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OPINIÃO

O tempo todo

Desde os cinco anos de idade, Rogerinho não escondia a ansiedade quando a oportunidade de brincar de videogame lhe batia à porta. Ainda era muito novo para ganhar um apa­relho para chamar de seu. Quando havia um Playstation ou Xbox disponíveis, não pensava duas vezes: colocava os gran­des controles nas mãos ainda pequenas e pelejava de todas as maneiras para comandar o personagem na telinha. Desenvol­veu uma paixão profunda, quase edipiana, pelos games.

O encanto do Rogerinho por games parece um fato conso­lidado da atual geração. Confinados em casas e apartamen­tos, o ambiente virtual soa aos jovens um convidativo univer­so sem barreiras e fronteiras; não há muitos limites quando a tecnologia parece magia. Os impulsos de liberdade são con­sumados pelos jogos eletrônicos. A vida urbana impõe sua parcela de medo. O aproveitamento dos games acaba sendo estimulado pelos pais e pela incômoda sensação de insegu­rança que permeia as cidades grandes.

Não mais se joga bola na rua; biloca, pião, pique-pega e esti­lingue são divertimentos de um passado recente que vai se re­colhendo à nostalgia da minha geração. Esse mundinho de re­des sociais e games equivale hoje ao que as praças significavam há 30 anos. A experiência física das interações sociais tem sido cada vez menos relevante para a geração atual; a interatividade digital tem se consolidado como alternativa aos espaços sociais tradicionais para o desenvolvimento das relações humanas.

Melhor não dar muito assunto ao argumento acima, sob pena de o leitor reconhecer que há coisas melhores para fazer neste final de semana. Ao Rogerinho, então. Acontece que as sú­plicas do menino valeram a pena: ganhou um desses aparelhos modernos, um Xbox. Pegou encanto definitivo pelo pequeno aparelho preto. A falta de experiência tornava os jogos mais difí­ceis. Aproveitava todo o tempo livre disponível para aprimorar as habilidades e superar o desafio. Não desistia fácil.

Rogerinho não abriga mão de sua imersão no mundo dos jogos e dos quadrinhos. Essa relação foi ganhando força e se tornou profunda ao longo dos anos. Hoje, acompanha a moda. Adotou o linguagem, o visual e a ética dos mangás – quadrinhos japoneses – como padrão pessoal. Quando en­contra um jogo baseado nesses gibis, que são lidos de trás para frente, abre um largo sorriso no rosto.

A família dele decidiu ir à Caldas Novas para curtir um final de semana de águas quentes. Mas o Rogerinho come­çou a ficar agitado após dois dias de piscina, parques e diver­timentos no hotel. A mãe, zelosa, perguntou-lhe a causa de toda a angústia. Ouviu no talo:

- Tô com saudade do meu Xbox.

Nem mesmo nas festinhas dos colegas de mesma faixa etá­ria fica com o espírito sossegado. Pergunta com freqüência se os parabéns serão cantados logo. Diz que resta uma fase de Gears Of War para terminar ainda naquele dia; se chegar tar­de em casa, babau, já era: teria que dormir. Rogerinho sempre leva um videogame portátil no bolso, caso o passeio demore muito, ou usa o celular que estiver disponível.

A mãe, preocupada, o proibiu de jogar durante a semana para não prejudicar o rendimento na escola. Não adiantou. Era menino de notas altas. O danado sabia da própria inte­ligência e fazia bom uso dela. Durante as férias, invernou diante do Xbox. Jogava 10, 12 horas por dia. Bastava a mãe fa­cilitar que o menino corria para o videogame.

Ao fazer alguma arte, a mãe o proibia de chegar perto do Xbox por alguns dias. Em menos de 48 horas, a crise de abs­tinência cobrava seu preço. Ficava rabugento, silencioso. Voltava aos livros; desenhava alguma coisa ou se arriscava no futebol com os coleguinhas. Sempre perguntava se pode fazer algo para compensar o ato que resultou na sanção; ten­tava reduzir os dias de cárcere.

Perguntei-lhe se havia algum momento do dia em que não pensava em jogar videogame. Entendo o Rogerinho per­feitamente: eu mesmo já padeci do mesmo encanto; se mi­nha fissura se tornou amena foi mais pelos compromissos do que pela vontade. Rogerinho foi honesto.

- Tem sim.

- E qual seria esse momento?

- Quando estou dormindo...

(Victor Hugo Lopes, jornalista)

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