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OPINIÃO

A cegueira sobre o óbvio: soberania alimentar está em risco

Nós, os bra­si­lei­ros, so­fre­mos de bi­po­la­ri­da­de ex­tre­ma, so­bre­tu­do quan­do se tra­ta da agro­pe­cu­á­ria. Va­mos do com­ple­xo de vi­ra-la­tas ao de bul­do­gue in­glês, uma das dez ra­ças de cã­es mais va­li­o­sas do mun­do, em se­gun­dos.

Sei que a com­pre­en­são de tex­tos não é, na atu­a­li­da­de bra­si­lei­ra, um pon­to al­to. São edi­ta­dos mui­tos li­vros, mas não sen­do de Ri­ta Lee, pro­fe­cias se­xu­ais de Ale­xan­dre Fro­ta e au­to­a­ju­da, pou­cos se­rão li­dos, afi­nal nos di­gi­ta­li­za­mos e não pa­ra apro­vei­tar dos e-bo­oks.

Nas re­des so­ci­ais, ca­da vez mais co­mum a co­mu­ni­ca­ção fei­ta atra­vés de abre­vi­a­tu­ras, sím­bo­los, ca­ri­nhas, pal­mi­nhas, sei lá o quê. Mes­mo em tex­tos mais lon­gos, com pre­ten­são de den­si­da­de gra­ma­ti­cal e or­to­grá­fi­ca, vai-se mui­to mal. Bem, ape­nas, os de­dos, que per­ce­bo de agi­li­da­de in­ve­já­vel.

Di­to is­so, sur­pre­en­deu-me a má in­ter­pre­ta­ção da­da à mi­nha co­lu­na an­te­ri­or (27/03/2018), “Agri­cul­tu­ra sob Te­mer: ali­men­tos mais ca­ros, ex­por­ta­ções em apu­ros”.

Vi­ra-la­tas pre­fe­ri­ram es­tig­ma­ti­zar o agro­ne­gó­cio e os ru­ra­lis­tas co­mo res­pon­sá­veis pe­la pro­vá­vel de­ba­cle fu­tu­ra. Al­guns, inad­ver­ti­da­men­te, tor­cem por ela co­mo cas­ti­go pa­ra “eles”, sem per­ce­ber eles so­mos nós. Já, os bul­do­gues in­gles­es, re­pe­tem Gal­vão Bu­e­no, e se ufa­nam de nos­sa con­di­ção de mais is­so e mais aqui­lo do pla­ne­ta. Lem­bram-se de que já ti­ve­mos “o me­lhor fu­te­bol do mun­do”, o ca­fé, a bor­ra­cha, a Ci­da­de Ma­ra­vi­lho­sa, a Ca­li­fór­nia bra­si­lei­ra, a mú­si­ca mais cri­a­ti­va? Pois é.

Na­da dis­so, nem vi­ra-la­tas, nem bul­do­gues, ape­nas um aler­ta pa­ra sis­te­mas eco­nô­mi­cos em in­ten­sa trans­mu­ta­ção, im­pos­sí­veis de não atin­gir a Fe­de­ra­ção de Cor­po­ra­ções va­ro­nil, de bri­lho in­ten­so, sal­ve, sal­ve, Bra­sil.

Se is­so é ób­vio es­tar ocor­ren­do no ex­te­ri­or e se aqui au­men­ta a po­bre­za, não é ra­zo­á­vel pen­sar um pou­co so­bre os efei­tos pa­ra o Pa­ís de uma que­da nas ex­por­ta­ções e au­men­to nos pre­ços dos ali­men­tos?

Pi­or, is­so já ocor­re, em atos de fu­sões e aqui­si­ções, bem co­mo de con­cen­tra­ção pro­du­ti­va e mer­can­til, en­ca­re­cen­do os cus­tos de pro­du­ção da agro­pe­cu­á­ria e man­ten­do os pre­ços dos ali­men­tos aces­sí­veis à po­pu­la­ção de bai­xa ren­da pe­lo sa­cri­fí­cio dos agri­cul­to­res que pro­du­zem pa­ra o con­su­mo in­ter­no.

En­tão, es­tá cer­ta a troika pri­va­tis­ta, Pa­ren­te Ser­pen­te à fren­te, em fe­char as plan­tas pro­du­to­ras de ni­tro­ge­na­dos, a Va­le ven­der as ja­zi­das de po­tás­sio, a Bayer pa­ra po­der com­prar a Mon­san­to ven­der a uni­da­de de se­men­tes pa­ra a Basf, a Chem­Chi­na com­prar a Syngen­ta, que aca­ba de com­prar as bra­si­lei­ras Stri­der e “ag­tech”, a fu­são Dow Du­pont, e tan­tas mais ocor­rên­cias?

Re­pi­to: is­so tu­do se­rá bom pa­ra a agro­pe­cu­á­ria cam­peã do mun­do? E o res­to que vi­rá, ca­da vez mais vul­ne­rá­vel nos­sa so­be­ra­nia com o go­ver­no nas mãos de com­pro­va­da e an­ti­ga qua­dri­lha en­tre­guis­ta do pa­tri­mô­nio do Pa­ís e re­cep­to­ra quan­do se tra­ta de re­cur­sos pú­bli­cos?

Já ou­ço dos rin­cões su­li­nos, pro­du­to­res de grãos di­zen­do que a tu­do is­so irão su­pe­rar. Se ne­ces­sá­rio, à ba­la, Bol­so­na­ro e si­mu­la­cros. Foi as­sim, com to­da es­sa con­fi­an­ça, jo­ga­da nos om­bros do Te­sou­ro Na­ci­o­nal que, há pou­co mais de dez anos, vo­cês que­bra­ram e só vol­ta­ram quan­do a Chi­na che­gou.

Com um de­ta­lhe: to­dos os paí­ses pro­du­to­res e ex­por­ta­do­res, ho­je em dia, a que­rem e de­la de­pen­dem.

Um pou­co mais de aten­ção, pois, pa­ra a agri­cul­tu­ra fa­mi­liar po­de­ria, pe­lo me­nos, ame­ni­zar nos­so sta­tus de se­gu­ran­ça ali­men­tar.

Há um mês, em­pre­sa mé­dia que as­ses­so­ro abriu 4 va­gas pa­ra re­pre­sen­tan­tes téc­ni­cos de ven­das (RTV) no es­ta­do de São Pau­lo. Em uma se­ma­na, re­ce­beu 221 cur­rí­cu­los de agrô­no­mos e téc­ni­cos agrí­co­las. Já pen­sa­ram es­se exér­ci­to de re­ser­va de mão de obra le­van­do co­nhe­ci­men­to pa­ra a pro­du­ção fa­mi­liar, co­mo tam­bém aos as­sen­ta­dos, ín­di­os e qui­lom­bo­las?

Se pre­ci­sar de­se­nhar, não sei, mas pos­so pe­dir a al­gum es­pe­cia­lis­ta de Car­ta­Ca­pi­tal pa­ra fa­zê-lo. Eles são bons nis­so.

(Rui Da­her, co­lu­nis­ta de Car­ta­Ca­pi­tal. Cri­a­dor e con­sul­tor da Bi­o­cam­po De­sen­vol­vi­men­to Agrí­co­la. ru­i­da­her@ya­hoo.com.br)

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