamento histórico dependente, introduzido pela sistemática auto-organização da lei eleitoral pelos seus eternos beneficiários. Precisaremos de anos de uma imprensa inteligente, investigativa e independente, de controles internos eficientes (Polícia Federal e Ministério Público, sem abusos de poder) e de um Supremo Tribunal Federal com lógica consequencialista para levar o sistema político a reorganizar-se e tornar possível colocar o Brasil no caminho da construção de oportunidade e eficiência produtiva que liberará tempo ao cidadão para gozá-las sejam relativamente compatíveis.
O que isso tem haver com a situação da política atual? Tudo. Para que a recuperação econômica já visível (um crescimento de 1% do PIB em 2017 com possibilidade de um crescimento de 2,5% em 2018 e a continuidade da redução do emprego) se concretize e seja possível prosseguir na restrição do crescimento das despesas, é absolutamente necessário a aprovação da modesta proposta do regime previdenciário que, sem atingir o setor privado nem pequenos funcionários públicos, mitigará os “privilégios” da alta burocracia estatal e dará um ar mais republicano ao sistema previdenciário nacional.
Para os que não acreditam na gravidade do problema porque: 1. Não aceitam os números do Tesouro Nacional, mas não têm como negá-los. 2. Acreditam que a análise do Banco Mundial (que foi pedida pela presidenta Dilma e 2015, quando tomou consciência da lambança que fizera para ganhar a eleição a qualquer custo) foi para “beneficiar Temer”. Existe agora mais um relatório, o “Pensions at a Glance 2017”, produzido por uma instituição que o Brasil namora, a OCDE. Em apenas uma tabela comparativa das projeções dos gastos públicos com aposentadoria com relação ao PIB, entre 2013-2015 e 2050, resolve-se o assunto. No período, a média dos países da OCDE passa de 8,9% para 9,5%. Na china, de 4,1% para 9,5%. Na Rússia, de 9,1% para 12,4%. No Brasil de 9,1% para 16,8%, o maior do mundo!
Nos países realmente civilizados com a Holanda, ele cresce de 6,9% para 8,1%; na Noruega, de 9,9% para 11,5%, e na suecis, cai de 8,9% para 7,2%, porque a maior parte da transferência é pela melhora dos serviços públicos de saúde, educação, segurança etç. Os números sugerem um catástrofe brasileira se nada for feito agora.
(Delfim Netto. Formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal)