A despedida de Marli
Redação DM
Publicado em 4 de outubro de 2016 às 19:14 | Atualizado há 5 mesesNo último sábado, dia 29, os fãs da cantora baiana Marli foram surpreendidos por uma nota publicada na página oficial da artista no Facebook. Nela, o produtor musical Witched (Antônio), anuncia o fim do projeto que eles executavam desde 2002. A parceria rendeu oito álbuns de estúdio, além de várias coletâneas, singles e videoclipes que influenciaram toda uma geração de artistas que cresceram a acompanhar as novas possibilidades de linguagem, música e estética proporcionadas pelo progressivo crescimento e adesão mundial da internet. Marli trabalhava como empregada doméstica na casa de Witched, que percebeu que ela tinha uma veia artística através de um caderno com versos e letras escritos pela própria.
O projeto ganhou força por volta de 2005, quando a rede social Orkut crescia em popularidade no Brasil, apresentando aos internautas uma nova dinamicidade de divulgação. Naquele ano foi lançado Colostro, disco que traz a canção Bertulina, para qual foi produzido um clipe que mostra a saga de uma heroína que vive nas florestas, amargurada pela perda do filho. O vídeo teve grande alcance, e fez com que Marli ganhasse repercussão pela primeira vez na grande mídia. O projeto apresenta ao ouvinte uma proposta completamente transgressora, anti-padrão, no que diz respeito à música em geral, e exige que muita coisa seja desconstruída mentalmente antes que se possa visualizar a real riqueza que se esconde por trás do choque inicial.
Witched explica o motivo do fim da saga Marli: “É uma decisão minha e dela, tomada de forma consciente, e que acreditamos ser a melhor. Estamos em momentos diferentes de nossas vidas, e chega aquela hora em que apenas precisamos dizer adeus e seguir em frente”. O produtor reconhece a tristeza do momento, e diz sentir orgulho de que tanta gente tenha compreendido o conceito por trás do projeto, que combina várias influências musicais ao estilo vocal nada convencional da cantora. “Virou uma parte de mim, e me orgulho do que hoje ele representa pra tantas pessoas. E de todas as conquistas, a maior foi um público que retribuiu de mente e coração abertos com apoio, carinho, respeito e uma fidelidade muito além do que eu jamais poderia imaginar”.
O último álbum de Marli, Maremotrix, foi lançado em 2013. No trabalho, que apresenta uma atmosfera oceânica e monumental, Marli encarna uma divindade das águas que em vários momentos critica o descaso com o meio ambiente. A defesa de um mundo mais justo e fraterno também ganha espaço em várias outras canções de Marli. ‘Suave Peste Negra’, música lançada como single em 2010, anuncia a contaminação da camada retrógrada da sociedade com a libertação de todos aqueles que se sentem oprimidos por serem o que são. ‘Planalto Central’, de 2007, critica a ganância, corrupção, a desigualdade social e o ponto final raso que cabe aos patrões do mundo. A cantora materializa tabus, e escancara com sua voz os temas proibidos como sexualidade feminina e intolerância religiosa.
Repercussão
Surpresos, os fãs expressaram um misto de tristeza e gratidão, e aproveitaram para revelar a importância da cantora e do projeto em suas vidas. “Eu te amo tanto Marli, você salvou minha adolescência solitária na escola. Eu lembro que levava suas músicas no mp3 e ouvia no intervalo. Me divertia horrores, minha barriga doía de rir, era meu único momento de alegria durante a escola, que não foi uma fase muito agradável. Sem você acho que poderia ter cometido alguma besteira típica de adolescente deprê. Você me salvou do tédio e da solidão”, comentou JC Silva. “Fico triste, mas uma pequena parcela de alegria me mantém feliz. Ver que Marli conquistou um espaço no coração de todos nós me enche de orgulho. Rainha da música brasileira”, escreveu Daniel Rocha.
Também não faltou reconhecimento à proposta musical apresentada pela dupla, muitas vezes mal compreendida. “Eu acompanho o projeto musical da Marli desde a minha infância, e me moldou muito, ela sempre me serviu de ícone para lembrar que música é algo insípido e pode fluir de todas as partes, não é preciso estar dentro dos padrões de consumo, não é preciso grandes montantes de recursos para produzi-la, basta, assim como todas as artes ser humano”, pontuou Jorge de Lyon. “Witched, seu projeto ultrapassou a própria despretensão essencial de vcs e não digo nem que virou arte, virou magia mesmo, é assim que experimento a voz da Marli e seus beats, magia visceral, flor antiga desabrochada no pós-tudo”, declarou o internauta Fúccia Ponte de Tacoma.