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Crítica: Hugo de Carvalho Ramos revela seu Brasil rural em contos

Goiano demonstra na narrativa curta o mais interessante de sua obra: ali está uma tensão formal que ao mesmo tempo atrapalha e inflama histórias

Hugo de Carvalho Ramos, escritor Hugo de Carvalho Ramos, escritor

A edição das "Obras Reunidas" de Hugo de Carvalho Ramos, pela editora paulista Ercolano, em uma elegante caixa de dois volumes bem concebidos, é boa notícia em si.

É um autor fora do horizonte imediato da leitura: nascido em Goiás em 1895, foi colega de escola de Cora Coralina, mas em família intelectualizada de pai juiz e poeta, que com o tempo se transfere para o Rio de Janeiro. Vivendo na então capital federal, cursa direito, publica seu único livro em vida, "Tropas e Boiadas", em 1917, e se suicida em 1921.

Dito assim, nada há de saliente que merecesse atenção fina do mundo editorial para além dos interesses locais ou do circuito acadêmico. Mas sua obra ganhou tratamento destacado, com umas 700 páginas de material do autor, entre seu livro único, artigos de ocasião, poemas e correspondência. Ainda assim, há problemas de revisão e falta de clareza nos paratextos e informações de circunstância.

Com todos os escritores relevantes de tempos passados deveríamos fazer isso, reunir sua obra com algum aparato crítico, deixando-a disponível para as novas gerações.

Ramos compõe uma geração de escritores que publicam entre 1890 e 1930, composta por filhos de elites interioranas, com formação letrada e alguma vivência em cidade grande, que percebem a aguda transformação histórica em curso, quando a cidade impõe a lógica moderna sobre o mundo rural.

Comovidos pelo fim do mundo antigo, resolvem colocar seu texto a serviço da documentação dessa virada, em geral produzindo não romances, mas contos. Alinham-se aqui Afonso Arinos, Alcides Maya, Simões Lopes Neto, o primeiro Monteiro Lobato, Valdomiro Silveira e, não menos, Hugo de Carvalho Ramos.

Por que o conto? Porque tem parentesco com o "causo", com a anedota, com o flagrante de uma cena isolada, e porque não requer uma leitura de conjunto do mundo enfocado --essa tarefa terá lugar na geração seguinte, com os romances de Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos, Erico Verissimo e tantos outros.

É um mundo a cavalo, masculino, funcionando na base do fio do bigode e regulado por tradição oral. É o sertão, no sentido amplo da palavra: uma parte muitas vezes invisível para a história da literatura e mesmo para a história toda, como se pode ler nas ultrassimplificações de Caio Prado Júnior quando diz que, fora do espaço da plantation e longe da cidade moderna, não há nada relevante para entender o Brasil.

Mas há, como os tempos de agora demonstram ao repor em circulação a decisiva importância, do econômico ao artístico, das tradições ameríndias, negras e mestiças.

O conto permite compor a preocupação folclorista, documental, até etnográfica segundo os discutíveis preceitos do tempo, com a tarefa literária, que até então pouco se atentava para os mundos rurais --na ponta final da geração seguinte, aparecerá o gênio de Guimarães Rosa para dar estatura literária definitiva ao tema.

Mas nem sempre o resultado é capaz de tornar significativos ou mesmo legíveis os textos para além de sua época e circunstância. O caso de Hugo de Carvalho Ramos se circunscreve a esses limites.

Nos poemas foi simbolista e decadentista, tramando em vocabulário raro poemas daquele mundo que se estende entre Cruz e Sousa e Augusto dos Anjos no Brasil. Esse mesmo tom melancólico se espalha na miscelânea composta de textos para jornal, em que é um comentarista bastante trivial, e de cartas, nas quais se revela o jovem --morreu com 26 anos incompletos-- talentoso, melindroso e triste.

É nos contos que reside o mais interessante. Ali está uma tensão formal que ao mesmo tempo atrapalha e inflama sua obra. De um lado, o carinho pelos de baixo, que a voga naturalista vinha ensinando a considerar como agentes relevantes da história, carinho que se traduz na captura de seu imaginário e discurso.

De outro, as dificuldades de recriar essa gente na literatura, com uma subjetividade complexa e com um discurso que supere o documento --daí os tantos tropeços no manejo da distância entre o discurso erudito de narradores em terceira pessoa e o discurso dialetal dos protagonistas, com um problema estrutural de encontrar o ajuste preciso na reprodução dos discursos.

Luís Augusto Fischer é professor de literatura na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de 'A Ideologia Modernista', da Todavia

Obras Reunidas

Preço: R$ 215 (722 págs.), em 2 volumes

Autoria: Hugo de Carvalho Ramos

Editora: Ercolano

Avaliação: *Bom*

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