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POLÍTICA

Governo cogita tributar cartórios

Helvécio Cardoso,Da editoria de  Política&Justiça

Há vários dias rola nos meios políticos que o governo do Estado de Goiás prepara projeto de lei determinando o recolhimento de uma parte do faturamento dos cartórios goianos (10% ou 15%, não se sabe ao certo), para reforçar o Fundo de Melhoramento do Poder Judiciário. Fala-se ainda que uma parte dessa tungada seria transferida para o Executivo para ser aplicada em obras de reformas e construção de instalações carcerárias.

Uma fonte da Secretaria de Estado da Casa Civil confirmou ontem ao Diário da Manhã que, de fato, um projeto neste sentido está sendo elaborado pelos técnicos do órgão. Não forneceu detalhes, mas, em suma, o negócio é este mesmo: tirar dinheiro dos cartórios, transferi-lo ao Judiciário e pegar uma parte para o Executivo para ser aplicada em execução penal. Mas o secretário chefe da Casa Civil, Carlos Siqueira, não quis falar. Via assessoria de imprensa mandou dizer que "isto é assunto do governador". Foi, de fato, o governador Marconi Perillo que abriu o debate, ao anunciar, dias atrás, em um "hang out" – pronuncia-se "rangalte" – pela internet e falou por alto sobre o caso.

O governo, no entanto, ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto. Mas, nos meios políticos, não se fala de outra coisa. Na Assembleia Legislativa, vários deputados já subiram à tribuna para adiantar opiniões. O deputado pedetista Doutor Antônio, por exemplo, já anunciou que vai apresentar emenda ao projeto destinando parte deste recurso para o custeio da rede hospitalar. Ele acha que, com apenas uma pequena parte do que pode ser arrecadado, será possível colocar o Hugo 2 em funcionamento. O hospital, grandioso e sofisticado, ainda não começou a atender pacientes, disse o deputado, por falta de recursos.

Nota-se em todos os discursos parlamentares uma grande simpatia pelo projeto, alimentada por uma certa animosidade em relação aos cartórios e aos tabeliães. Até o líder da bancada do PMDB, deputado José Nelto, que nos últimos dias vem se superando em ataques furiosos ao governador Marconi Perillo, disse ao DM que está disposto a aprovar o projeto, "se não houver ilegalidades". Ou seja, se o que o governador está propondo tiver respaldo jurídico, diz Nelto, o PMDB deverá aprovar.

No entanto, é voz corrente nos meios políticos que muitos donos de cartório já constituiram advogados para lutar, na Justiça, contra o tal projeto, se ele for aprovado. Já nos meios judiciários não se tem ainda informações sobre o que os desembargadores vão fazer, se é que farão alguma coisa. Por certo aguardam os acontecimentos. Toda essa agitação tem por base apenas boatos, informações não oficiais, diz-que-disse.

Caso o governo insista mesmo em levar adiante esta ação de desapropriação de parte da renda dos cartórios, não será a primeira vez que Marconi estará bulindo em uma área extremante melindrosa, que é o Judiciário. No início do governo passado, ele, Marconi, remeteu à Assembleia projeto de lei transferindo 10% do Fundo de Melhoramento do Judiciário para o Executivo, vinculando esta receita a despesas com o sistema prisional. O projeto sofreu, à época, forte rejeição por parte do Judiciário, que se levantou em peso para uma guerra de opinião pública jamais travada em Goiás.

O projeto, por seu potencial explosivo, ainda está no plano da cogitação. A discrição com que o governo vem tratando o tema leva a crer que está-se a medir consequências. Enquanto a controvérsia vai ganhando corpo, os homens do governo vão avaliando se seria politicamente vantajoso levar adiante uma proposta que vai suscitar vivas e iradas reações. Mas que vão, também, suscitar aplausos.

A sociedade, em geral, nutre uma boa dose de preconceito contra os tabeliães. Eles são vistos, na percepção geral, como milionários que usufruem de um privilégio anacrônico. De resto, há, mesmo entre os políticos desinformados, que acham que as únicas finalidades dos cartórios é atestar a autenticidade de assinaturas (reconhecimento de firma) e autenticar cópias de documentos. Segundo esta visão – certamente distorcida –, os cartórios ganham rios de dinheiro apenas para carimbar papel.

Os cartórios, lugares onde estão sediados os Registros Públicos, pertencem, com efeito, ao tabelião, que o aparelha, contrata à sua conta pessoal/ auxiliar, e se remunera pelo que cobra por tais serviços, os tais "emolumentos", devendo, ainda, recolher taxas e impostos incidentes sobre certos atos que praticam.

O cartório é particular, mas os livros de registros são públicos. A lei exige que vários atos jurídicos devam ser registrados, sob pena de não valer. Em muitos casos, a escritura pública é a substância mesmo do ato jurídico. Os Registros Públicos, como o nome indica, registra casamentos, óbitos, nascimentos, divórcios, títulos e documentos, negócios imobiliários, e ainda efetuam o chamado "protesto" de títulos de crédito não pagos.

Em muitos países democráticos e republicanos, os registros públicos são efetuados em repartições públicas por funcionários devidamente investidos de "fé pública" e devidamente remunerados pelo erário.

O fato de, no Brasil, os registros públicos serem titularizados por particulares, nomeados guardiães dos livros de escrituras, por certo ainda é uma reminiscência anacrônica da administração colonial portuguesa. Nos tempos coloniais, a maioria das funções públicas, sobretudo nas colônias, eram exercidas por particulares, mediante autorização do rei, passada por "Carta Régia".

Essa primitiva forma de terceirização visava a obter o máximo rendimento com um mínimo de investimento por parte da Coroa. Goiás é exemplo disso. Armou às suas custas e de seus sócios uma expedição aos sertões goianos para descobrir ouro e pegar índios. Descoberto o ouro, recebeu de El Rei Carta Régia para fundar uma vila e governá-la, ficando responsável pela coleta de tributos devidos à coroa, reservando para seu próprio ganho o que sobrasse. Foi acusado de crimes de lesa-majestade, perdeu a benesse e morreu pobre, não tendo deixado outra herança que não um nome desonrado.

A Igreja efetuava os registros civis e imobiliários. A República, positivista e hostil ao Clero, separou a Igreja do Estado e instituiu os registros públicos, mantendo, porém, o modelo colonial português. Os tabelionatos eram dados graciosamente a apaniguados, constituindo benesse hereditária. A Constituição Federal de l988 aboliu o privilégio.

Ela determina que os tabeliães devem prestar concurso público, mas não o equiparou ao funcionário. Obtido o tabelionato mediante aprovação em concurso, o novo tabelião deve instalar o cartório e se sustentar com a renda auferida. Os antigos tabeliães que ainda estavam em exercício em 1988 puderam reter o privilégio em virtude do direito adquirido, direito tutelado constitucionalmente.

Poucos sabem exatamente quanto ganham os cartórios. Devem saber disso os desembargadores responsáveis pelo controle da atividade cartorária, também conhecida por "Serventia extrajudicial". Cabe aos tribunais fiscalizar os catórios, prover regras de funcionamento e efetuar os concursos para preenchimento das serventias vacantes ou recém-criadas.

jose

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