O que acho? Esquisito pra caramba!

OUVIR

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Pa­rei no qui­os­que e es­ta­va fa­zen­do uma das coi­sas que mais gos­to. Lam­ben­do du­as bo­las de sor­ve­te. Uma de cre­me, a ou­tra de co­co bran­co. Hummm! E mor­der as be­ra­di­nhas da cas­qui­nha ao mes­mo tem­po, ave!

Mal co­me­ça­ra, bem, dei­xe ex­pli­car me­lhor. É que te­nho um ri­tu­al. Pri­mei­ro se­gu­ro a cas­qui­nha, dou uma na­mo­ra­da na­que­la tor­re que mais pa­re­ce uma obra de ar­te com o sor­ve­te re­tor­ci­do, sin­to o aro­ma (ah, pre­fi­ro chei­ro, aro­ma dá uma ideia de per­fu­me), de­pois es­tou pron­to pa­ra en­trar no sé­ti­mo céu.

Co­mo es­ta­va di­zen­do, ao dar a pri­mei­ra lam­bi­da, sen­ti meu om­bro li­gei­ra­men­te pu­xa­do.

- En­tão, co­mo vão as coi­sas? Ou­vi e an­tes de res­pon­der pen­sei, ti­nha de ser lo­go ago­ra...

- Tu­do bem, e com vo­cê?

Não sa­bia se olha­va o sor­ve­te, se chu­pa­va, se con­ver­sa­va, se o quê!

- Pe­gue uma cas­qui­nha, va­mos to­mar... (an­tes de ter­mi­nar a fra­se con­vi­te ou­vi a res­pos­ta).

- Não, não to­mo sor­ve­te, en­gor­da.

É ho­je, pen­sei... E o sor­ve­te co­me­çou a es­cor­rer pe­la mão. O jei­to foi co­me­çar a lam­ber, mas já ha­via per­di­do a gra­ça por dois mo­ti­vos. O as­sun­to e o meu ri­tu­al que foi pa­ra as cu­cuias.

- Vo­cê que é lá da­que­le ba­la­co­ba­co, o que acha que vai acon­te­cer nas pró­xi­mas elei­ções?

- O que acho? En­tre olhan­do e chu­pan­do o sor­ve­te. Es­qui­si­to pra ca­ram­ba!

- Ué, só is­so? Ele fez ti­po in­dig­na­do.

En­trei lo­go de so­la, cur­to e gros­so.

- Vo­cê quer mais o que, num pro­ces­so elei­to­ral em que pra­ti­ca­men­te to­dos es­tão na ca­deia ou a ca­mi­nho de­la? Ah, e tem mais, a coi­sa es­tá tão feia que não dá nem pa­ra adi­vi­nhar quem se­rá o pró­xi­mo pre­si­den­te. Tem ló­gi­ca? Es­qui­si­to pra ca­ram­ba!, re­pi­to, pa­ra não di­zer um pa­la­vrão.

Não sen­ti o gos­to da­que­la obra de ar­te que eu es­ta­va lam­ben­do.

(Iram Sa­rai­va, mi­nis­tro emé­ri­to do Tri­bu­nal de Con­tas da Uni­ão)