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OPINIÃO

O papel do professor diante da discriminação racial em sala de aula

É consenso que a rotina de traba­lho de um professor vai muito além do que exigem as atribuições nor­mais da função. Ele atua como um verdadeiro gestor em sala de aula; como mediador de conflitos e opini­ões e, acima de tudo, como exemplo de conduta para os seus alunos.

Um dos maiores problemas enfren­tados atualmente pelas escolas é a dis­criminação racial, herança do nosso trágico passado escravagista, o que gera rejeição e bullying, ou seja, violência psi­cológica e até mesmo física contra alu­nos negros. Frente a tal situação lamen­tável, é evidente que se pergunte qual é o papel do professor face a esse problema?

Uma criança branca que entra em uma escola pode estranhar a existên­cia de um colega negro sem necessa­riamente que isso caracterize precon­ceito. O período de adaptação é um momento de transição e todas as no­vidades na escola podem parecer inti­midadoras aos olhos da criança. Quem precisa mediar à situação acolhendo os alunos, auxiliando-os em sua per­cepção quanto às demais crianças, é o educador. Na maioria dos casos em que o professor intervém rapidamente, os acontecimentos envolvendo estra­nheza de alunos a colegas negros não chegam a virar problema.

Existem ocasiões em que uma crian­ça branca se recusa firmemente a sen­tar-se ao lado de um menino ou menina negra, negando-se a fazer os trabalhos juntos e a dividir o banco do refeitório. Nos casos em que a criança apresenta indícios de discriminação racial por ou­tra criança, como o professor deve agir? Ele deve esperar até o mês de novembro – Dia da Consciência Negra – para abor­dar o assunto em sala de aula?

Os traumas que o sentimento de re­jeição e de exclusão podem causar em uma criança podem se tornar irrever­síveis. Não se trata de um acessório de vestuário, por exemplo, que a criança pode simplesmente se negar a vestir novamente. A cor de pele não é esco­lha dela e não poderá ser alterada por vontade própria. Analisando a situa­ção, o educador precisa agir para re­solver a questão rapidamente e incluir em seu gerenciamento rotineiro a me­diação de um problema que pode se propagar por toda a classe e até ultra­passar os muros da escola.

Sabemos que não é usual em nos­sa sociedade tomar ações preventivas contra atitudes preconceituosas e as escolas seguem essa mesma tendên­cia. A própria cartilha de bullying re­trata bem isso quando orienta o pro­fessor sobre como proceder depois que o fato já ocorreu, mas em mo­mento algum levanta questões sobre como prevenir o bullying. Estamos cientes da importância da tratativa imediata e de forma adequada nesses casos, muito embora o ideal seria evi­tar que a agressão ocorresse.

Quando questionado sobre pre­conceito, bullying e agressividade das crianças, o profissional da educação ge­ralmente responsabiliza exclusivamen­te a família e não se dá conta do quanto suas ações têm influência sobre os alu­nos. O aluno tem obviamente um dire­cionamento, uma percepção para com­portar-se desta ou daquela maneira, espelhando sua vivência familiar; po­rém a escola tem igual influência na for­mação de seu perfil comportamental.

No momento em o professor cha­ma os alunos brancos pelos seus no­mes enquanto dirige-se “carinhosa­mente” ao aluno negro pelo apelido de “neguinho” ele abre um preceden­te para que os colegas também o cha­mem dessa forma. Ocorre o mesmo quando o professor chama uma aluna que está acima do peso de “fofinha”. Neste caso será ele, o professor, e não a família, quem está abrindo a porta para um padrão de atitudes das crian­ças que poderá resultar em discrimi­nação, exclusão ou bullying.

A conduta do professor não pode em hipótese alguma ser tendenciosa. O tratamento deve ser igual para to­dos, chamando todos os alunos pelo nome, sem adjetivar ninguém em ra­zão de suas características físicas. E a criança é peralta! Em muitos momen­tos passa a repetir a fala do professor, mas a interpretação feita pela criança pode não corresponder ao que o pro­fessor tinha como intenção quando falou; então para evitar esse tipo de mal-entendido, ele deve chamar cada aluno pelo nome próprio.

Portanto, professor e família divi­dem as responsabilidades na formação do pensamento da criança e de como ela se comporta diante das situações. As ações, gestos e falas de todas as pessoas que fazem parte da vida da criança têm grande influência na formação de opi­nião, para o bem ou para o mal, ajudan­do a construir sua visão de mundo.

Ações pontuais não trazem resulta­dos satisfatórios para a formação de um cidadão crítico e consciente. O comba­te ao preconceito, em suas diferentes facetas, não terá resultados efetivos se só acontecer uma vez no ano. A atuação do professor para combater a discrimi­nação deve ser permanente.

E a discriminação atinge também outros grupos étnicos, como os ín­dios. Como conseguiremos conscien­tizar a criança de que a cultura nativa faz parte da nossa formação cultural como nação se só nos lembramos dos índios no dia 19 de abril? Esse é um ponto em que o professor tem falhado geração após geração. Ora, somos um povo fruto da miscigenação; por que não assumir essa perspectiva e trazê­-la, por exemplo, para rotina dos tra­balhos de classe?

Precisamos conscientizar as crian­ças de que nossas raízes são indíge­nas, negras e brancas para que nossas crianças, desde a Educação Infantil, aceitem com naturalidade o fato de ter amigos de todas as etnias. Transformar a fala sobre respeito e igualdade em um hábito contribuirá significativamente para a diminuição de um problema que paira sobre a nossa sociedade.

O professor deve escolher para o seu material de apoio personagens e situ­ações que representem essa realidade multiétnica e multicultural, indepen­dentemente das efemérides. Ele não deve esperar que um aluno de uma etnia oprimida consiga sozinho reco­nhecer-se ou desejar ser um herói, um escritor, um príncipe, um inventor ou personagem de sucesso, se em toda sua vida ele nunca se viu retratado dessa forma, se essa possibilidade nunca foi demonstrada pelo professor em sala de aula. Afinal, a principal missão do educador é desenvolver pessoas para torna-las cidadãs.

Portanto, o educador não pode ficar neutro frente a uma injustiça cometida contra um aluno. Ele deve assumir um papel ativo contra todo tipo de discrimi­nação, exaltando a importância e a bele­za de todas as etnias que juntas formam a nossa população. E para isso ele não precisa ser um especialista em história, nem um ativista social. Precisa apenas ser um bom exemplo para seus alunos.

(Tereza Cristina Prazeres atua com Educação Infantil e na rede municipal de Osasco oferecendo o uso da Tecnologia Digital da Informação e Comunicação como um recurso didático e pedagógico no contexto educacional)

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