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POLÍTICA

Lava Jato está sob suspeita de improbidade

A Operação Lava Jato é a maior investigação so­bre corrupção que já houve no Brasil. Teve início no Paraná, em 17 de março de 2014, unificando quatro ações que apuravam redes opera­das por doleiros suspeitos de praticavam crimes financei­ros com recursos públicos. O nome Lava Jato fazia referên­cia a uma rede de postos de combustíveis e lavadores de veículos em Brasília, usada su­postamente para a movimen­tação de dinheiro ilícito de uma das organizações investi­gadas inicialmente no Paraná.

O cabeça da rede de doleiros era Alberto Youssef , velho conhe­cido do juiz Sérgio Moro, que já o havia livrado da cadeia, em troca de uma delação premiada, por ter atuado no escândalo do Banesta­do. O caso teve início a partir de uma denúncia do então governa­dor do Paraná, Roberto Requião. Youssef voltou a delinquir e foi apanhado de novo por Moro. O fato de Youssef ter arranjado um domicílio no Paraná para suas operações criminosas fez com que a Justiça Federal de Curitiba se sentisse competente para pro­mover a persecução penal, embo­ra nenhum dos fatos investigados pela Lava jato tenham ocorrido em território paranaense.

Youssef estava envolvido com diretores corruptos da Petrobras. Esta circunstância levou a que a Justiça Federal de Curitiba esten­desse sua jurisdição a fatos que ti­veram lugar no Estado do Rio de Janeiro. Assim, tudo que se rela­ciona direta ou indiretamente à Petrobras está sob jurisdição de Sérgio Moro. Em alguns momen­tos os tribunais superiores terão que decidir sobre o latente confli­to de jurisdição que, se decidido contra Curitiba, jogará por terra todo o trabalho da Lava Jato. Mas isto ainda não chegou lá.

Puxando o fio do novelo, a ope­ração Lava Jato descobriu a exis­tência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, envol­vendo políticos de vários partidos e algumas das maiores empresas públicas e privadas do país, prin­cipalmente empreiteiras. Os des­dobramentos não ficaram restri­tos à estatal e às construtoras. As delações recentes da JBS e braços da operação espalhados pelo Bra­sil e exterior são exemplos das no­vas dimensões que a investigação ainda pode atingir. Não se sabe quando isso vai acabar. Talvez dure para sempre. A Lava Jato vi­rou um fato político.

Os chefes da operação, o pro­curador da República Deltan Dellagnol e o juiz federal Sérgio Moro, são, agora, celebridades. Dellagnol tem procurado exercer forte influência política, pressio­nando o Congresso no sentido de aprovar leis antidemocráticas que possam facilitar o trabalho dos la­vajateiros, pretextando que tais leis ajudarão a erradicar o que, na visão deles, é o mal que assola o país: a corrupção. Moro, por sua vez, jacta-se de ter contribuído para derrubar a presidente Dilma Rousseff, vazando para a impren­sa grampos de conversas telefô­nicas particulares de Dilma com Lula. Trata-se de um duplo cri­me, alegremente confessado pelo juiz curitibano: mandar grampe­ar ilegalmente a presidente e di­vulgar material que estava prote­gido pelo segredo de Justiça. Nem os arapongas do SNI, nos tempos da ditadura, se atreveram a tanto. Num evento recente, ele, de públi­co, pediu ao presidente Temer que faça ingerência no STF para que a Suprema Corte decida de modo favorável aos interesses do juiz, no caso do cumprimento de pena depois de confirmada em 2 graus a condenação penal.

Segundo estatísticas do Minis­tério Público Federal, a Lava Jato já instaurou 1.434 procedimen­tos; executou 775 mandados de busca e apreensão; procedeu a 210 conduções coercitivas; man­tém 95 pessoas em prisão preven­tiva; decretou 104 prisões tem­porárias, e efetuou 6 prisões em flagrante. Foram fecha­dos 158 acordos de delação premiada e 10 acordos de leniência. Foram recebi­das 274 denúncias e 141 pessoas foram condenadas. Mui­tos condenados foram, também, obrigados a pagar multas e pro­ceder a ressarcimentos que totali­zam 38,1 bilhões de reais. Os bens apreendidos somam 3,2 bilhões de reais. Estes são dados de maior deste ano. De lá para cá, os núme­ros sofreram alguma alteração.

APOIO POPULAR

Operação lava Jato ainda goza de amplo apoio popular e midi­ático. Em artigo publicado anos atrás, comentando a “Operação Mãos Limpas” da Itália, Sérgio Moro preconizou o vazamen­to seletivo de informações à im­prensa, como de “deslegitimar” a ação defensiva dos réus. Mani­pulando descaradamente a gran­de imprensa nacional, que só pu­blica o lado bom da operação e omite vergonhosamente seus ex­cessos, a operação e seus prin­cipais operados, Moro e Dellag­nol, foram alçados à condição de homens acima do bem e do mal. Para uma classe média ávida de sangue, cega pelo ódio e iludida pela ideia de que se está “fazen­do justiça”, pouco importa que os réus da lava-jato sejam coloca­dos num pau de arara e que as tais “delações premiadas” sejam obti­das por meio de tortura psicoló­gica e que a defesa dos réus seja cerceada sem a menor cerimô­nia. Para o critério medievalesco de justiça do apoiadores incondi­cionais da Lava jato, o ideal é que todos os réus fossem fuzilados sumariamente, sem julgamento.

Mas, uma vez que é impos­sível castigar os culpados sem a observância de alguns ritos que diferenciam a barbárie da civi­lização, o melhor meio e fraudá­-los. E contar com o beneplácito de uma vasta legião de jornalis­tas, em todo o país, que se dei­xa manipular docilmente pelos condutores da investigação. É, porém, de todo impossível que uma investigação de tamanha envergadura e de tamanha in­fluência na vida política nacional escape incólume do olhar vigi­lante dos que, mesmo remando contra a maré da opinião públi­ca, vem apontando os desvios da operação. De Reinaldo Azeve­do, um conservador identificado com posições de direita, a políti­cos e intelectuais com praça as­sentada na esquerda, a maré de críticas à operação vai se avolu­mando. A lava jato já não é tão popular como antes.

O desempenho de Lula nas pesquisas eleitorais é um bom exemplo de que uma parte da po­pulação desconfia da Lava jato. Apesar de condenado por Moro, e estando ainda denunciado em outros processos perante a 13ª Vara Criminal de Curitiba, Lula não para se subir nas pesqui­sas. Para grande parte da popu­lação, sobretudo os mais pobres, a crença é de que Lula foi conde­nado sem provas e sua conde­nação visa tão somente alijá-lo da disputa eleitoral do ano que vem, na qual é o franco favorito, apesar de tudo e de todos. A Lava Jato é, hoje, vista como uma ação política antipetista. A insistência ruidosa dos setores protofascis­tas da Classe média de cobrar a condenação de Lula e José Dir­ceu, haja ou não provas de que delinquiram, em nada contri­buem para preservar o prestígio da operação; antes, é um indicativo de que ela é um instrumento de vindita políti­co-partidária, e isto é a própria negação do conceito de justiça pú­blica.

MAGISTRADO SE REVOLTA

A Lava Jato vem arrastando o prestígio do Poder Judiciário na lama. Não por acaso, alguns juízes lúcidos, percebendo que a opera­ção vai se desviando por caminhos sinistros, começam a levantar suas vozes em protesto contra ela. Uma dessas vozes é a do desembargador Rogério Fraveto, do 4° Tribunal Re­gional de Justiça, com sede em Porto Alegre. O mesmo tribunal que julga os recursos contra a Lava jato. Favre­to pertence a uma turma competen­te para julgar causas cíveis, não ten­do qualquer poder de ingerência sobre os recursos criminais.

Mas a opinião dele é de aberta condenação aos métodos de Moro e Dellagnol. Em entrevista ao Blog de Luiz Nassif, postada na semana pas­sada, Favreto repudia o que conside­ra “punitivismo” de largas parcelas do judiciário brasileiro. Favreto não discute casos concretos, Mas ques­tiona firmemente os benefícios con­cedidos a réus e empresas que, se­gundo ele, colidem com o discurso da Lava Jato, de punição aos corrup­tores. “Não há transparência sobre os benefícios concedidos", diz ele.

Crítico do ativismo do Judiciário, considera as “10 Medidas um erro”. Diz ele: “O apoio às medidas é ilusó­rio – quem assinou, foi induzido pelo discurso de ser contra a corrupção -, e a falta de oportunidade política fez com que boas propostas contidas nelas fossem prejudicadas por ou­tras que afrontam claramente os di­reitos individuais”.Ele é contra a “ju­dicialização da política” e repudia o ativismo político em tempos de crise “Nesses tempos conturbados se es­correga mais. No passado, o Judici­ário tinha preocupações com os di­reitos individuais. Hoje em dia, não. Acaba sendo conduzido por certos setores da mídia”, protesta.

Ele assinala que os acordos de de­lação e de leniência caíram na vul­garidade. “Se vulgarizou demais o instituto da delação”, diz ele. “Tanto se prende para depois delatar, quan­to por outro lado tem perdão dema­siado. Agora, o STF definiu que o Ju­diciário é quem decide. Hoje já há questionamentos, do fato de MPF fecha r acordos de leniência sem ter legitimidade para tanto”, afirma.

Sobre as 10 medidas propostas por Dellagnol ao Congresso, para virar lei, diz o desembargador que “o problema nasce na sua busca de apoio popular, mais de 2 milhões de assinaturas. Mas era um consulta simples: você é contra a corrupção? Quem não é. Mas são 10 medidas que envolvem 19 projetos de lei, e que as pessoas nem conhecem. Não há consenso nem no Ministério Pú­blico Federal. Então não tem apoio popular. E com o Congresso acua­do, a tendência é o oposto, é criar sa­ídas contra os processos. Algumas propostas de inquestionável valida­de foram comprometidas por outras que violam direitos fundamentais”.

O ativismo de procuradores e juízes nas redes sociais é entendi­do por ele como “muito perigoso. Quando menos percebem, os cole­gas terminam pressionados por um pseudo apoio social, o efeito mana­da das redes sociais. Muitas vezes induzido pela mídia. E o juiz não pode ter que julgar por opinião pú­blica, mas de acordo com a Consti­tuição, os processos, as provas.

Manifestação do TRF-4 enten­deu que MPF não tem legitimidade para acordos de leniência que envol­vam matérias de recuperação patri­monial. É atribuição da CGU e da AGU. “O MPF sabia que não tinha legitimidade. Tanto que o buscava em uma das dez medidas”, afirma o desembargador aposentado..

Sobre a proposta do MPF, de des­tinar parte dos recursos dos acordos de leniência, para a cooperação in­ternacional, o desembargador a re­pudia: “Se o MPF quiser dar recur­sos, que dê de seu orçamento, não dos acordos de leniência, que são recursos da União. E é curioso pre­miar outros países que abrigaram os paraísos fiscais”.Pontifica Favreto: “A manifestação do Judiciário deve ser restrita à Constituição e às pro­vas. Preocupações em relação à so­berania e à sobrevivência das insti­tuições privadas ou públicas devem estar no âmbito da proteção ao em­prego. Tem que ter moderação do ponto de vista da decisão jurídica. Mas é difícil para o julgador entrar nessa avaliação”.

TACLA DURAN CONTRA MORO

Tacla Duran era advogado da Odebrecht. Foi envolvido na opera­ção Lava Jato. Acusado de ser dolei­ro, foi-lhe proposto que fizesse uma delação premiada, assumindo a autoria de certos crimes. Um advo­gado e amigo de Moro, Carlos Zu­colatto, cobrou 5 milhões de reais de Tacla para facilitar as coisas. Ele seria condenado a pena leve, logo colocado em prisão domiciliar. Do contrário, poderia mofar na cadeia, a partir de sua prisão preventiva. Tacla, que é cidadão espanhol, não esperou para ver o desfecho da his­tória. Com seu passaporte da União Européia, embarcou para Madri e, de lá, denunciou a trama. A infor­mação foi dada, inicialmente, pela prestigiosa colunista da Folha de São Paulo, Mônica Bérgamo.

O juiz Sérgio Moro decretou a prisão preventiva do advogado his­pano-americano. E soltou nota aos jornais reagindo furiosamente con­tra a publicação da informação, que, segundo ele, não mereceria crédito por se tratar de um foragido da jus­tiça. Moro tentou a extradição de Duran, mas se esqueceu de que isso deve ser feito por via diplomática. O poder judiciário espanhol não re­conhece a jurisdição de Moro sobre a Espanha. E, de resto, considerou imprestáveis as provas contra o ad­vogado. Tacla vive hoje na Espanha como cidadão livre daquele país.

A reação dos partidários de Moro tem sido, até aqui, passional. O me­lhor argumento que os acusados apresentam até agora em defesa própria é que a palavra de Duran não merece fé por ser ele “um fora­gido”. Não é um bom argumento. Im foragido pode também falar a ver­dade. Se unicamente a palavra cri­minoso confesso Leo Pinheiro foi o bastante para Moro condenar Lula, por que a palavra de Tacla teria que ser descartada prima face? Seria pre­ciso desconstituir as prova apresen­tadas por Duran. Isso ainda não foi feito. Mas a grande imprensa, favo­rável a Moro, ou ignora o fato ou in­juria o advogado.

As acusações do advogado Ta­cla Duran contra a Lava Jato se fun­damentam em três documentos: o primeiro, no print das telas do celu­lar, mostrando a conversa com o ad­vogado Carlos Zucolotto Junior, me­lhor amigo de Sérgio Moro e sócio de Rosângela Moro, a mulher do juiz, em escritório de advocacia.

Na proposta original de delação, Tacla recebeu uma condenação de US$ 15 milhões, além das penalida­des criminais. A conversa com Zu­colotto foi por Wickr, um aplicativo que deleta as mensagens depois de cinco minutos. Tacla fotografou as mensagens antes de sumirem. Na conversa auditada, Zucolotto suge­re uma contraproposta, diminuin­do para um terço o valor da mul­ta, mediante o pagamento de US$ 5 milhões “por fora”, “Porque tenho que resolver o pessoal que vai aju­dar nisso”. Menciona um encontro com uma pessoa “para melhorar isso com o DD”. O único DD da Lava Jato é o procurador Deltan Dallag­nol, chefe da equipe do Ministério Público Federal.

As conversas aconteceram nos dia 24 e 25 de maio. Apenas dois dias depois, em 27 de maio, o ad­vogado de Tacla recebe um e-mail do procurador Roberson Henrique Pozzobon, com cópia para seu co­lega Carlos Fernando dos Santos Lima. No assunto, “Termos de pro­posta de acordo – Prazo de valida­de”. No texto, Pozzobon diz que a minuta está fechada. “Fizemos on­tem os ajustes finais com os cole­gas do GT (Grupo de Trabalho)de BSB”. E avisa que a próxima reu­nião seria no dia 30 de maio.

A minuta previa uma multa to­tal de R$ 55.785.200,00. E dizia para quem seria o pagamento: 80% para a Petrobras e 20% para a União. O “colaborador” – como é tratado Ta­cla Duran no documento – “com­promete-se a depositar em conta judicial no prazo de 30 dias após a homologação do acordo”. E, aí, en­tra a esperteza. Os valores deveriam sair da conta de Tacla em Andorra. Ocorre que os procuradores já sa­biam que essa conta estava zerada.

Diz a proposta de acordo: “Caso o COLABORADOR comprove que, no prazo de 30 dias da homologa­ção do presente acordo não pode, por motivos alheios à sua vontade, internalizar e depositar em juízo o valor pactuado (...) o MPF buscará a internalização dos valores por via própria”. “Se as diligências (...) não permitirem a internalização dos va­lores em prazo razoável a ser estabe­lecido pelo MPF, o colaborador com­promete-se, no prazo de 20 dias de sua notificação pelo MPF, efetuar o pagamento de multa no valor de R$ 13.827.000,00 (os US$ 5 milhões na cotação do dia)”.

Os procuradores e Zucolotto sabiam que não havia dinheiro na conta de Andorra e que na conta de Cingapura, declarada à Recei­ta Federal, havia saldo suficiente para os pagamentos. Tacla recu­sou o acordo, pelo fato de ter sido mantida a condenação penal. A conta de Cingapura foi bloqueada em seguida e o MPF nunca pediu o bloqueio da conta de Andorra, comprovando que sabia da falta de movimentação nela.

A acusação de Duran é de ex­trema gravidade, até porque está lastreada e, provas até agora não impugnadas. Ele depôs, via telecon­ferência, à CPI da JBS e adicionou a acusação de que a Lava jato falsi­ficou documentos da Odebrecht. Como apresentou provas, Duran faz a Lava jato dançar no compasso da música que eles tem tocado. Eles, os acusados, terão agora que provar cabalmente sua inocência. Enquan­to não o fizerem, paira sobre eles a fundada suspeita de que os caçado­res de corruptos são, afinal corrup­tos também. A lavajado passa a ser vista apenas como um negócio ren­doso para os cidadãos da chamada “República de Curitiba”.

As provas apresentadas por Du­ran devem começar a ser requisita­das por advogados de réus da Lava Jato, a começar pela defesa do ex­-presidente Lula, a quem Moro já negou algumas vezes o pedido para que Duran fosse ouvido em seus processos. Não será surpresa se negar também o apensamento das provas apresentadas pelo “fo­ragido”. Moro está ficando cada vez mais previsível.

GILMAR MENDES CONTRA MORO

Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes não é ben­quisto em vastas áreas dos meios políticos. Muitos o acusam de ser tu­cano. Criticam-no por suas declara­ções políticas quase sempre indeco­rosas. E também por, às vezes, bater coba com colegas em plena sessão da corte. Mas Gilmar é outra voz contrária à Lava jato. Ele não poupa críticas a Moro e ao próprio STF por, às vezes, fazer o jogo do juiz curiti­bano. Recentemente, em uma pa­lestra, ele citou a Operação Lava Jato como motivo para se alterar a ju­risprudência do STF que permite à Justiça determinar o início do cum­primento da pena logo após a con­denação confirmada segunda ins­tância. Este entendimento do STF é manifestamente inconstitucional, e abusivo. Trata-se de antecipar pena sem que o processo esteja concluí­do. "A prisão em segundo grau, no contexto da Lava Jato, tornou-se algo dispensável. Passou a ocorrer-se a prisão provisória de forma eterna, talvez até com objetivo de obter de­lação. Aí vem a sentença de primei­ro grau, e com sentença de segundo grau iniciava a execução. É preciso saber ler estrelas. Ou se muda isso ou se empodera de maneira dema­siada a Justiça de primeiro grau e o MP (Ministério Público) em detri­mento das outras cortes", disse o mi­nistro do STF.

Segundo Gilmar, sem a revisão da prisão em segunda instância, o papel do Supremo e do STJ fica redu­zido na garantia dos direitos do cida­dão. "Se tem quase uma demissão nossa", disse Gilmar, sobre o tema.

ARAGÃO CONTRA O MPF

Eugênio Aragão é procurador federal aposentado. Aposentou-se por tempo de serviço e agora exer­ce a advocacia. Foi ministro da Jus­tiça nos estertores do governo Dil­ma Rousseff, quando fiou claro que o bom-mocismo de José Eduardo fa­cilitava a vida dos inimigos da presi­dente. Eugênio é um homem culto. E possui títulos acadêmicos que or­namentam seu currículo. Estudou em universidades alemãs, sendo fluente em alemão. Dedica-se tam­bém a escrever artigos para blogs de oposição ao governo Temer. Seus ar­tigos são virulentos. Ele ataca sem dó, mas com absoluto rigor lógico. Não foi confrontado, até agora.

A operação Lava Jato tem sido alvo constante de seus ataques. Ele invectivou duramente contra Janot, contra Gurgel e agora não pouca a senhora Raquel Dodge. Diz que a denúncia do Mensalão foi uma peça de ficção jurídica e chama de “por­nográficas” as alegações finais do Ministério Público naquele proces­so. Aragão é, hoje, o crítico mais feroz do Ministério Público. Uma espé­cie de Carlos Lamarca do Ministério Público. Ataca o que ele chamada de “punitivismo tosco”, uma espécie de subcultura que perverteu a institui­ção alimentada por “bronca antipe­tista” promovida pela mídia.

Em artigo recente, ele afirma que “o Ministério Público Federal (MPF) se livrou do aventureirismo de Janot, mas está longe de se livrar da pra­ga do punitivismo que foi planta­do contra o PT e acabou por se alas­trar por toda a política, para ceifar, por igual, guerreiros democráticos como Gleisi Hoffmann e atores rea­cionários e antipopulares, que têm no patrimonialismo e no clientelis­mo corruptos sua prática cotidiana”. Faz uma grave advertência: “Não tardará de a sociedade se conscien­tizar do estrago promovido pelos arroubos autoritários do MPF, que provocaram não só o maior terre­moto político da jovem democracia pós-constituinte, mas destruíram um promissor projeto de inclusão social e, de lambuja, todo parque in­dustrial da construção civil pesada, da engenharia naval, da produção petrolífera e da engenharia nucle­ar, sem falar da instalação do gover­no mais alheio à probidade da histó­ria do país. O problema, ao acordar desse pesadelo, será mais uma vez, como na anistia de 1979, distinguir entre os que lutaram contra o atra­so e o golpismo dos que, aliados do golpe, foram igualmente apeados pelo MPF em sua fúria redentorista. Todos foram vítimas do arbítrio e do excesso de poder persecutório. Mas nem todos são bons para a recons­trução democrática”.

Para Aragão, “é urgente reava­liar o modo de o MPF trabalhar, com uso de ficções processuais e dela­ções programadas, tendentes, ape­nas, a tornar hegemônica sua ideo­logia fascista de depuração moral e, com isso, realizar seu projeto de po­der corporativo. A revisão constitu­cional do papel e dos poderes do mi­nistério público é, do mesmo modo que a superação da ditadura militar, pressuposto para a recuperação das instituições democráticas e, quanto antes acontecer, menos dificuldade teremos para separar, na política, o joio do trigo, entre os vitimados pelo abuso de autoridade”.

A Operação Lava Jato foi, tempos atrás, julgada de forma simbólica por 11 jurados com voto qualificado e 8 jurados populares. O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão foi responsá­vel pela acusação e Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, fez o pa­pel da defesa. Marcelo Tadeu Lemos, juiz de Direito de Alagoas, presidiu o julgamento. O evento foi promovido pelo grupo Advogadas e Advogados pela Democracia e Frente Brasil de Juristas pela Democracia.

Os jurados condenaram a Lava Jato por unanimidade, reconhecen­do a procedência de todas as acusa­ções de ilegalidades praticadas ao longo de três anos no Brasil. O jul­gamento ocorreu em Curitiba, onde atua o juiz federal Sérgio Moro. A pena simbólica proferida por Mar­celo Tadeu Lemos foi de compare­cimento dos participantes da ope­ração a um processo terapêutico analítico e obrigação de visitar as co­munidades do Movimento Sem Ter­ra para que aprendam a conhecer o povo brasileiro.

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão sustentou perante o juri que a força-tarefa da Operação Lava Jato constituiu, por si só, uma violação ao princípio da separação de poderes. O ex-ministro e procurador aposen­tado disse que houve “promiscuida­de” entre Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário. Aragão referiu­-se ainda a prisões efetuadas ape­nas para “criar constrangimento”, lembrou do episódio de intercepta­ções telefônicas ilegais envolvendo a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além da divulgação de conver­sas pessoais da ex-primeira-dama Marisa Letícia. Ele também criticou o comportamento do juiz Moro, que na audiência com Lula interrompia a defesa e demonstrava claramente sua antipatia em relação a uma das parte do processo.

CRÍTICA INTERNACIONAL

Apesar da imprensa brasileira, de um modo geral, dispensar a Moro um carinho que nunca se dedicou sequer aos grandes artilheiros da Seleção, a imprensa internacional o trata com desprezo. Olhá-lo de cima como se ele fosse um ferrabrás das cavernas, um torquemada dos trópi­cos. Uma crítica duríssima a ele par­tiu, recentemente, de um renomado jurista italiano. Uma crítica pertinen­te, já que o direito positivo brasileiro é quase todo calcado nas instituições italianas, sobretudo na área penal.

Luigi Ferrajoli, 77 anos, pensa­dor e jurista de fama mundial, foi o mais categorizado aluno de Norber­to Bobbio. Segundo ele, em artigo especial para Carta Capital, “a cultu­ra jurídica democrática italiana está profundamente perplexa com os acontecimentos que conduziram ao processo de impeachment da presi­dente Dilma Rousseff e ao processo penal contra Lula. Tem-se a impres­são de que esses acontecimentos si­nalizem uma preocupante carência de garantias e uma grave lesão aos princípios do devido processo le­gal, dificilmente explicáveis se não com a finalidade política de pôr fim ao processo reformador realizado no Brasil nos anos da Presidência de Lula e de Dilma Rousseff, que tirou da miséria 40 milhões de brasilei­ros”, disse ele.

Conhecedor profundo da legis­lação brasileira, Ferrajoli apresen­tou brilhantes argumentos jurídicos contra a destituição de Dilma Rous­sef. Mas é a Lava jato que ele critica com mais vigor. “Quanto ao proces­so contra o ex-presidente Lula, aqui na Itália não conhecemos os autos, senão sumariamente. Ficamos, to­davia, impressionados com a sua estrutura inquisitória, manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas. Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusa­ção, isto é, a ausência de separação entre as duas funções e, por isso, a fi­gura do juiz inquisidor que em viola­ção ao princípio do “ne procedat iu­dex ex officio” promove a acusação, formula as provas, emite manda­dos de sequestro e de prisão, partici­pa de conferência de imprensa ilus­trando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a conde­nação de primeiro grau. O juiz Sér­gio Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo. Além de ter promovido a acusação, emi­tiu, em 12 de julho deste ano, a sen­tença com a qual Lula foi condenado à pena de 9 anos e 6 meses de reclu­são por corrupção e lavagem de di­nheiro, além de interdição para o exercício das funções públicas por 19 anos. É claro que uma similar fi­gura de magistrado é a negação da imparcialidade, dado que confere ao processo um andamento monó­logo, fundado no poder despótico do juiz-inquiridor”, pontifica o jurista.

O segundo aspecto deste proces­so, segundo Ferrajoli, é a específica epistemologia inquisitória, baseada na petição de princípio por força da qual a hipótese acusatória a ser pro­vada, que deveria ser a conclusão de uma argumentação indutiva sufra­gada por provas e não desmentida por contraprovas, forma, ao contrá­rio, a premissa de um procedimento dedutivo que assume como verda­deiras somente as provas que a con­firmam e, como falsas, todas aque­las que a contradizem. Donde o andamento tautológico do raciocínio probatório, por força do qual a tese acusatória funciona como critério prejudicial de orientação das investi­gações, como filtro seletivo da credi­bilidade das provas e como chave in­terpretativa do inteiro processo.

O jurista dá dois exemplos: “O ex-ministro Antônio Palocci, sob custódia preventiva, em maio des­te ano, tinha tentado uma “delação premiada” para obter a liberdade, mas o seu pedido foi rejeitado por­que não havia formulado nenhu­ma acusação contra Lula ou Dilma Rousseff, mas somente contra o sis­tema bancário. Pois bem, esse mes­mo réu, em 6 de setembro, perante os procuradores do Ministério Pú­blico, mudou sua versão dos fatos e forneceu a versão pressuposta pela acusação para obter a liberdade. To­talmente ignorado foi, ao contrário, o depoimento de Emílio Odebrecht, que, em 12 de junho, havia decla­rado ao juiz Moro nunca ter doado qualquer imóvel ao Instituto Lula, ao contrário do que era pressuposto pela acusação de corrupção.

A terceira característica inquisi­tória deste processo é, enfim, diz o jurista italiano, a assunção do im­putado como inimigo: “a demoni­zação de Lula por parte da impren­sa. O que é mais grave é o fato de que a campanha da imprensa con­tra Lula foi alimentada pelo prota­gonismo dos juízes, os quais divul­garam atos protegidos pelo segredo de Justiça e se pronunciaram publi­camente e duramente, em uma ver­dadeira campanha midiática e ju­diciária, contra o réu, em busca de uma legitimação imprópria: não a subjeção à lei e à prova dos fatos, mas o consenso popular, manifes­tando assim uma hostilidade e falta de imparcialidade que tornam difí­cil compreender como não tenham justificado a suspeição”.

A antecipação do juízo não é, por outro lado, um hábito somente do juiz Moro. Em 6 de agosto deste ano, em uma entrevista ao jornal O Esta­do de S. Paulo, o presidente do Tri­bunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), perante o qual prosseguirá o segundo grau, declarou que a sen­tença de primeiro grau “é tecnica­mente irrepreensível”.

“Semelhantes antecipações de juízo, segundo os códigos de pro­cesso de todos os países civilizados – por exemplo os artigos 36 e 37 do Código Penal Italiano – são motivos óbvios e indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz. E também no Brasil, como recordou Lenio Streck, existe uma norma ainda que vaga – artigo 12 do Código da Magistratu­ra Brasileira de 2008 – que impõe ao magistrado o dever de se comportar de modo “prudente e imparcial” em relação à imprensa. Os jornais brasi­leiros, invocando a operação italia­na Mani pulite do início dos anos 90, se referem à operação Lava Jato que envolveu Lula como sendo a “Mãos Limpas brasileira”. Mas nenhuma das deformações aqui ilustradas pode ser encontrada no processo italiano: uma investigação que ne­nhum juiz ou membro do Ministé­rio Público italiano que nela atua­ram gostaria que fosse identificada com a brasileira”, afirma o jurista.

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