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POLÍTICA

Carlos Chagas conta as torturas da ditadura militar

  • Ernesto Geisel defende a execução de dissidentes políticos
  • Médici não despachava quinta-feira à tarde para jogar biriba
  • Leitão de Abreu teria abortado golpe após enfarte de Figueiredo
  • Carlos Chagas diz que morte de Fleury seria queima de arquivo

- Tem que matar mesmo!

Assim o general-presidente da República, o luterano apelidado de "Alemão" Ernesto Geisel se referiu à execução de dissidentes políticos da esquerda à época dos 'anos de chumbo'. É o que revela o jornalista Carlos Chagas em A Ditadura Militar e a Longa Noite dos Generais - 1970-1985 - A História Contada por Jornais e Jornalistas [2015], Editora Record, 335 páginas.

Editor da sucursal em Brasília, capital da República, de O Estado de S. Paulo, ele  conta que Emílio Garrastazu Médici [1969-1974] não trabalhava na quinta-feira à tarde, no Palácio do Planalto. É que o homem ficava jogando biriba e não despachava assuntos de interesse nacional. Mais: o escritor informa que Juscelino Kubitschek chorou em Brasília, em 1972.

Após chamar o bruxo Golbery do Couto e Silva, que assinara o Manifesto dos Coronéis para depor Getúlio Vargas, em 1954, e criara, em 1964, o Serviço Nacional de Informações {SNI], classificado por ele mesmo como "um monstro", o repórter de Política relata, em detalhes, o calvário, dia 1º de abril de 1964, do líder comunista de Pernambuco Gregório Bezerra.

- Amarrado a um Jeep do Exército, obrigado a pisar em ácido de bateria, que junto com cacos de vidro destruíram-lhe a sola dos pés. Tratava-se de um velho bolchevique sempre a serviço de Luís Carlos Prestes.

Segundo ele, a morte do delegado de Polícia e então membro do Esquadrão da Morte Sérgio Paranhos Fleury, em 1979, no Brasil, teria sido suspeita. O livro informa também que quando Médici morreu um de seus netos xingou o presidente da República que teria consolidado a abertura no País, general e ex-chefe do SNI João Baptista de Oliveira Figueiredo.

A Ditadura Militar e a Longa Noite dos Generais - 1970-1985 - A História Contada por Jornais e Jornalistas aborda os anos de Médici, quando a mídia tupiniquim era censurada de forma absoluta, até o último dia de Figueiredo, em 15 de março de 1985, com a posse do ex-presidente do PDS, que sucedeu a Aliança Renovadora Nacional [Arena], José Ribamar Sarney.

- Médici determinou a demissão de João Saldanha, por ser comunista e não ter convocado para a Copa do Mundo de 1970, no México, o atacante Dadá Maravilha, 'peito-de-aço'.

Irônico, o velho João Saldanha comentou a decisão:

- Eu não me metia na composição do ministério dele, e ele não podia dar palpite no meu time!

Carlos Chagas diz que Médici previu a vitória contra a Itália por 4 a 1. Era a primeira transmissão pela TV.  Apesar disso, o autor confidencia que a censura acirrou-se a partir de janeiro de 1972 e foi levantada apenas em dezembro de 1975. Até novelas foram censuradas, registra. O diretor Dias Gomes sofreu na pele os rigores dos donos do poder, aponta.

- Grampos telefônicos me levaram a escutar conversas privadas de Filinto Muller.

O repórter especial  do Estadão informa que, em 1964, 15 professores da Universidade de Brasília [UnB] foram demitidos e 211 se demitiram em solidariedade. Preto no branco: por determinação do marechal Humberto Castello Branco, o primeiro a entrar em cena pós-queda de João Belchior Goulart, Ernesto Geisel monitorou a tortura. Nada encontrou. Piada pronta.

Dois fracassos incentivados por Leonel Brizola, do Uruguai, ilustram a história da resistência tresloucada ao golpe de 1964, destaca, em um trecho bem-humorado da obra política. A guerrilha rural na Serra de Caparaó, em 1967, Minas Gerais, e a invasão do Rio Grande do Sul "pelo exército brancaleone do coronel Jeferson Cardim de Alencar Osório", observa.

- Cabo Anselmo era um agente provocador a serviço da Marinha desde o tempo de João Goulart!

Em janeiro de 1972, mesmo proibido de circular pela obra de sua criação, JK, presidente da República de 1956 a 1960, furou o cerco e visitou Brasília. A Esplanada dos Ministérios. A Catedral. "Chorou", completa. Em junho do mesmo ano, Laudo Natel mobilizava fardados e civis para conquistar a prorrogação do mandato do irascível Médici. Não conseguiu, frisa.

- Médici consultou Orlando Geisel, seu ministro do Exército, sobre um nome para sucedê-lo. Ele sugeriu Ernesto Geisel.

Para denunciar de forma sutil a censura imposta, os editores publicavam 'Os Lusíadas', de Camões, no Estadão, e receitas de bolsos e doces, no Jornal da Tarde, registra. Em 11 de junho de 1973, relata Carlos Chagas, Médici convoca Ernesto Geisel e o "nomeia". A sua homologação seria consagrada no Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1974.

- Médici impõe, porém, o vice: Adalberto Pereira dos Santos, então presidente do STM.

Ulysses Guimarães será o anticandidato do MDB [Movimento Democrático Brasileiro]; Barbosa Lima Sobrinho, vice. Navegar é preciso, discursava o presidente nacional da sigla da oposição consentida. Ernesto Geisel conservará na Esplanada dos Ministérios apenas João Paulo dos Reis Veloso e Figueiredo. Filinto Muller morre em acidente de avião ainda em 1973.

- Ulysses Guimarães fala as palavras proibidas: anistia, eleições diretas e fim da censura.

O diretor da sucursal do Estadão Carlos Chagas viajou com o deputado federal Ulysses Guimarães e inimigo público número um do regime civil e militar de 31 de março de 1964 para uma atividade política em Rio Verde [GO], em 1973. Ele, ao ver o líder emedebista deitar-se apenas de cueca, ofereceu-lhe o seu pijama. O velhinho recusou.

- Ficava claro que Geisel desconsiderava Médici , e este sentia-se traído.

Até o general-presidente, Augusto Pinochet, do Chile, compareceu à solenidade de posse de Geisel. O deputado federal da ala dos autênticos do MDB Chico Pinto protestou, na Câmara Federal, contra as violações dos direitos humanos após a queda do médico socialista Salvador Allende. Não deu outra. Geisel cassou-lhe o mandato. Uma de suas primeiras medidas.

- A filha de Geisel, Amália Lucy, apesar de ter mais de 30 anos, era obrigada a jantar com os seus pais, todos os dias, às 19h.

Antes de completar um mês de gestão, morre o ministro do Exército de Geisel, Dale Coutinho. O linha-dura Silvio Frota assume o posto. Nas eleições de 1974, de 20 estados, o MDB elege 16 senadores da República. Segundo Carlos Chagas, teria sido o primeiro Basta! da sociedade civil, após exatos dez anos de ditadura. O regime censurava até dados sobre surto de meningite.

- Em 1975, o Congresso Nacional não aprova uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] sobre os desaparecidos políticos.

Em agosto desse mesmo ano, Geisel acalma os radicais:

- O governo não abre mão dos poderes excepcionais do que dispõe, nem admite, sob quaisquer disfarces, pressões de grupos e facções nesse sentido.

Ulysses Guimarães reage e ataca o general-presidente:

- Idi-Amin-Dada branco!

Ainda em 1975, o Brasil reconhece a independência de Angola, na África, apesar da influência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas [URSS], de Leonid Brejnev. No dia 25 de outubro, é assassinado no DOI-Codi o jornalista Vladimir Herzog. Já em 30 de janeiro de 1976 morre o operário Manoel Fiel Filho. Os dois possuíam ligações com o moderado e anti-luta armada Partido Comunista Brasileiro [PCB].

- O general Ednardo D´Ávila Melo é demitido do comando do II Exército. Mais liberal, Dilermando Monteiro é nomeado. Sem função,  Ednardo D´Ávila Melo vai para a reserva.

Até o ballet Bolshoi, o mais celebrado do mundo, é proibido de entrar no Brasil.

- Motivo: impedir propaganda comunista.

Em 18 de maio de 1976, uma bomba: o governo banca a Lei Falcão. "Cinema mudo", para Paulo Brossard {MDB-RS]. No início de agosto, atentados contra as sedes da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa, bancas de jornais que vendiam a imprensa alternativa ou nanica e livrarias que comercializavam publicações de esquerda ou socialista.

- Em 21 de agosto morre JK!

O ministro do Exército, Sylvio Frota, um duro, aceitara a versão de que Geisel era um "presidente vermelho" e Golbery do Couto e Silva, agente do Kremlin. Em 5 de dezembro de 1976 morre Jango. De forma suspeita, como JK. Em 1977 é a vez de Carlos Lacerda ir para o cemitério. Por ter falado em democracia, o ministro Severo Gomes é demitido pelo presidente da República de plantão.

Em 1º de abril de 1977, em cadeia nacional, Geisel põe o Congresso Nacional de recesso. Era o Pacote de Abril: eleições indiretas para governador, lei Falcão nas eleições, 1/3 do Senado da República seria biônico, o estabelecimento do voto vinculado e cai o número dos deputados federais dos estados mais populosos do Brasil, que em 1974 haviam descarregado votos na oposição moderada, o MDB.

De Sobral Pinto, advogado:

- Monstruosidade!

Geisel e Golbery do Couto e Silva ignoram Sylvio Frota e escolhem o sucessor do Palácio da Alvorada: Figueiredo. Em 30 de junho, o deputado federal Alencar Furtado [MDB] é cassado. Ele havia se referido "aos órfãos e viúvas dos desaparecidos políticos, estivessem os pais e maridos vivos ou mortos". A executiva nacional do MDB reúne-se no dia seguinte e protesta, narra Carlos Chagas.

- Sinval Boaventura e Siqueira Campos pronunciam-se Frotistas! (...) Em 12 de outubro de 1977, em uma operação de guerra, Geisel demite Sylvio Frota.

Geisel quebra a regra ao escolher um general de três estrelas: Figueiredo.  O pai do sucessor, Euclydes Figueiredo havia sido exilado em Buenos Aires por ter participado da Revolução de 1932. Siqueira Campos adere.  Em 5 de abril de 1978, Figueiredo abre o jogo: fim do bipartidarismo, revogação da Lei Falcão, acabar com a censura à imprensa e sem senadores biônicos.

- Dissidente, Euler Bentes é anticandidato. (...) Hugo Abreu é preso.

Em 1º de janeiro de 1979 o Ato Institucional nº 5 deixa de existir, recorda-se Carlos Chagas. Para dividir a oposição, Golbery do Couto e Silva lança a reforma partidária e estimula o PP. O PTB ele entrega a Ivete Vargas, Para negá-lo a Leonel Brizola, que chora. Em 15 de março do mesmo ano, às 11h15, Figueiredo recebe a faixa presidencial e promete fazer do Brasil uma democracia.

- A 28 de agosto de 1979 o presidente Figueiredo sanciona a Anistia.

Lula, que declara-se pelo pluripartidarismo, teria se encontrado com Golbery do Couto e Silva, insinua o escritor. Em 29 de outubro chega ao Congresso Nacional o projeto do governo que extingue Arena e MDB e dá providências para a formação de novas legendas. Em 1980 morre Petrônio Portella. Em abril, Lula é preso. O Partido dos Trabalhadores é fundado em 10 de fevereiro, no Colégio Sion, em São Paulo.

Em 27 de agosto, uma bomba à OAB Nacional mata Lyda Monteiro. Luís Carlos Prestes cai da Secretaria-Geral do Partidão. O velho Giocondo Dias ascende ao posto maior do PC. Em abril de 1981, Carolina Freire e Fernando Lyra são sequestrados. Outra bomba explode no colo da ditadura civil e militar: o Riocentro. O governo federal proíbe a realização de um show de Joan Baez no País. Lamentável.

- Em 6 de agosto de 1981, Golbery do Couto e Silva demite-se alegando a farsa do IPM do Riocentro.

Em 18 de setembro de 1981, Figueiredo sofre um enfarte. Leitão de Abreu aborta um suposto golpe. Golbery do Couto e Silva quer evitar que o chefe do SNI Octávio de Medeiros seja o sucessor no Palácio do Planalto. O presidente da República garante que se Leonel Brizola ganhar as eleições será empossado. O 'Satânico Dr. Go' detona Octávio de Medeiros, ataca Mário Andreazza e apoia Paulo Maluf.

Em outubro de 1982 é assassinado Alexandre von Baumgarten. O escândalo estoura em janeiro de 1983. Em novembro, em Goiânia, é deflagrada a campanha por eleições diretas para a presidência da República. Em 25 de abril de 1984, a emenda Dante de Oliveira, por 22 votos, é derrotada. Tancredo Neves é ungido candidato da Aliança Democrática e derrota por 380 a 180, Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.

SERVIÇO

Livro: A Ditadura Militar e a Longa Noite dos Generais - 1970-1985 - A História Contada por Jornais e Jornalistas

Ano: 2015

Editora: Record

Número de páginas: 335

Autor: Carlos Chagas

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