Já diz um ditado vindo da sabedoria popular: mais vale um gosto do que um carro cheio de abóboras. Bichos e gentes: cada um tem o seu faro, o furo onde lhes batem desejos e enfaros. Mais que sabido ser o faro o principal dom sensitivo dos cães – vindo em seguida a audição, muito aguda. É passear com cachorros em praias ou ruas, e nos arrastam para os postes, as macegas de capim e gramados, para se perceber que são atraídos por cheiros de outros cães, que por ali passam, ou pelos cheiros deles mesmos, saindo a demarcar territórios, por onde quer que passem.
No que diz respeito aos humanos, em menor escala, é verdade, é sabido existir no seu aparelho sensitivo constituído por cinco percepções deste mundo por eles captado e percebido em sua possível realidade tridimensional, dá-se o mesmo. Havendo, porém, quanto ao animal humano, de indivíduo para indivíduo, diferenças no alcance de cada um de seus cinco sentidos. Há gente que escuta maravilhosamente bem, alguns poucos sendo dotados até do chamado “ouvido absoluto”, imprescindível em bons músicos e regentes de orquestra.
Podem perceber, em uma orquestra com trezentos instrumentos sendo tocados, qual deles está desafinando. Distinguem, em um enorme conjunto de sons sendo emitidos no mesmo tempo, e quase no mesmo espaço – já que cada um ocupa o seu, estando uns bem longe de outros –, qual está desarmonioso ou dissonante. Enquanto isto, há pessoas que, considerando perfeitamente normais, temos que gritar quase dentro da estrutura labiríntica de suas ventanas, para que escutem ao mesmo sussurros do que alguém está a lhe dizer.
Assim também, há escalas e níveis de percepção, de pessoa a pessoa, quanto ao paladar – papilas gustativas em uns são sensibilíssimas, em outros não distinguem sabor de variadas frutas, carnes, queijos, e demais alimentos. Neste quesito aí estão o somellier harmonizador (que chique!) de cerveja, vinho, cachaça e café. Estes últimos então, nem se fala: são raros os que têm palato sensível o suficiente para avaliar qualidades de café que vão sorvendo com uma colherinha, cuspindo em seguida, em um recipiente que ao final da provação ilimitada deve ficar de dar engulho em urubu ou cão de rua.
Deixemos, porém, de prolegômenos, e passemos ao assunto principal, que levou-me a começar a garatujar – ou garatuteclar – letras, palavras e frases em meu lap-top. As estranhezas e estranhices que povoam o vasto e labiríntico (sendo tão sedutor quanto aterrorizador) universo da sexualidade, com seu inesgotável arsenal de preferências, gostos e desgostos. Sabe-se que certas essências e marcas específicas de perfumes são catalizadores de desejos de volúpias carnais.
Servem de catapulta para os para a volúpia senescente, ou a que ainda estão a ferver em ardências. Há toda uma lenda urbana (ou rural, nestes tempos modernos globalizados). Porém há homens e mulheres que são despertados não pelo bom perfume ou aroma, e sim pelo seu contrário: o mau odor e a pestilência. Caso de uma mulher, conhecida minha, que em vez de homens cheirosos, prefere os fedidos. Dando preferência olfativa aos que estão exalando a servente de pedreiro em fim de expediente.
Depois de oferecer carona aos caboclos suarentos, não raramente enlameados e exalando a barro e cimento. Era nos pontos de ônibus que ela ia buscar companhias deste padrão odorífico, nas horas crepusculares, de fim de expediente. Ou atraía-os para sua casa, criando situações de estar precisando de sua mão-de-obra. É claro, quando o marido ausentava-se, em suas longas permanências nas lidas e gerências da fazenda.
Também há homens com tal estranho gosto por cheiros exalando a bodum de desodorante quilombo – cada cheirada é um tombo. Um amigo meu, da área das letras (já falecido, muito a contra-gosto dele, e dos que o amavam e amam, criatura boníssima) tinha também o costume de ir aos terminais de coletivos urbanos, para lá granjear companhia feminina – gente ligada ao lumpen-secretariado doméstico – geralmente não muito cheirosa, pois que havia laborado o dia inteiro, na faxina de escritórios, casas e apartamentos. Seu apartamento era chamado, por seus amigos, de navio negreiro. Dada sua preferência por trocar fluídos com afro-descendentes. Moral da estória: bom cheiro ou bodum, cada um tem um.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista. Ocupa a cadeira 25 da Academia Goiana de Letras)