Vamos imaginar um país cujo ministro das Finanças foi considerado o melhor da Europa pelo mundialmente respeitado Financial Times; que more em um apartamento simples de 25 metros quadrados; onde deputados ocupam exíguos espaços de 18 metros quadrados, que não aumentam seus próprios salários, não possuem carro oficial, motorista, secretária nem assessores; que andam de ônibus, metrô, bicicleta ou a pé, mesmo vivendo num dos países mais ricos e evoluídos do mundo.
A par dessa vida franciscana, podem perfeitamente correr o risco de irem parar nas manchetes de jornais e caírem em desgraça pública se usarem táxi sem necessidade ou comprarem uma barra de chocolate com o cartão corporativo. Vereadores não possuem subsídios, e parlamentares vivem em casas simples. Deputados, senadores e ministros lavam e passam suas próprias roupas. E por aí vai.
O leitor pode imaginar que estamos falando de um país criado pela ficção científica. Mas não: este país existe e foi retratado pela jornalista Cláudia Wallin, que viveu na Suécia e observou esse país durante dez anos e o transformou no livro “Um país sem excelências e mordomias”, de 336 páginas, editado pela “Geração Editorial”.
Este livro, num país que deveria ter vergonha na cara, seria uma leitura obrigatória para todo deputado, senador, ministro, juiz, desembargador, governador, presidente, secretário, prefeito, vereador. E principalmente o eleitor, para quem é quase um guia de sobrevivência na selva da política brasileira. Embora a autora fale da Suécia, é impossível não comparar com o Brasil a cada linha.
Vamos ao Brasil: a ONG “Transparência Brasil” calculou que cada um dos 81 senadores tem para o contribuinte o custo anual de 33 milhões e 400 mil reais;
Na Câmara dos Deputados, a razão é de R$ 6,6 milhões para cada um dos 513 deputados federais, segundo a ONG. Dentre as assembleias legislativas, o maior orçamento por legislador é o da Câmara Legislativa do Distrito Federal, que equivale a R$ 9,8 milhões para cada um dos 24 deputados distritais. Neste particular, o que menos custa para o contribuinte é o do Tocantins, com mais de dois milhões/ano por deputado, o que ainda assim é muito, pois estaríamos despendendo quase 85 mil por mês com cada um. Isto, sem chegarmos às câmaras municipais, que no Brasil são nada menos que 5.569 (uma para cada município).
A Câmara dos Deputados custa R$ 18,14 por ano para cada brasileiro “de mamando a caducando”, enquanto o Senado sai por R$ 14,48. Entre as capitais de estados, a câmara de vereadores mais cara por habitante é a de Palmas (TO), que custa anualmente R$ 83,10 para cada morador da cidade. A mais barata é a de Belém (PA), com R$ 21,09 por ano.
Mas paremos com estatísticas e entremos no que interessa: as mordomias, que não existem na Suécia, mas no Brasil são um câncer, uma vergonha.
Comecemos pelo Senado (e são 81 senadores): o subsídio mensal é de R$ 16.512,09. Além dos 12 salários por ano e do 13º, cada senador recebe o mesmo valor no início e no final de cada sessão legislativa, ou seja, 14º e 15º salários. Cada um tem direito a uma verba de gabinete, podem contratar diretamente 11 profissionais, sendo seis assessores parlamentares e cinco secretários parlamentares; R$ 15 mil de verba indenizatória (gastos nos estados, com aluguel, gasolina, alimentação etc.); auxílio-moradia de R$ 3.800,00 (para quem não quer apartamento funcional); cota postal, cota telefônica de R$ 500,00; passagens aéreas; 25 litros de gasolina/dia; R$ 8.500,00 por ano para impressos de promoção pessoal, além de receber nos dias úteis cinco publicações, entre jornais e revistas. Estes dias, uma senadora nomeou seu cabeleireiro para chefe do cerimonial de seu gabinete.
Na Câmara dos Deputados não é diferente. Só que são 513, que têm as mesmas mordomias senatoriais: R$ 16.500,00 de subsídios (com 13º, 14º e 15º salários); com 60 mil de verba de gabinete; 15 mil de verba indenizatória; auxílio-moradia de três mil; cota postal e telefônica, passagens aéreas (e ainda queriam estender para o cônjuge), cota de seis mil na gráfica do Senado para promoção pessoal e as mesmas publicações dos senadores.
Vamos parando por aqui, para não termos um infarto (e não um enfarto, pois aquele é fulminante, e neste, sobrevive-se), porque ainda há 27 assembleias e uma câmara legislativa e 5.569 câmaras municipais, todas com seu pessoal, suas verbas e suas mordomias, afora as roubalheiras que saem toda semana no “Fantástico”. E falamos só do Legislativo, pois ainda há 39 ministérios no Executivo, e quase uma centena de tribunais, no Judiciário. Todos com mordomias, todos exigindo “excelência” antes do nome.
Voltemos à Suécia. A autora de "Um país sem excelências e mordomias", quando entrevistou o primeiro-ministro sueco, ele estava com aspirador em punho, limpando a própria casa. Lá quem sai da linha sofre o peso da lei. Nem as celebridades escapam. Suspeito de fraude fiscal, o cineasta Ingmar Bergman foi preso no próprio teatro e arrastado para dar explicações. Teve um enfarte, mas não foi perdoado. Este espantoso livro sobre a Suécia mais parece uma obra de ficção científica, sobre um país utópico qualquer. Como a democracia pôde se consolidar naquele país gelado, habitado no passado remoto por um bando de selvagens vikings vestindo peles e usando capacetes com chifres? Mas não estão na vida pública para fazer fortuna. A democracia sueca é apoiada em três pilares: transparência, escolaridade e igualdade. E o homem comum trata as autoridades por “você”.
Na concepção sueca, sistemas que concedem privilégios e regalias aos políticos são perigosos, porque os transformam em uma espécie de classe superior, que não sabe como vivem os cidadãos comuns. Acontece que na Suécia os parlamentares são eleitos para servir. E aqui, para SERVIR-SE. E até dão-se ao luxo de formar cartéis para ratearem propinas. Filho ou parente de celebridade não vai para a cadeia. Qualquer pessoa ex-importante passa a julgar-se intocável e eterno dono do cargo e fica automaticamente vacinado contra polícia, inquérito, ação penal e cadeia, adquirindo o “efeito teflon” (nada pega nela). O próprio governo estabelece o monopólio da corrupção: “mensalão”, “petrolão”, “BNDES” e outros que seguramente estão a caminho.
Oscar Niemeyer nunca foi tão atual quando, ao completar 102 anos, disse: “Projetar Brasília para colocar os políticos que vocês colocaram lá foi como criar um lindo vaso de flores pra vocês usarem como pinico. Hoje eu vejo, tristemente, que Brasília não deveria ter sido projetada em forma de avião, mas sim de camburão”.
Quando comparei aquele país com o nosso, procurei um buraco para enfiar a cara, de tanta vergonha.
(Liberato Póvoa, Desembargador aposentado do TJ-TO, Membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado, liberatopo[email protected])