Recentemente, o assassinado de uma jovem mulher, seguido de suicídio do autor do crime, em plena praça de alimentação de um shopping center situado, causou grande repercussão social, principalmente, em razão do ineditismo do local da tragédia – geralmente considerado seguro e a opção de lazer de uma considerável parcela da população. A repercussão de uma tragédia humana é consentânea com a moderna civilização, conhecida como sendo a sociedade do espetáculo, atenta a cada tragédia, cada desgraça alheia, quase ou instantaneamente, pronta a captá-la com seus sempre disponíveis aparelhos de telefone celular, cujas imagens serão difundidas e replicadas nas redes sociais, numa espécie de espetáculo macabro que se destaca pelo absoluto desprezo às vítimas, aos sentimentos dos familiares e amigos.
A ausência da comoção é, também, uma outra característica das tragédias humanas. Esse sentimento só seria possível se ainda existisse consideração pelas pessoas, se o ser humano se importasse com a dor e o sofrimento do próximo, se houvesse sentimento de pertencimento e se o ser humano não estivesse passando por um acelerado processo de descarte. O individualismo, característica da sociedade de consumo, excluiu o sentimento de compaixão; o problema do outro é um problema alheio aos sentimentos e considerações por parte daquele que não se sente atingido pela dor de quem a sofre. Ao contrário. Em uma sociedade de pessoas solitárias, vazias e órfãs de verdadeiros sentidos para a vida, a tragédia alheia é, de certa maneira, bem-vinda e serve de parâmetro equiparativo de “vantagem” em relação ao outro.
O conceito de “bem-comum” foi suplantado e substituído pelo hedonismo, o narcisismo, o individualismo. Dessa maneira, considerando que a felicidade seja o oposto disso, resta que as pessoas são transformadas em legiões de seres infelizes. Nesse sentido, o pensador inglês Bertrand Russel (1872-1970), em sua obra “A conquista da felicidade”, diz que a felicidade é a eliminação do egocentrismo. Para ser feliz é necessário alimentar uma multiplicidade de interesses e de relações com as coisas e com os outros homens. Talvez a sociedade atual esteja, de fato, passando por um retrocesso civilizatório e remontando o conceito hedonista de felicidade do filósofo Tales de Mileto (7 a.C – 6 a.C), segundo o qual, felicidade é ter corpo forte e são, boa sorte e alma formada. Essa definição, entretanto, para os dias atuais, ficaria restrita à mera parte estética do corpo, considerando que tudo demonstra que as pessoas são desprovidas de alma, de sentimentos. Nessa civilização, que se caracteriza pela superficialidade, mas, principalmente, pela frivolidade, as desgraças alheias são aproveitadas como oportunidades de obtenção de dividendos, seja no aspecto da comparação como parâmetro de “felicidade” ou valor pessoal, seja na forma mais ampla, como projetos de poder político ou a construção de discursos, como as vitimistas ou de gênero, que serão inseridos em um amplo esquema de exploração econômica e visibilidade midiática.
Surgem, desta forma, uma nova modalidade de abutres, os que se alimentam das desgraças alheias para, sub-repticiamente, nutrirem e subsidiarem seus interesses individuais ou corporativistas. Uma parcela de hipócritas vai replicar fotografias de pessoas mortas, esquartejadas, decapitadas, sob o disfarce de sentimento de piedade, de comoção ou de consternação. Entretanto, em verdade, quem se deleita em contemplar e difundir imagens impactantes, chocantes, das desgraças alheias, nada mais é senão um psicopata dissimulado, um sádico que, em silêncio e ardilosamente, se projeta, invisivelmente, no assassino, no autor, no executor daquela brutalidade captada pelas lentes fotográficas sempre vigilantes a cada passo das pessoas, a cada movimento, conduta, comportamento.
Os linchamentos públicos já foram uma forma de exteriorização da sandice, do ódio reprimido e dos instintos primitivos que, acreditando no anonimato e na dificuldade de identificação, os indivíduos agem, utilizando-se das próprias mãos para executarem, trucidarem uma pessoa, geralmente sob o pretexto de “fazer justiça com próprias mãos’. Essa sede de sangue e fetichismo sádico vem sendo substituída por uma forma, digamos, mais moderna de voluptuosidade, de prazer e êxtase mórbidos; começa a nascer uma espécie de “neoparafilia”. Os psicopatas sanguinários, insensíveis e sádicos passam a contentar-se em assistir a vídeos e fotografias de cenas cruéis e horrendas e, depois, compartilham entre si, como em um festim macabro, imagens de pessoas sendo esquartejadas, esfoladas, decapitadas.
De outro lado, surge também uma nova modalidade desses abutres da malandragem moderna; esses são mais sutis, mais dissimulados, e nem todos, é verdade, possam ser chamados de psicopatas ou que se deleitam com as tragédias em si, mas com o que delas possam extrair. São os oportunistas, comum e, geralmente, travestidos de “defensores de causas”. Para tanto, fabricam discursos, distorcem dados ou estatísticas sobre a violência e canalizam a atenção social e política, sob o monopólio da verdade, para seus interesses políticos e financeiros. Podemos citar, à guisa de exemplo dessa modalidade de aproveitadores, alguns grupos, instituições (criadas para esse fim específico, geralmente sustentadas com o dinheiro do contribuinte), as autoproclamadas “defensoras dos direitos das mulheres” ou “feministas”. As conveniências e os interesses, políticos e econômicos, que sustentam esses grupos são tantos que qualquer voz que se arvore a discordar, a contrapor algum dogma por elas estabelecido e que possa contrariá-las, é imediatamente atacado, agredido, enxovalhado. Essas pessoas traçaram para si um projeto de sobrevivência fundado no poder pessoal, prestígio social, financeiro e político, e, para a preservação desses interesses, agem obstinadamente como patrulheiras repressoras contra os que pensam diferente. São, em geral, pessoas frustradas em algum aspecto de suas vidas – seja no social, econômico, sexual, afetivo, profissional – e, portanto, reagem com extremo ódio e violência contra qualquer voz que destoe daquilo que elas apregoam. Essas pessoas ou grupos, sempre à pretexto de estarem em defesa de pseudos “vulneráveis”, manipulam e monopolizam discursos e lançam essas “verdades” impositivas, transformando-as em imutável e inquestionável senso-comum. Como agentes de difusão, repetição mecanizada, programada para apenas concordar com suas diretrizes, adestram imbecis e néscios mentais que passaram a se identificar, com regozijo, de “o politicamente correto”.
Feito o engessamento social, a imobilização e inflexibilização do discurso, essas pessoas passam a achar que, doravante, podem chantagear governos e, com isso, ocuparem cargos na administração pública, lançarem-se em aventuras políticas, impor financiamento com o dinheiro público de atividades que elas organizam visando, meramente, a fonte de renda, o impulsionamento de suas pretensões políticas, a manutenção de seus cargos burocráticos e defesa de seus privilégios. Para esse fim, inventam seminários, palestras, congressos, etc., tudo às expensas do contribuinte que arca com salários, despesas com viagem, hospedagem, alimentação, diárias, pagamento de produtos e serviços superfaturados, etc. Esses eventos são enfadonhos, inúteis, pois limitam-se a repetirem um discurso estático, pronto, acabado, mentiroso, manipulado, mas, sempre, canalizado para a preservação de seus interesses pessoais.
A falácia repetida de que “o Brasil é um dos países mais machistas do mundo” e a constante reivindicação e defesa de mais leis de proteção (leia-se: de mais privilégios) às mulheres constituem as principais repetições desses discursos. Um caso de violência em que a mulher é vítima não pode mais ser discutido ou tratado como tal. O assassinado de homens, muito embora constitua, segundo o Mapa da Violência de 2014, em 91,6% de todos os homicídios no Brasil, trata-se, tão somente, de números estatísticos ou, quando muito, é tratado apenas como “violência”. Apesar do índice, nenhum alarde. O percentual restante refere-se às mulheres. Entretanto, a abordagem é totalmente diferente. Não se trata mais de “violência”, mas de “violência contra as mulheres”. Nesse caso, as oportunistas ditas, hipócrita e cinicamente, “defensoras dos direitos das mulheres”, manipulam dados e alardeiam a sociedade. Ainda que, demograficamente, elas sejam maioria – segundo o Senso do IBGE de 2014, são 51,5%, ou seja, 5,8 milhões a mais que os homens – quando uma mulher morre não é mais apenas um caso de homicídio, mas “mais um caso de violência contra as mulheres”.
Os dados, constitutivos em número de mulheres mortas, são, ardilosamente, manipulados por esses grupos de parasitárias e demagogas. Para tanto, omitem que grande parte (diga-se: a grande maioria) dessas mortes, ocorre pelo envolvimento direto das mulheres na criminalidade violenta e por serem vítimas de suas próprias companheiras, em casos de relacionamentos homossexuais. Entretanto, tudo isso é providencialmente omitido e é computado, estatisticamente, como sendo caso de “violência contra a mulher”. Homens e mulheres são igualmente violentos.
A violência, caso se pretendam enfrentá-la de maneira séria e sem demagogia, deve ser discutida como tal, dentro de um contexto maior, não como uma questão de gênero. Isso é reduzir a importância e a gravidade do problema.
O caso do assassinato seguido de suicídio ocorrido no interior do shopping center, desgraçadamente, ressai como mais um combustível útil a impulsionar o discurso embusteiro e inescrupulosamente direcionado aos interesses pessoais dessa modalidade de abutres da modernidade líquida na sociedade de consumo.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – mlbezerraro[email protected])