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OPINIÃO

Penitenciárias brasileiras - Faixa etária, cor e escolaridade dos prisioneiros

Se­gun­do o re­la­tó­rio do In­fo­pen-2016, os jo­vens, ne­gros e de bai­xa es­co­la­ri­da­de com­põ­em a mai­o­ria da po­pu­la­ção pri­si­o­nal bra­si­lei­ra.

O pú­bli­co al­vo do nos­so sis­te­ma pe­nal é bem de­fi­ni­do: 55% são jo­vens de até 29 anos; 64% são ne­gros; bai­xa es­co­la­ri­da­de, pois 80 % não con­clu­iu o en­si­no mé­dio. Quan­to aos ho­mens, mais de 70% são acu­sa­dos por trá­fi­co ou cri­mes pa­tri­mo­ni­ais. Já em re­la­ção às mu­lhe­res, mais de 60% de­las são acu­sa­das por trá­fi­co.

  1. a) Fai­xa etá­ria - Po­de-se afir­mar que 30% dos pre­sos bra­si­lei­ros têm en­tre 18 e 24 anos, e 25% en­tre 25 e 29 anos, que so­ma­dos che­ga a um to­tal de 55% ou 399.392 jo­vens de 18 a 29 anos. O nú­me­ro é bas­tan­te su­pe­ri­or ao da pre­sen­ça de jo­vens no con­jun­to da so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra, pois de acor­do com da­dos da Pes­qui­sa Na­ci­o­nal por Amos­tra de Do­mi­cí­lio (Pnad), a fai­xa de ci­da­dã­os en­tre 18 e 29 anos re­pre­sen­ta 18% da po­pu­la­ção to­tal do Pa­ís. Ain­da que a con­cen­tra­ção de jo­vens per­sis­ta em to­dos os es­ta­dos, des­ta­cam-se os ca­sos do Acre, Ama­zo­nas, Pa­rá, Es­pí­ri­to San­tos, Per­nam­bu­co e Ser­gi­pe, em que mais de 6 em ca­da 10 pes­so­as pri­va­das de li­ber­da­de são jo­vens en­tre 18 e 29 anos. Os Es­ta­dos com me­nor pro­por­ção de jo­vens pre­sos são Ro­rai­ma e Rio Gran­de do Sul.
  2. a) Ra­ça e cor – se­guin­do o mes­mo cál­cu­lo, mul­ti­pli­can­do o to­tal de de­ten­tos (726.712) pe­la per­cen­ta­gem de ra­ça (bran­ca, ne­gra e ama­re­la) e di­vi­din­do por 100, tem-se: bran­cos, 35% ou 254.349; ne­gros, 64% ou 465.096 e ama­re­los 1% ou 7.267 pre­sos, res­pec­ti­va­men­te. Co­mo se vê, a po­pu­la­ção ne­gra re­pre­sen­ta qua­se dois ter­ços de to­da a po­pu­la­ção car­ce­rá­ria. 1% é clas­si­fi­ca­da co­mo ama­re­la, in­dí­ge­na e “ou­tras”. O Acre é on­de, pro­por­ci­o­nal­men­te, tem o mai­or nú­me­ro de ne­gros pre­sos, sen­do 95% da po­pu­la­ção car­ce­rá­ria. Já o Rio Gran­de do Sul é o Es­ta­do com mai­or nú­me­ro de bran­cos pre­sos: 68%.


A ló­gi­ca es­cra­vo­cra­ta ori­en­ta a po­lí­ti­ca cri­mi­nal des­de a ori­gem da so­ci­e­da­de bra­si­lei-ra. De um la­do, a ca­sa gran­de, re­du­to do se­nho­rio que deu ori­gem à for­ma ju­rí­di­ca de um Es­ta­do pre­ten­sa­men­te de­mo­crá­ti­co, on­de di­rei­tos e ga­ran­ti­as fun­da­men­tais são as­se­gu­ra­dos de acor­do com a con­ve­niên­cia de um pen­sa­men­to do­mi­na­do pe­la eli­te eco­nô­mi­ca. Em si­tu­a­ção di­a­me­tral­men­te opos­ta, a sen­za­la evo­lu­iu pa­ra um Es­ta­do de ex­ce­ção per­ma­nen­te des­ti­na­do aos ex­cluí­dos, on­de vi­go­ra a ló­gi­ca do com­ba­te se­le­ti­vo à po­pu­la­ção po­bre e mar­gi­na­li­za­da por meio da im­po­si­ção do me­do e do ter­ror a par­tir da apli­ca­ção se­ve­ra das nor­mas in­cri­mi­na­do­ras e ne­ga­ção ao di­rei­to de de­fe­sa.

  1. b) Es­co­la­ri­da­de - Ou­tro da­do di­vul­ga­do pe­lo le­van­ta­men­to do In­fo­pen foi acer­ca do ní­vel de es­co­la­ri­da­de das pes­so­as pre­sas. O ór­gão ob­te­ve es­sa in­for­ma­ção de 70% ou 508.698 pes­so­as da po­pu­la­ção car­ce­rá­ria bra­si­lei­ra. Mais da me­ta­de (51%) dos de­ti­dos com in­for­ma­ções de es­co­la­ri­da­de tem o en­si­no fun­da­men­tal in­com­ple­to. Além des­ses, 6% são al­fa­be­ti­za­dos sem cur­sos re­gu­la­res e 4% são anal­fa­be­tos. Ape­nas 1% da po­pu­la­ção car­ce­rá­ria in­gres­sou no en­si­no su­pe­ri­or, no en­tan­to, cons­ta que ne­nhum de­les te­nha se for­ma­do. Não foi pos­sí­vel quan­ti­fi­car me­lhor a es­co­la­ri­da­de dos de­ten­tos pe­lo fa­to de a in­for­ma­ção de 70%, va­le co­mo amos­tra sig­ni­fi­ca­ti­va, mas não se po­de afir­mar as per­cen­ta­gens com se­gu­ran­ça.


Se­gun­do Darcy Ri­bei­ro, “a cri­se pe­ni­ten­ci­á­ria não é uma cri­se, mas sim um pro­je­to”, que se sus­ten­ta so­bre a cri­mi­na­li­za­ção da po­bre­za e do ra­cis­mo: po­bres e ne­gros. O sis­te­ma pri­si­o­nal, su­per­lo­ta­do, é do­mi­na­do por fac­ções que ne­go­ci­am a pre­ços al­tos pro­te­ção a pre­sos e or­ga­ni­zam o trá­fi­co de dro­gas den­tro e fo­ra dos pre­sí­di­os. Pou­quís­si­mos pre­sos têm aces­so à edu­ca­ção e ao tra­ba­lho e não há as­sis­tên­cia ao de­ten­do que ga­nha li­ber­da­de. Daí as rein­ci­dên­cias (OKWU­DI­LI, 2017).

De­ve-se con­si­de­rar tam­bém as ca­rac­te­rís­ti­cas de pre­ca­ri­e­da­de so­ci­o­e­co­nô­mi­ca da mai­o­ria da po­pu­la­ção car­ce­rá­ria bra­si­lei­ra, le­van­do-se em con­ta que par­te sig­ni-fi­ca­ti­va des­sa po­pu­la­ção in­gres­sa no sis­te­ma pri­si­o­nal de­pois de ex­pe­ri­ên­cia de vi­da com pou­cas opor­tu­ni­da­des de es­tu­do, em­pre­go e mo­ra­dia. A mar­gi­na­li­za­ção é um pro-ble­ma so­ci­al que atra­ves­sa a his­tó­ria das so­ci­e­da­des, as­sim co­mo a dis­cri­mi­na­ção e o pre­con-cei­to. No Bra­sil, on­de cri­mi­na­li­zar vi­rou um ne­gó­cio lu­cra­ti­vo, não se­ria di­fe­ren­te e pa­ra agra-var a si­tu­a­ção uma das con­se­quên­cias da mar­gi­na­li­za­ção, da dis­cri­mi­na­ção e do pre­con­cei­to é que se pren­de mui­to mais ne­gros que bran­cos.

Em nú­me­ros ab­so­lu­tos: em 2005 ha­via 92.052 ne­gros pre­sos e 62.569 bran­cos, ou se­ja, con­si­de­ran­do-se a par­ce­la da po­pu­la­ção car­ce­rá­ria pa­ra a qual ha­via in­for­ma­ção so­bre cor dis­po­ní­vel, 58,4% era ne­gra. Já em 2012 ha­via 292.242 ne­gros pre­sos e 175.536 bran­cos, ou se­ja, 60,8% da po­pu­la­ção pri­si­o­nal era ne­gra. Em 2016, dois em ca­da três pre­sos no Bra­sil eram ne­gros (67% do to­tal). Cons­ta­ta-se, as­sim, que quan­to mais cres­ce a po­pu­la­ção pri­si­o­nal no pa­ís, tam­bém mais cres­ce o nú­me­ro de ne­gros en­car­ce­ra­dos (PE­RES, 2017).

No Bra­sil há uma cri­mi­na­li­za­ção ile­gal de uma par­ce­la da po­pu­la­ção pa­ra mo­vi­men­tar um lu­cra­ti­vo sis­te­ma re­pres­si­vo: quan­to mai­or o sis­te­ma car­ce­rá­rio, mai­or se­rá a quan­ti­da­de de li­ci­ta­ções, fi­nan­cia­men­tos e ne­gó­ci­os re­a­li­za­dos que mo­vi­men­ta de for­ma per­ver­sa as ver­bas pú­bli­cas da área de se­gu­ran­ça. Aqui­lo que, pe­lo vi­és ju­rí­di­co, é uma aber­ra­ção, pri­sões sem ma­te­ri­a­li­da­de, fun­da­men­to ou ne­ces­si­da­de, no co­ti­dia­no do fo­ro é vis­to e apre­sen­ta­do, em ge­ral, co­mo um sim­ples ca­so pa­drão de um in­di­ví­duo cri­mi­na­li­za­do: ge­ral­men­te um jo­vem, ne­gro, po­bre, réu pri­má­rio é pre­so em fla­gran­te por cri­mes que po­de­ri­am ser en­qua­dra­dos fa­cil­men­te co­mo ba­ga­te­la. Se­gun­do as in­for­ma­ções en­con­tra­das, o mo­ti­vo das pri­sões em ex­ces­so é cri­mi­na­li­zar ile­gal­men­te uma par­ce­la da po­pu­la­ção ob­je­ti­van­do ne­gó­ci­os apa­ren­te-men­te le­gais, pro­ble­mas que se en­qua­dram co­mo o “jei­ti­nho do bra­si­lei­ro” po­bre e mar­gi­na­li­za­do de re­sol­ver seus pro­ble­mas de so­bre­vi­vên­cia.

Há mui­ta má von­ta­de do Es­ta­do em in­ves­tir em po­lí­ti­cas vol­ta­das pa­ra es­sa po­pu­la­ção car­ce­rá­ria, e tam­bém em in­ves­tir em po­lí­ti­cas so­ci­ais pa­ra as áre­as mar­gi­na­li­za­das da so­ci­e­da-de e mui­to me­nos ain­da àque­les que pas­sa­ram pe­la pri­são. Por ou­tro la­do, é pre­ci­so di­zer que não se res­so­ci­a­li­za aque­le que nun­ca fo­ra so­ci­a­li­za­do. Uma ba­se so­ci­al jus­ta e igua­li­tá­ria, ei­xos de uma so­ci­e­da­de in­clu­si­va, é pri­mor­di­al pa­ra com­ba­ter to­do ti­po de cri­mi­na­li­za­ção, pre­con­cei­tos e in­jus­ti­ças. Há, por­tan­to, uma cer­ta se­le­ti­vi­da­de do po­der pu­ni­ti­vo bra­si­lei­ro, des­ta­can­do al­guns de­li­tos, tor­nan­do ti­pos de pes­so­as co­mo de­lin­quen­tes, cri­an­do um es­te­re­ó­ti­po no ima­gi­ná­rio co­le­ti­vo. Os mei­os de co­mu­ni­ca­ção mos­tram que o apri­si­o­na­men­to de­ve ser a so­lu­ção pa­ra a cri­mi­na­li­za­ção. Em con­se­quên­cia, o po­der pu­ni­ti­vo, do apri­si­o­na­men­to, cai so­bre os mais po­bres e es­que­ci­dos na so­ci­e­da­de e nas ca­dei­as. Os ri­cos não fi­cam mui­to tem­po na ca­deia, pois têm di­nhei­ro pa­ra con­tra­tar um bom ad­vo­ga­do. As­sim, o sis­te­ma pe­nal ope­ra em for­ma de fil­tro se­le­ci­o­nan­do as pes­so­as que se­rão pre­sas e sol­tas. No en­tan­to, o di­rei­to é pa­ra to­dos que de­ve­ri­am ter di­rei­to a de­fen­so­res.

Em to­das as pri­sões do Bra­sil o ca­so se re­pe­te: to­do po­bre é ban­di­do, to­do ne­gro é cri­mi-no­so. Daí o adá­gio po­pu­lar: “bran­co cor­ren­do é at­le­ta, pre­to ou po­bre cor­ren­do é la­drão!”. En­ten­de-se pois a su­per­lo­ta­ção das ca­dei­as.

Re­fe­rân­cias:

OKWU­DI­LI, Cor­né­li­us. Pe­nas mais rí­gi­das: jus­ti­ça ou vin­gan­ça? For­ta­le­za: Prê­mi­us, 2017.

PE­RES, Thi­a­go Bran­dão. Cri­mi­na­li­za­ção de jo­vens, ne­gros e po­bres: um re­tra­to do sis­te­ma pe­ni­ten­ci­á­rio bra­si­lei­ro. Ne­xo Jor­nal, 2017.

(Darcy Cor­dei­ro, fi­ló­so­fo, so­ci­ó­lo­go e te­ó­lo­go, mes­tre e dou­tor, pro­fes­sor apo­sen­ta­do da PUC-Go­i­ás e da Uni­ver­si­da­de Es­ta­du­al de Go­i­ás)

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