O aborto ferroviário de Goiânia

No planejamento original de Goiânia, realizado por Atílio Correia de Lima na década de 1930, a região Norte da cidade seria destinada principalmente para atividades industriais e ferroviárias. O crescimento urbano e populacional acelerado da nova cidade fez com que vários ajustes fossem feitos no decorrer de sua construção. A região do Setor Norte Ferroviário, regularizado em 1953, ocupa hoje o espaço antes destinado a uma área de preservação que se chamava Horto Florestal, destruída na década de 1950 pelo Estado para atender a demanda popular por moradia.

A estrutura da nova capital de Goiás tinha sido pensada, inicialmente para receber um numero reduzido de habitantes. Segundo o artigo ‘O projeto original de Goiânia’, de Tânia Daher, o projeto da cidade nos anos 1930 previa espaço para pouca gente. “Goiânia teria inicialmente 15 mil habitantes e seu projeto foi concebido para no máximo 50 mil habitantes”. Cinco bairros foram pensados: Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste. No caso do Setor Norte, sua edificação visava atender quatro demandas de Goiânia “zona comercial, residencial popular, zona industrial e estrada de ferro”.

A intenção de integrar o transporte ferroviário nas opções de mobilidade da capital não durou mais de 30 anos. No artigo ‘Arte mural em Goiânia’, de Vera Regina, podemos confirmar isso. A “Estação Ferroviária de Goiânia foi inaugurada em 11 de novembro de 1952”, e “se manteve funcionando até a década de 70 quando foi desativada”. A linha de trem fluía por onde hoje é a Avenida Leste Oeste, e transportava trabalhadores da Vila Abajá até a Estação, passando por Campinas e pela Vila Operária (atual Setor Centro-Oeste).

Ocupações – anos 50

A dissertação ‘Planos diretores de Goiânia’, de Juliana Costa Mota, apresenta dados sobre crescimento da cidade nas décadas iniciais. “Na década de 40, a população cresceu 100,27%, chegando em 1950, a 52.201 habitantes”. Nessa época, as ocupações populares de territórios na região central ganham força. “O processo de urbanização de áreas provocado por invasões, a partir da mobilização e reivindicação da sua população pela atuação do poder púbico na oferta de condições urbanas mínimas, iniciado na década de 40, continuou”.

Tal dinâmica vivida pela cidade é apontada pela autora como um motivo para criação de vários bairros tradicionais da cidade. A criação dessas novas zonas habitacionais visava regularizar os lotes reivindicados pela população de baixa renda. “Bairros inicialmente não previstos foram projetados e implantados sobre áreas invadidas, regularizando a situação de posse de seus moradores”. O Setor Norte Ferroviário surge de uma dessas ocupações “É o caso, por exemplo, dos setores Vila Operária (aprovado em 1952), Norte Ferroviário (1953), Universitário (1956) e Pedro Ludovico (1958)”.

Apesar de ter sido regularizado graças a uma ocupação, a ideia da criação de um setor operário para aquela área já havia sido concebida por Atílio Correia de Lima. Segundo o artigo ‘Reflexos do processo de ocupação, apropriação e uso do espaço intraurbano em Goiânia’, de Lucídio Ferreira Júnior, Atílio planejava erguer “um Setor Industrial ao norte da cidade, em local mais afastado, localizado próximo à estrada de ferro”. O setor era adequado para a dinâmica ferroviária da cidade, visando “a circulação de mercadorias e matéria-prima. Próximo a essa área foi projetada a área residencial para os operários”.

Horto Florestal

Lucídio Ferreira Júnior revela ainda a curta existência do Horto Florestal, uma das várias áreas verdes planejadas para Goiânia que foram suprimidas pela gula urbana de concreto que acometeu a cidade logo no início de sua consolidação. O Horto é descrito como “Uma área pública destinada a preservar uma mata exuberante de árvores centenárias de grande porte, que ocupava uma área de 1 milhão de m², localizada ao norte do Córrego Capim Puba. O Horto desapareceu totalmente, porque foi irregularmente loteado pelo Estado nas décadas de 50 e 60, surgindo partes de alguns setores atuais e incluindo-se um cemitério [Jardim das Palmeiras]”.