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OPINIÃO

Graças a Deus, sou velho

Na ter­ça-fei­ra, 31 de ju­lho de 2018, com­ple­tei 74 ja­nei­ros, pois na se­gun­da-fei­ra, 31 de ju­lho de 1944, em Ja­taí, nas­ci. Ca­da ano, uma es­ta­ção; ca­da dia, uma au­la. Da pri­mei­ra à úl­ti­ma es­ta­ção, mes­mo que es­ta se­ja a cen­té­si­ma, rá­pi­da é a vi­a­gem. Acre­di­tei em coi­sas que não mais acre­di­to( no por­vir do Bra­sil e na jus­ti­ça dos ho­mens, por exem­plo), creio em coi­sas que an­tes não cria, vi coi­sas que de­sa­pa­re­ce­ram ou que se re­pe­tem de ma­nei­ra di­fe­ren­te. Ca­sei-me com Il­sa Re­zen­de Ma­cha­do Li­ma, vir­tu­o­sa se­nho­ra na­tu­ral da sim­pá­ti­ca ci­da­de de Mi­nei­ros, e cons­ti­tu­í­mos be­la fa­mí­lia. Te­mos dois fi­lhos, uma fi­lha, du­as no­ras, um gen­ro, du­as ne­tas, um ne­to que nos ani­mam a vi­ver.

Vi­vi o Bra­sil ru­ral. Nes­sa épo­ca, as fa­zen­das se pro­lon­ga­vam nas ci­da­des. A ca­va­lo se vi­a­ja­va do cam­po à zo­na ur­ba­na pa­ra fi­na­li­da­des di­ver­sas,  in­clu­si­ve pa­ra os fes­te­jos  da igre­ja pa­pal im­preg­na­dos de no­ve­nas e lei­lões que en­chi­am os  co­fres ecle­siás­ti­cos.

Vi­a­jei de jar­di­nei­ra de Ja­tai a Ser­ra do Ca­fé(ho­je, mu­ni­cí­pio de Ser­ra­nó­po­lis) e vi­ce-ver­sa. Nos lar­gos(pra­ças) ci­ga­nos ar­ma­vam bar­ra­cas. Su­as mu­lhe­res usa­vam far­tos ves­ti­dos e ga­nha­vam di­nhei­ro com qui­ro­man­cia. O po­vo, por pre­con­cei­to, di­zia que  eles  fur­ta­vam ca­va­los e ven­di­am ta­chos que não eram de co­bre co­mo se o fos­sem. Ci­gar­ro de fil­tro sur­giu em 1959 ou 1960 e só a mar­ca Mi­nis­ter o pos­su­ía. Por es­se tem­po en­trou no mer­ca­do a ca­mi­sa Vol­ta ao Mun­do. Não ti­nha bol­so e não me re­cor­do se de man­ga com­pri­da e ou cur­ta. Be­bia-se co­nha­que de al­ca­trão São Jo­ão da Bar­ra e in­ge­ria-se o qui­na­do Fer­ro Qui­na. Cal­cei bo­ti­nas de abo­to­ar que lo­go sol­ta­vam os bo­tões por­que a “ca­sa” os pu­xa­va. Sa­pa­to Sa­me­lo era coi­sa chi­que e por is­so não pro­te­gia pés de po­bre. Em Ja­taí, nor­te-ame­ri­ca­nos ou bra­si­lei­ros os pas­to­res pro­tes­tan­tes; es­pa­nhóis, os pa­dres. Es­tes usa­vam ton­su­ras, nun­ca eram vis­tos sem ba­ti­na e em la­tim ce­le­bra­vam as mis­sas.

Ma­çã vi­nha da Ar­gen­ti­na e cus­ta­va al­to pre­ço. Ho­mens, prin­ci­pal­men­te os jo­vens, usa­vam es­pe­lho de bol­so( no bol­si­nho da cal­ça, per­to do cin­to). O pre­fe­ri­do con­du­zia, no ver­so, a  fo­to­gra­fia de uma mu­lher nua. Nos ca­be­los  mas­cu­li­nos, bri­lhan­ti­na, tal­vez a mais fa­mo­sa fos­se a Glos­to­ra.

Quan­do che­ga­va o cir­co, a no­tí­cia vo­a­va co­mo a anun­ci­ar boa no­va. Ou­via-se, no meio da tar­de, for­te ala­ri­do na rua. Era o pa­lha­ço à fren­te de me­ni­nos, to­dos a pé. O pa­lha­ço per­gun­ta­va, res­pon­dia a ga­ro­ta­da:

- Ho­je tem es­pe­tá­cu­lo?

-Tem, tem, sim se­nhor!

- Ho­je tem mar­me­la­da?

-Tem, tem, sim se­nhor!

- Ho­te tem go­i­a­ba­da?

- Tem, tem, sim se­nhor!

- O pa­lha­ço o que é?

- É la­drão de mu­lher!

E a noi­te, gran­de par­te da ci­da­de com­pa­re­cia ao cir­co e quan­do es­te ia em­bo­ra co­mer­cian­tes re­cla­ma­vam por­que a com­pa­nhia le­va­ra gran­de por­ção do di­nhei­ro do po­vo e, con­se­quen­te­men­te, cai­am as ven­das.  En­fim, da in­fân­cia à ve­lhi­ce foi um pe­que­no sal­to. Não sei por qual mo­ti­vo se ocul­ta a ida­de. Di­zem que ido­so ou an­ci­ão é eu­fe­mis­mo de ve­lho. Bo­ba­gem. Ve­lhi­ce não é de­son­ra, é hon­ra. Sou ve­lho agra­de­ci­do a Deus por­que o sou. Agra­de­ci­do a Deus pe­la es­po­sa que Ele me deu e pe­los fru­tos do nos­so amor. Agra­de­ço a Deus por in­con­tá­veis bên­çã­os, in­fi­ni­tas bên­çã­os, in­clu­sa a bên­ção da ve­lhi­ce, mes­mo com glau­co­ma(con­tro­la­da), hi­per­ten­são(con­tro­la­da), Parkin­son(con­tro­la­do).

(Filadelfo Borges de Lima fi­la­del­fo­bor­ges­de­li­[email protected])

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