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90 anos de um artista aprendiz

Dia nove de fevereiro, próxima terça, o artista plástico Juca de Lima, completa 90 anos. Lúcido, ativo, dono de ideias libertárias e surpreendentes, Juca é mais um dos que ajudaram a criar o mercado artístico de Goiânia, e que acabaram esquecidos pela velocidade idiota das redes sociais e da imprensa "moderna". Estão nesse mesmo time, dos quase esquecidos, nomes como D. J. Oliveira, Cleber Gouveia, Gustav Ritter e muitos outros.

Natural da cidade de Goiandira (GO), “pertinho de Catalão”, Juca fala que começou em 1943, com 17 anos. “Era aprendiz, na construção civil”. Para quem não sabe, os pintores que trabalhavam nessa área, tinham, obrigatoriamente, que ser artistas. Observe as casas no estilo art déco que existem em Goiânia. Todas têm beirais feitos à mão, coisa de artista mesmo. Algumas têm pinturas no forro, imitando as igrejas da Europa. Tudo isso era trabalho de um mestre e seus aprendizes.

“Os mestres escondiam da gente, diversos detalhes que só eles sabiam, como os segredos da preparação das tintas”, fala Juca. “Aqueles beirais das casas, eram chamados de grega ou de renda. Os moldes eram importados da Europa”. Naquele tempo, o aprendiz Juca já pintava suas aquarelas. “Pintava e vendia na pensão que minha mãe tinha. Os clientes compravam”.

Certa vez, Juca foi trabalhar na casa de um milionário, segundo conta. “O mestre não sabia o que fazer, porque o dono da casa queria uma pintura no teto, no forro”. Juca, que já dominava alguns segredos da pintura, disse que faria a painel que o dono da casa tanto queria. “O mestre aceitou minha proposta. Fiz e, foi o primeiro salário que recebi como pintor, como artista”. Isso em 1943.

Começou aí a carreira do artista plástico Juca de Lima. Para manter a família, teve que morar em várias cidades como São Paulo. Sempre mantendo um trabalho que satisfazia o bolso. E mantendo suas pinturas, que deixavam em paz, sua alma. “Em cada tela dessas, há um grito, uma busca, uma procura. E quase nunca eu encontro o que andei procurando".

Sobre suas influências, Juca avisa: “Aqui no sertão, o primeiro nome que ouvi falar foi de Da Vinci”. O artista passou a pesquisar mais e mais sobre o italiano que foi um dos principais artistas renascentistas. “Acredito que sou a pessoa que tenha mais informações sobre Da Vinci, em Goiás”. Quando   mudou para São Paulo, Juca trabalhou na inauguração do Ibirapuera, em 1954. A partir daí, teve contato e amizade com pessoas importantes como o conde Francisco Matarazzo Júnior, importante colecionador e mecenas das artes plásticas no Brasil.

Após a inauguração do Ibirapuera, Juca diz que saiu andando pelas ruas de Sampa, à procura de trabalho. Encontrou uma casa, uma oficina de pintura. “Entrei e pedi para o dono do local, um alemão, que me arrumasse um trabalho. De imediato ele me passou a tarefa de fazer 48 painéis. Fiz. O alemão gostou e me passou mais trabalhos. Foi então que pensei: para mim, essa é a minha escola de arte. Passei a estudar cada artista, sua velocidade, os detalhes de cada tinta, e aí comecei a entender realmente as diversas técnicas de pintura.”

A família de Juca era protestante. “Eles eram tão radicais quanto alguns religiosos de hoje”. Um dia, um tio foi visitá-lo em São Paulo. Perguntou a Juca, se ele estava trabalhando. Disse que sim e mostrou suas pinturas. O tio deixou claro que, para ele, aquilo não era trabalho. “Trabalho é o que faz calos nas mãos. Isso que você faz é coisa do diabo”, deixou claro. Esse pensamento, passados mais de 60 anos, ainda permanece verdade para boa parte da população. O artista, ainda hoje, não trabalha. Se diverte.

“Eu sempre tive o espírito livre, não me prendia a religiões. Cheguei a estudar a ciência Gaya. Entrei fundo nos estudos dos cultos pagãos. Depois de muito estudar, criei meu jeito de encarar a vida. Nunca interferi na crença dos meus filhos ou familiares.” Com isso, Juca diz ter criado “seu mundinho, sozinho”. E diz que nessa solidão, nesse seu mundo, cria sua arte.

Agora, próximo dos 90 anos, o artista conta que se debruçou sobre a aquarela. “Além da praticidade, a aquarela é mais instintiva, você pode conversar com ela, enquanto trabalha. Conheço 11 técnicas de pintura, mas nunca tinha me debruçado sobre a aquarela, como agora. Por ser pintado em papel, pode parecer uma arte menor da que é feita em tela. Mas hoje os papéis são de alta qualidade e uso impermeabilizante no papel, o que dá durabilidade à obra”.

Sobe os planos para comemorar os 90 de vida e os 73 de arte, Juca diz não ter nenhuma ideia. Fala que pensou numa exposição, mas “o Antônio da Mata, do Museu de Arte de Goiânia, disse que eu poderia usar o MAG, mas que teria uns gastos meio fora do que posso gastar”. A família tem outros planos: “Minha filha, sob meus protestos e revolta, quer fazer um cruzeiro pela Europa”, diz, meio brincando, meio na bronca. Sua filha também prepara uma festa para comemorar a data.

Para finalizar o papo, Juca conta como era o mercado de artes em Goiânia, nos anos 50. “Nas paredes, o hábito era pendurar fotos de familiares mortos.  Comprar quadro e pendurar na parede, era fora de cogitação”. E conta que a marchand Célia Câmara foi quem, na verdade, abriu as primeiras e grandes picadas para a profissionalização das artes plásticas por aqui. “Ela organizou o mercado”.

Juca de Lima tem um livro de poesias lançado: “Fontal – Vida poética”. Como sempre gostou de escrever e “sempre tive muita intimidade com as palavras”, o artista está com um novo livro pronto: Liberato, o homem que matou um deus. “Esse é meio autobiográfico”. Pergunto, para encerrar a conversa, se o Liberato tem a ver com seu estilo livre de viver, e Juca sorri um sorriso bonito que confirma e parece falar: sim, tudo a ver comigo.

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