Embora as “áreas rurais” tenham origem recente, mostrando que a velha dicotomia entre o mundo rural e o mundo urbano não pode mais ser válida para estudar o assentamento de um território, as chamadas “zonas rurais” de Mineiros continuam dominando a cidade, dando-lhe sustento e vida, estando cada vez mais instruídas, civilizadas, cheias dos requififes de uma sociedade depressiva e sem rumo. “Civilização”, aliás, que já na origem latina (civis), quer dizer cidade ou Cultura das cidades, chegando Karl Marx a afirmar que “a sede da civilização antiga era a cidade (Grundrisse, 1857-59) e o que Aristóteles queria dizer com zoon poltiikon “era simplesmente que o homem é um habitante das cidades” (O Capital, vol. 1), de onde, por certo, tem conseguido dominar os campos, no mínimo vaticinando ser superior em vida intelectual, artística, moral e material.
Não raro, o que considero “civilização rural”, sem desprezar os eruditos ou civilizados, tem a ver com “ruralismo”, palavra conhecida do léxico, com vários significados, inclusive artístico; conjunto de princípios básicos de um sistema que preconiza a melhor maneira de vida no campo; doutrina dos ruralistas, imperiosa e machista, muito em voga; movimento político-ideológico desse segmento ou até tendência demográfica dos que gostam e se adaptam à vida campestre com suas vigorosas tradições, estando Goiás fortemente assimilado e vinculado a esses “ideais” e costumes, sobremodo a partir do século XIX, consolidando-se nos séculos XX e XXI, tempo em que os avanços industriais e tecnológicos já colocam o Estado entre os mais competitivos, sem, contudo, descaracterizá-las, sendo um bom exemplo, em Mineiros, o velho gosto pelo queijo “cabacinha”, também chamado “flamengo”, que chega a ser incentivo cultural e econômico.
Assim como em Rio Verde, Jataí e Caiapônia, a maior parte da população de Mineiros não pensa ou se comporta de modo diferente. Surgiu num povoamento rural, disperso, patrimonialista, sob a égide da economia do boi, para não dizer, “ciclo do boi”, onde tudo tem cheiro de coro, estrume de gado, terra e forte atividade rural, ainda presente em quase tudo o que se faz no campo e na cidade, da velha tradição tirando leite cru, morninho, no curral rude e tosco, ao mecânico, higiênico, ordenhado, longe dos ensaios do boi bumbá amazônico; da “Hora do Recado”, programa rural da Rádio Eldorado AM 790, primeira aqui a se instalar, e os sertanejos “Café com Viola” e “Minuto Comiva”, da Emissora Verde Vale FM 103,7, cujos donos são também fazendeiros, defensores de segurança militar chamada “patrulha rural”. Não podem ser esquecidas a Rádio Pedra Aparada FM 87,9 e Rádio Regional FM 88,5, também preocupadas com o assunto. Notem que esse forte viés rural, se não bastassem os velhos “ferros” de marcar os animais, tendo como objetivo essencial identificar a propriedade e posse dos bens materiais, se encontra até na revistinha urbana, satírica, “Bola e Viola”, grampeada, direção Otomar Martins, fundada desde 1º de março de 1999, distribuída em Mineiros e Portelândia, exibindo departamento até de design. Comprovando essa sólida influência, eis alguns dos recados, existentes desde a fundação da Eldorado em 1979, cuja primeira notícia, por ironia do destino, foi a da morte trágica num acidente de avião do Deputado José de Assis e Antônio Carlos Paniago, em 14 de outubro do ano citado, em Iturama, Minas Gerais, aquele último seu principal fundador.
“Atenção Luzia na Fazenda Ponte Alta, Rosilene avisa que 5ª-feira à tarde irá buscá-la. Atenção Célio, na Fazenda 3 Serras, você esqueceu sua mãe, volte para buscá-la. Atenção Rute, no Reflorestamento da Comiva, sua mãe Dejanira avisa que o resultado fica pronto quinta-feira, às 13 horas (uma hora). Atenção Elizena, na Fazenda Serra Verde, sua filha Elaine avisa que o Daimiler está internado mas passa bem, aguarde novos recados. Terezinha, no Assentamento Pouso Alegre, sua irmã Nilva avisa que seus pais estão bem. A Comiva está contratando homens para trabalhar em seus armazéns, interessados tratar no setor de recrutamento da Comiva, Praça José de Assis. Atenção Analice na Fazenda Mata, Agna avisa que a Ângela chegará a Mineiros na quinta-feira à noite e eles vão buscá-la na sexta-feira. Atenção Posabeti, na Fazenda Fortaleza, município de Caiapônia,-GO, o seu irmão Sabará, pede pra você vim a Mineiros para você ir no Advogado tomar providências nos seus ‘processos’, para sair livre, e trazer 2 (dois mil cruzeiros. Senhor locutor, favor repetir este recado nesta data: 25,26, 27, 28, 29, 30. Grato, Sabará).”
Por tudo o que já ocorreu nesse âmbito, construindo a história das formas e funções da cidade, que não se modifica sem desenvolvimento econômico, industrial, comercial, comunicação e transporte, levou Mineiros a ser cortada pelas rodovias BR-364, GO-194, GO-341, GO-306, GO-461 e GO O-542, segundo IBGE, mostrando a presença dos três setores básicos da economia, aparentemente harmoniosos, quais sejam: o primário, ainda bem vivo, emergente da velha agropecuária; o secundário, das indústrias, recém-chegadas, tendo como economia predominante a agricultura, “sobretudo voltada para o plantio de soja, milho, algodão, feijão”, sem omitir a pecuária de corte e a de leite, com 36.100 vacas ordenhadas ou “gado leiteiro” do município, contando com uma unidade da empresa Marfrig, na cidade desde 2007; por fim, o setor terciário, do comércio acentuado com as indústrias, concentrado nas Avenidas e Ruas mais movimentadas do centro, já com visível vitalidade urbana, decorrente, sobretudo, da forte diversidade étnica e do incentivo industrial por que passa o Município; mostrando o novidadeiro processo de “rurbanização” ou “encontro” da população rural com a urbana, que se acentua a partir da década de 2000, com a instalação de um polo da Perdigão e suas consequentes “mini-indústrias”, destacadas pela Avicultura. Segundo IBGE, nesse período houve a instalação de uma usina sucroalcooleira da Odebrecht Agroindustrial, modificando, sobremaneira, a rotação e diversidade de culturas, já sendo substituída lentamente pela monocultura da cana-de-açúcar, com pelo menos três usinas na região, a de Perolândia, na Fazenda Três Barras, parte central do Município; a do Alto Taquari, no Mato Grosso; e a de Mineiros, numa área arenosa do Morro Vermelho, mostrando que, se as ricas economias do Município forem bem administradas, por certo não cairemos num processo de decadência.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras Mineirense de Letras e Artes, IHGG, UBEGO, Mestre em História Social pela UFG, Professor Universitário. (martinianojsilva@yahoo.com.br))