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A arte chora

Na manhã desta quarta-fei­ra (28) faleceu, no Hospi­tal do Coração, após uma parada cardíaca, o artista plástico goiano Juca de Lima. Com mais de 75 anos de carreira, o pintor certamente deixou sua marca na história da arte da capital. Com mais de três mil obras catalogadas e grandes feitos como várias pin­turas dentro do Parque Mutirama, o artista deixa mulher e três filhas, além de um enorme legado.

O artista nascido José Inácio de Lima, tinha completado os 92 anos de vida no último dia 9 de fevereiro. Com a saúde debilita­da, Juca estava internado faz al­guns dias e o quadro se agravou por conta de uma pneumonia. O artista, além de deixar um espaço vazio entre os grandes nomes das artes plásticas do Estado, também deixa saudades na esposa Concei­ção de Souza Lima e nas filhas Ze­lia, Elcione e Belkis.

O POETA, MÚSICO E PRODUTOR CULTURAL CARLOS BRANDÃO ESCREVEU PARA O DMREVISTA SOBRE O ARTISTA QUE PASSOU OS ÚLTIMOS ANOS LÚCIDO, ATIVO, DONO DE IDEIAS LIBERTÁRIAS E SURPREENDENTES:

“Juca é mais um dos que aju­daram a criar o mercado artís­tico de Goiânia, e que acaba­ram esquecidos pela velocidade idiota das redes sociais e da im­prensa ‘moderna’. Estão nesse mesmo time, dos quase esque­cidos, nomes como D. J. Olivei­ra, Cleber Gouveia, Gustav Rit­ter e muitos outros.

Natural da cidade de Goian­dira (GO), ‘pertinho de Catalão’, Juca fala que começou em 1943, com 17 anos. ‘Era aprendiz, na construção civil.’ Para quem não sabe, os pintores que trabalha­vam nessa área, tinham, obriga­toriamente, que ser artistas. Ob­serve as casas no estilo art déco que existem em Goiânia. Todas têm beirais feitos à mão, coisa de artista mesmo. Algumas têm pin­turas no forro, imitando as igrejas da Europa. Tudo isso era trabalho de um mestre e seus aprendizes.

‘Os mestres escondiam da gente, diversos detalhes que só eles sabiam, como os segredos da preparação das tintas’, fala Juca. ‘Aqueles beirais das casas, eram chamados de grega ou de renda. Os moldes eram importados da Europa’. Naquele tempo, o apren­diz Juca já pintava suas aquare­las. ‘Pintava e vendia na pensão que minha mãe tinha. Os clien­tes compravam’.

Certa vez, Juca foi trabalhar na casa de um milionário, segundo conta. ‘O mestre não sabia o que fazer, porque o dono da casa que­ria uma pintura no teto, no forro’. Juca, que já dominava alguns se­gredos da pintura, disse que faria a painel que o dono da casa tan­to queria. ‘O mestre aceitou mi­nha proposta. Fiz e, foi o primei­ro salário que recebi como pintor, como artista’. Isso em 1943.

Começou aí a carreira do ar­tista plástico Juca de Lima. Para manter a família, teve que mo­rar em várias cidades como São Paulo. Sempre mantendo um trabalho que satisfazia o bolso. E mantendo suas pinturas, que deixavam em paz, sua alma. ‘Em cada tela dessas, há um grito, uma busca, uma procura. E qua­se nunca eu encontro o que an­dei procurando.’

Sobre suas influências, Juca avisa: ‘Aqui no sertão, o primei­ro nome que ouvi falar foi de Da Vinci’. O artista passou a pesqui­sar mais e mais sobre o italiano que foi um dos principais artistas renascentistas. ‘Acredito que sou a pessoa que tenha mais informa­ções sobre Da Vinci, em Goiás’. Quando mudou para São Paulo, Juca trabalhou na inauguração do Ibirapuera, em 1954. A partir daí, teve contato e amizade com pes­soas importantes como o conde Francisco Matarazzo Júnior, im­portante colecionador e mece­nas das artes plásticas no Brasil.

Após a inauguração do Ibira­puera, Juca diz que saiu andando pelas ruas de Sampa, à procura de trabalho. Encontrou uma casa, uma oficina de pintura. ‘Entrei e pedi para o dono do local, um ale­mão, que me arrumasse um tra­balho. De imediato ele me passou a tarefa de fazer 48 painéis. Fiz. O alemão gostou e me passou mais trabalhos. Foi então que pensei: para mim, essa é a minha escola de arte. Passei a estudar cada ar­tista, sua velocidade, os detalhes de cada tinta, e aí comecei a en­tender realmente as diversas téc­nicas de pintura.’

Agora, próximo dos 90 anos, o artista conta que se debruçou sobre a aquarela. ‘Além da prati­cidade, a aquarela é mais instin­tiva, você pode conversar com ela, enquanto trabalha. Conhe­ço 11 técnicas de pintura, mas nunca tinha me debruçado so­bre a aquarela, como agora. Por ser pintado em papel, pode pa­recer uma arte menor da que é feita em tela. Mas hoje os papéis são de alta qualidade e uso im­permeabilizante no papel, o que dá durabilidade à obra.’

Juca de Lima tem um livro de poesias lançado: ‘Fontal – Vida poética.’ Como sempre gostou de escrever e ‘sempre tive mui­ta intimidade com as palavras’, o artista está com um novo livro pronto: Liberato, o homem que matou um deus. ‘Esse é meio au­tobiográfico.’ Pergunto, para en­cerrar a conversa, se o Liberato tem a ver com seu estilo livre de viver, e Juca sorri um sorriso bo­nito que confirma e parece falar: sim, tudo a ver comigo.”

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