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A cura da aids pode começar pelo alcoolismo

A revelação do ator Charlie Sheen de que é portador do vírus da aids na última semana repercutiu mais pelo fato dele ser quem é do que pela letalidade do vírus – que a cada pesquisa divulgada mais é minimizado. Mas que fique claro: pesquisas otimistas não significam o fim da doença. E sim uma longa caminhada em uma das mais selvagens disputas entre homens e micróbios – tudo mediado, claro, pelo interesse econômico.

Peste do século XX, a aids tornou-se referência e estigma para as pessoas que contraíram o vírus. Logo no final da primeira década da doença, era uma ‘vergonha’ ter aids. O cantor Cazuza negou que tivesse a doença até que sua própria imagem  sinalizasse a presença do vírus. O vocalista Renato Russo, líder da Legião Urbana, evitou falar do HIV. Para um jornalista, ele disse que a pergunta “se estava com aids” era “idiota”. E não era: justo em um momento em que pouco se sabia da doença ele resolveu ignorar publicamente o assunto.

Três décadas depois, a doença é ainda um risco. Mas a ciência começa a mostrar que é possível enfrentá-la. A rápida morte de Renato se deve a ações como evitar tomar o coquetel AZT, na época a única arma para prolongar a vida dos doentes. Hoje é possível viver muito mais.  E ter expectativa de cura caso as pesquisas sejam levadas à sério.

Na última semana, por ironia um medicamento que faria bem a Renato Russo por duas razões (para tratar seus abusos de álcool e a própria aids) foi anunciado como adequado para o enfrentamento da doença. A "The Lancet HIV", especializada nas investigações da doença, trouxe a boa nova: um remédio contra alcoolismo poderia eliminar o vírus da aids.

A aids é uma das doenças que mais matam a humanidade: ocorreram 34 milhões de óbitos até hoje. Na atualidade existem  36,9 milhões de pessoas que vivem com o HIV. A ONU afirma que os números da aids aumentaram 11% no Brasil. E Goiás apresentou leve aumento nos últimos oito anos. Se em 2005 foram notificados 515 casos, em 2013 o estado teve o registro de 1.044.

Por isso nunca é demais confiar na estratégia da ciência. O medicamento disulfiram teria como imediata ação acordar o vírus adormecido no organismo infectado. E ao acordá-lo seria, em tese, possível identificá-lo e destruí-lo – e sem efeitos colaterais para os pacientes.

Na atualidade o tratamento é realizado por meio do antirretroviral (ART). Trata-se de um coquetel de medicamentos, batizado de terapia tripla, que mantém o vírus em uma espécie de cativeiro. Seu mecanismo já é conhecido de todos: ele mantém em controle os pacientes soropositivos. Mas sem extirpar o vírus do corpo.

Como o vírus fica escondido, torna-se difícil o cientista identifica-lo e destruí-lo. A novidade publicada na semana passada é exatamente esta possibilidade de acordar o vírus e erradicá-lo. Ao lado do artigo assinado por Julian Elliot, diretor de pesquisa clínica no departamento de doenças infecciosas no Hospital Alfred de Melbourne (Austrália), segue um comentário de outro pesquisador que diz estar distante o dia em que existirá uma cura para a aids. Ou seja, na mesma moeda que estampa a cara do otimismo surge uma opinião que revela ser ainda difícil o controle da doença. Qual lado valorar faz parte da liberdade de cada leitor e paciente.

Os otimistas acreditam que a primeira fase para descoberta da cura está  encerrada e com sucesso: a identificação e o despertar do vírus. Antes, os medicamentos que tentavam esta proeza intoxicavam as pessoas.  Mas o disulfiram tem sido eficaz.

O primeiro erro, da imprensa em geral, foi acreditar que o disulfiram erradica a doença. Na verdade, ele ajuda a desmascarar o HIV e assim preparar o alvo da futura destruição. Na pesquisa realizada com 30 pessoas, em três dias foi possível, a partir do uso do remédio contra alcoolismo, fazer com que os vírus ficassem à mostra, sem provocar toxidade nos pacientes.

Interesses

Nos bastidores existe uma outra discussão: o jogo de interesses. Um médico infectologista consultado pelo DM, que pede anonimato, afirma que é comum a “cura” de uma doença ser descoberta, mas demorar décadas para chegar até à população. “Afinal, os grandes investidores não precisam disso.

Se alguém da família necessitar, eles contratam produtores especializados em fazer o medicamento. O que existe é um silêncio. Tenta-se negociar um negócio de bilhões de dólares. Até que esse negócio seja fechado, o que pode demorar décadas, se seguram, por exemplo, vacinas que agiriam em massa.

Afinal, a saúde é a maior indústria do capitalismo, maior do que a automobilística”, diz o médico. Para ele, nem sempre o anúncio da cura interessa às grandes indústrias e holdings de medicamentos.  O pesquisador australiano Sharon Lewin matou a charada: menos de 1% do financiamento (global) para a aids é para a investigação de uma cura. Ou seja, vender remédio parece ainda muito lucrativo.

O que é aids


Teste para detectar o vírus HIV (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Trata-se do estágio mais avançado da doença que ataca o sistema imunológico. Causada pelo vírus HIV, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ocorre quando o micróbio ataca as células de defesa do corpo.

O resultado disso é: organismo mais vulnerável a diversas doenças. E de um simples resfriado podem surgir infecções mais graves – caso da tuberculose ou mesmo do câncer.

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