Segundo o Infopen-2016, de 2000 a 2016 (16 anos) multiplicou-se por oito o total de mu-lheres presas no Brasil, passando de 5.601 para 42.355 em 2016. Representa um aumento de 656% em relação ao total registrado no ano de 2000, quando menos de 6.000 estavam aprisi-onadas. Nesse período, a população prisional masculina cresceu 293%. Como se vê, a situação das mulheres só piorou. O que não mudou foi o alvo preferencial das prisões: jovens, negras, pobres e de baixa escolaridade, provenientes de pequenas cidades do interior e periferias das grandes cidades. Assim, a punição parece ter privilégio de classe (RAMOS, 2017). Em relação à destinação dos estabelecimentos por gênero observa-se a tendência, já expressa em levantamentos anteriores, de que a maior parte das 1.428 cadeias forma projetadas para o público masculino: 74% das unidades prisionais destinam-se aos homens e apenas 107 ou 7% dos estabelecimentos destinam-se exclusivamente ao sexo feminino, outros 17% são caracterizados como mistos, o que significa que podem contar com alas/celas específicas para o aprisionamento de mulheres dentro de um estabelecimento originalmente masculino, revelando que nesse quesito não se observa o que determina a Lei de Execução Penal.
A maioria das detentas, 68%, foram presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas, muitas vezes por morarem com os companheiros e filhos em casas onde se guardavam drogas ou ainda por estarem levando drogas para o companheiro ou filho na prisão.
Historicamente, vislumbra-se a mulher como um ser dependente de um “sistema” cons-truído por homens, que se resume na tríplice prisão: ser esposa (cuidar do marido), ser mãe (gerar e educar os filhos), ser dona de casa (cuidar do lar). Ser gestante, dar à luz e amamentar no sistema carcerário brasileiro significa uma penalização dupla ou tripla para essas prisioneiras. A tabela 1 mostra a distribuição da mulheres nas prisões brasileiras.
Como se vê na tabela o total das 42.355 mulheres, a grande maioria, 41.087, está presa no Sistema Penitenciário e 1.268, nas Secretarias Estaduais de Segurança.
As 42.355 mulheres ocupam 27.029 das vagas existentes, donde que se deduz que o nú-mero de detentas é muito maior que o número de vagas, ou seja, uma taxa de ocupação de 156,7%. Além disso, as demandas das mulheres prisioneiras sa~o especi´ficas: o envolvimento com o crime e a maneira como essas estabelecem vínculos familiares mostram-se, em geral, muito diferente da realidade dos homens privados de liberdade. Das 42.355 mulheres detidas, 19.223 ou 45% são provisórias, à espera de julgamento definitivo, 13.536 ou 32% das mulheres encarceradas foram sentenciadas para regime fechado, 6.609 ou 16% em regime semiaberto e 2.755 ou 7% em regime aberto. A vulnerabilidade das mulheres é muito maior que a dos homens e muitas delas convivem com a falta de produtos básicos de higiene.
Jovens, negras e de baixa escolaridade: das 42.355 mulheres prisioneiras, 50% são jovens entre 18 e 29 anos, 62% são negras, 5% são analfabetas ou alfabetizadas sem ter ido à escola, 45% têm ensino fundamental incompleto e 15%, completo, 17% ensino médio incompleto e 15% ensino médio completo, 2% têm ensino superior incompleto e 1% ensino superior completo.
Gestantes: Apenas 55 unidades prisionais declararam dispor de cela ou dormitório para gestantes. A situação se agrava quando a presa é gestante e mãe, pois tem de se preocupar com o parto e cuidar do(a) filho(a) que vai nascer. Além disso, é recorrente a falta de acompanhamento médico às gestantes e, como resultado, algumas mulheres acabam dando à luz no próprio presídio, sem nenhuma assistência. Havia, em junho de 2106, 536 gestantes e 350 lactantes, mas apenas 3% das unidades dispunham de creches e 14% de berçários.
Cuidados da prole: Das 42.355 mulheres aprisionadas 62% eram solteiras, 23% em união estável, 9% casadas, 2% separadas judicialmente, 2% divorciadas e 2% viúvas. 26% das mulhe-res encarceradas não tinham filhos, as demais, 74%, tinham de 1 a 5 filhos. Muitas mulheres encontram dificuldades para referenciar os filhos no momento da prisão e isto faz com que as crianças sejam entregues a outras famílias sem qualquer acompanhamento ou proteção. A atenção à saúde das crianças, prisioneiras com as mães, constitui uma das maiores fontes de tensão e conflitos das mães com a administração penitenciária. Nesses casos, as mulheres presas sentem-se pressionadas entre ameaças veladas ou claras de serem punidas ou de verem os problemas de saúde dos filhos se agravarem por demora ou desassistência à saúde. Nas prisões brasileiras havia, em junho de 2016, havia 1.111 crianças, prisioneiras com as mães.
Amamentação: Sabe-se da importância da amamentação, pois é o período de troca de afeto entre mães e filhos e contribui para aumentar a imunidade, a saúde e o desenvolvimento da criança. De modo geral, não há local próprio nem permissão para que as mães cozinhem nem que as famílias forneçam alimentação para as crianças. A alimentação “de panela” fornecida, feita no refeitório da unidade é inadequada, preparada sem a devida higiene que pode ser a causa de doenças para mães e filhos. As rotinas e os horários impostos para a alimentação constrangem a autonomia das mães e a liberdade das crianças, pois não contemplam diferenças de idade das crianças e de suas necessidades. Segundo a Lei de Execução Penal (LEP), após o parto, a presa pode amamentar o bebê ao menos por seis meses, mas nem todos os presídios cumprem o prazo e parte deles aplica-o como tempo máximo. O momento da saída da criança do cárcere é conduzido de maneira em geral abrupta, descomprometida com a necessidade de adaptação e com os eventuais impactos sobre a saúde psicológica das mulheres encarceradas. O uso de tecnologias, como caneleiras eletrônicas, que permitem a amamentação em prisão domiciliar, raramente acontece. A violação de direitos humanos com relação às gestantes é generalizada e além disso, os relatos de tortura são comuns mesmo entre as grávidas. Previstas em lei, as prisões femininas devem possuir tanto creches quanto berçários, o que não acontece na maioria delas.
Família: Quatro em cada cinco detentas (80%) são chefes de família e responsáveis pela guarda das crianças e manutenção da casa, mas 25% dessas mães cuidam do filho no cár-cere. A falta de assistência pediátrica cotidiana das crianças encarceradas com suas mães e a demanda por saída da unidade prisional gera tensão entre as detentas e o pessoal de enfer-magem da unidade prisional. O encarceramento fragiliza os vínculos familiares e piora a situa-ção financeira (DIUANA; CORREIA; VENTURA, 2017).
Considerações finais: A situação das mulheres privadas de liberdade é preocupante. Até os dados fornecidos pela Infopen-2016 subestimam o problema, pois listam apenas grávidas e mães com bebês dentro de prisões. As prisões femininas do Brasil são escuras, encardidas, superlotadas. Em muitas delas, as mulheres dormem no chão, revezando-se para poder esticar as pernas. Em algumas cadeias, se não contarem com a caridade das demais, as mães têm de dormir no chão com seus bebês, pois, em geral, as camas são dadas às mais antigas. Vasos sanitários, além de não terem portas, têm descargas falhas e canos entupidos ou estourados. Itens como xampu, condicionador, sabonete e papel são moeda de troca das mais valiosas e servem de salário para as detentas mais pobres, que trabalham para outras presas como faxineiras ou cabeleireiras. As mães solteiras perdem a guarda de seus filhos enquanto estão na cadeia, sem qualquer audiência ou conhecimento do processo para a destituição do poder familiar. Juízes dispõem de meios para reduzir o total de mães atrás das grades e podem, dentro do Código de Processo Penal, converter a prisão preventiva em domiciliar para gestantes e mulheres com filho de até 12 anos incompletos, bem como conceder indulto e comutação de pena. O principal normativo sobre o tema reserva a prisão para casos graves ou em que a mãe represente ameaça.
Referências:
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Le-vantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Mulheres (Infopen) – Atualização junho 2016. Brasília: 2017.
DIUANA, Vima; CORREIA, Marilena; VENTURA, Miriam. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Rio de Janeiro: Physis Revista de Saúde Coletiva. 2015. Acesso em 30 maio 2018.
RAMOS, Beatriz Drague. Com 42 mil presas, Brasil tem a 4ª maior população carcerária feminina. Carta Capital. 2017.
(Darcy Cordeiro, filósofo, sociólogo e teólogo, mestre e doutor, professor aposentado da PUC-Goiás e da Universidade Estadual de Goiás)