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OPINIÃO

Notebook, celular, relógio e óculos de sol

No bair­ro chi­nês de Ku­a­la Lum­pur a noi­te é mais fres­ca e as co­mi­das idem. A rua es­tá lo­ta­da de tu­ris­tas e ci­da­dã­os lo­ca­is em ple­na har­mo­nia. Ape­sar de con­se­guir iden­ti­fi­car ape­nas a me­ta­de dos in­gre­di­en­tes ser­vi­dos, pe­ço um pra­to bem far­to. Meu ami­go tam­bém. É a pri­mei­ra in­cur­são de­le no ori­en­te. Es­tá ma­ra­vi­lha­do. Tu­do mui­to ba­ra­to e aces­sí­vel.

Já no quar­to ca­da um de nós faz su­as pes­qui­sas so­bre os mer­gu­lhos em pla­ta­for­mas sub­ma­ri­nas, pas­sei­os em ilhas e ti­pos de tran­spor­te pa­ra alu­guel. Na­da de­mais, é nos­sa ro­ti­na. Al­gu­mas fo­tos são pas­sa­das pa­ra fren­te, em re­des so­cias. Al­guns tex­tos são es­cri­tos. E o fu­so ho­rá­rio vem co­brar sua par­te. Dor­mi­mos as seis da tar­de no se­gun­do dia e acor­da­mos as qua­tro da ma­nhã.

Ao des­li­gar o no­te­bo­ok de ma­nei­ra ina­de­qua­da, nem per­ce­bi o que hou­ve. Mas ao ten­tar re­li­gar, além da len­ti­dão ha­bi­tu­al – cri­ti­ca­da ve­e­men­te­men­te pe­lo par­cei­ro, já que ele é um exí­mio TI – a te­la apa­re­ceu com uma be­la cor azul. Eu ri. De­pois exas­pe­rei. Ain­da bem que meus backups es­ta­vam em dia. Mas mes­mo as­sim o de­ses­pe­ro ba­teu. E ti­ve que ou­vir o clás­si­co dos gran­des ami­gos: “Eu avi­sei”.

Nun­ca achei a má­qui­na pe­sa­da, mas a par­tir des­se dia ela se tor­nou um far­do na mi­nha mo­chi­la de ata­que. Co­me­cei a usar meu ve­lho smartpho­ne, de tec­no­lo­gia An­droid e de uma mar­ca sa­bi­a­men­te co­nhe­ci­da por não que­brar. Mas ao che­gar na Monkey Be­ach, na ilha de Pe­nang, ele que­brou. O com­pu­ta­dor inu­ti­li­za­do, eu par­ti pa­ra es­cre­ver à mão num di­á­rio e sem te­le­fo­ne na mão, iso­lei-me.

Os ma­ca­cos rou­ba­ram meu lan­che e o ce­lu­lar foi jun­to, ape­sar da ár­vo­re ser bai­xa e eu con­se­guir su­bir até per­to de­les, a que­da – mi­nha e do apa­re­lho – foi fa­tal pa­ra a má­qui­na. Dí­di­mo per­gun­tou, num mis­to de ri­so e pre­o­cu­pa­ção, ma­chu­cou? Só o or­gu­lho, res­pon­di. Cul­pa mi­nha que a ba­te­ria es­ta­va es­tu­fa­da e en­trou areia e a unha do ani­mal dei­xou uma sin­gu­lar ru­bri­ca.

Dei­xan­do a Ma­lá­sia em di­re­ção a In­do­né­sia e a ilha de Ba­li, mais um ajus­te no fu­so ho­rá­rio, ago­ra são on­ze ho­ras. Adi­an­ta­mos em três di­as a che­ga­da, pois in­clu­í­mos o Ar­qui­pé­la­go de Ko­mo­do e o seu im­per­dí­vel mer­gu­lho com rai­as-man­tas. E en­tão, ao abrir mi­nha po­che­te, tam­bém al­vo de crí­ti­cas – não pe­la uti­li­da­de, mas pe­la ida­de – e pe­gar meu ca­ni­ve­te, ele abre em ci­ma do bo­tão de­bai­xo do mos­tra­dor do re­ló­gio e o de­ce­pa.

Sem no­te­bo­ok, sem ce­lu­lar e ago­ra sem re­ló­gio, fi­co a mer­cê do meu pró­prio tem­po de do meu com­pa­nhei­ro de vi­a­gens. E não é que fi­cou le­gal? Co­me­ço a acor­dar sem o alar­me, e ge­ral­men­te uma ho­ra an­tes do Ra­fa­el – o que me pro­pi­cia tem­po pa­ra co­mer bem, me­di­tar e alon­gar – e até achar bo­ni­ta a mi­nha es­gar­ran­cha­da le­tra cur­si­va. Não há pres­sa em apre­ci­ar o bur­bu­ri­nho de Ubud e nem de fa­zer as cur­vas sel­va­gens com a mi­nha sco­o­ter vin­ta­ge alu­ga­da no ho­tel mes­mo.

Sem pres­sa pa­ra na­da, len­do e es­cre­ven­do na ho­ra que dá von­ta­de. Dor­min­do e co­men­do de acor­do com as ne­ces­si­da­des, a vi­a­gem vai se tor­nan­do mais e mais agra­dá­vel. Num fim de tar­de saí pa­ra fo­to­gra­far e pas­se­ar e fiz tre­zen­tas fo­tos em tre­zen­tos me­tros. Tu­do é re­la­ti­vo e o tem­po tam­bém.

Nos des­lo­ca­mos ve­lo­zes por se­ten­ta qui­lô­me­tros pa­ra uma praia com on­das per­fei­tas num dia en­so­la­ra­do, meus ócu­los pe­que­nos e se­cu­la­res me pro­te­giam do sol e ven­to. O co­le­ga com um ce­lu­lar na mão ven­do GPS e seus in­sub­s­ti­tu­í­veis ócu­los es­cu­ros, que ele usa até de noi­te, ia rom­pen­do o mar de mo­ti­nhas no li­to­ral ba­li­nês. Pa­dang-Pa­dang é sem no­ção. Um bar­ran­co enor­me, areia bran­ca e pas­mem: um cam­pe­o­na­to de sur­fe na­que­le dia.

Ao ca­ir da tar­de já sa­in­do da praia, no al­to do mor­ro, um pe­so nas mi­nhas cos­tas. Um enor­me ma­ca­co ca­ran­gue­jei­ro rou­ba meu ama­do ray ban avi­a­tor e so­be pa­ra um ga­lho inal­can­çá­vel e mas­ti­ga to­dos os com­po­nen­tes de plás­ti­co. Até en­tre­gar pa­ra um fi­lho­te brin­car e es­se de­vol­ver pa­ra o guar­da lo­cal em tro­ca de um pu­nha­do de amen­do­ins.

Vol­to a noi­te com ven­to no ros­to. Fo­tos mil. Pro­mes­sas de que o voo pa­ra La­bu­an Ba­jo se­rá es­pe­ta­cu­lar e o mer­gu­lho idem. Sem o con­ta­to com a te­la, se­ja ela a mi­nha fren­te ou nas mi­nhas mãos, sem ho­ra pra na­da, e com o sol in­cle­men­te da li­nha do Equa­dor fus­ti­gan­do meu ros­to. E eu achan­do bom.

Es­tou li­vre, es­tou fe­liz e sem mai­o­res com­pro­mis­sos. Meu ami­gão lis­ta as com­pras que ne­ces­si­to fa­zer quan­do che­gar. E aqui, ago­ra, es­cre­ven­do nas te­clas no­vas do meu mo­der­nís­si­mo no­te­bo­ok com o ce­lu­lar no­vi­nho ao la­do, re­ló­gio pa­ra vi­a­jan­tes no pul­so e o mes­mís­si­mo ócu­los, eu não con­si­go pa­rar de rir. Na­da faz fal­ta quan­do a al­ma es­tá ple­na de aten­ção.

(JB Alen­cas­tro, mé­di­co)

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