Preparava para ir dormir quando surgiu célere do chão, sob o criado-mudo, uma promissora barata marrom. Ela fez, a passos ligeiros, um circuito longo, percorrido com suas pérfidas pernas cursoriais. Após dominar as quinas da parede, alardeando suas asas pergaminosas, próxima ao cestinho de lixo, ela avistou no meu par de tênis o ambiente escuro ideal.
Ali, no conforto das trevas do meu tênis esquerdo, a bizarra entrou em meditação por alguns segundos. Aquietou-se. Tomou consciência e percebeu, por suas antenas filiformes captantes, as ondas negativas que eu dimanava para ela.
A energia irruptiva a fez enlouquecer. A bicha perdera a noção. Decidiu contra-atacar. Saltou do tênis caindo para o bote certeiro. E veio, intimidante e ousada, no meu rumo. Não tive escolha.
— PÁ!
A anatomia da barata foi espatifada no plano do piso com a solapada da chinela. Um modelo bidimensional de fluido nojento tingiu de gosma, o azulejo.
Enrolei três camadas de papel higiênico sobre a mão. Passei no chão, em torno, de forma a envolver a região onde o defunto exaurira-se. Com cuidado, permiti que outra camada de papel circulasse os restos da intrépida criatura, a impedir que minha mão contactasse o asqueroso negócio. Urgh! Dá para sentir aquela fedença daqui.
Fui ao banheiro. Olhei ao profundo destino dela, no raso do arcabouço sanitário. Arremessei-a. Pressionei a válvula. E olhava formar-se, no barulho, o violento redemoinho hidráulico.
A paz reestabeleceu-se. Tudo voltara ao seu lugar. A barata para a fossa, e eu? Pus-me a deitar.
Assim, pois, semelhantemente, o povo fatigado pelo mau cheiro de seus péssimos votos e – atemorizado com a infestação do voo das baratas – nas cúpulas parlamentares, haverá de fazer com os políticos eleitos desvirtuados no caráter:
— PÁ!
(Arthur da Paz, jornalista,diretor de Redação do Diário da Manhã)