Home / Opinião

OPINIÃO

Por que as aulas de educação física incomodam

Todo professor de Educação Física convive com as resistências. Resistências essas que se iniciam ainda no tempo de faculdade, talvez um pouco antes, na escolha do curso que o “formará”. Ao anunciar a entrada no curso de Educação Física alguém por perto perguntará admirado: “Educação Física, não tinha outra coisa prá fazer?”

E as resistências continuam nas aulas da Faculdade, quando a alegria e o “barulho” que ecoam da quadra, penetram fundo, rasgando ouvidos e entrando na seriedade monótona de alguns alunos e alguns professores de outros cursos. “Como podem aprender com tanto barulho?” Me lembro de uma vez, quando ministrava uma animada aula prática de Futebol e Futsal e a quadra foi invadida por um aluno de outro curso (um desses cursos que as pessoas frequentam com o único objetivo para depois tentar passar em um concurso...) e ele foi pedindo/mandando que eu pedisse/mandasse os alunos ficarem em silêncio para não atrapalhar a aula na sala que ficava ao lado da quadra, separada apenas por um muro. Efeito contrário. Acho que naquela noite os decibéis aumentaram. Só prá esclarecer: aula de Educação Física tem que ter alegria. Se não tiver alegria, não está sendo uma boa aula. E alegria com movimento corporal, mesmo em adultos, é demonstrada com gritos e risadas. Não tem jeito! E tem mais: se aprende sim com barulho. O silêncio nem sempre é garantia de aprendizagem. Há que se observar o contexto.

A Educação Física é a antítese do modelo de escola que quer formar crianças e adolescentes obedientes para um sistema que ensina somente Para e nunca Com. Lembro-me de ouvir de estagiários que professores de outras disciplinas quando queriam punir seus alunos, não os deixavam sair da sala para participarem das aulas de Educação Física. Isso serve como um grande troféu para nós da EF, pois essa aula é vista por esses professores como muito boa para as crianças, tanto que, para penalizarem seus alunos, não os deixam irem à quadra. Vi em algumas escolas, principalmente nas particulares, nos treinamentos das escolinhas esportivas após as aulas regulares, pais atônitos interferindo nas aulas, orientando posicionamentos na quadra e inclusive dizendo o momento de chutar a bola. Imagino como seria se esses mesmos pais entrassem pelos corredores das “outras salas de aulas” durante uma prova de matemática, ficassem juntos à porta e como destemperados torcedores gritassem: “Vai lá meu filho, oito vezes sete é 56!”

As alegrias de um adulto podem ser medidas pelas cicatrizes de joelhos ralados e tampas de dedos arrancados na infância. Tenho certeza que esses machucados não doíam tanto assim no momento em que aconteciam e nunca os impediam de continuarem correndo. A dor só vinha no banho solitário, onde o grito era engolido para não levar “uns cascudos” da mãe em casa, senão, merthiolate na ferida. Acredito que o uso do merthiolate era mais uma forma de castigo do que propriamente para curar o ferimento.

Mesmo com todo o privilégio de ser o professor ou a professora que proporciona as brincadeiras nas escolas, cabe ainda, ao professor de Educação Física considerar que sua aula pode ser o único momento de brincadeiras ou atividades físicas para algumas crianças. Lembrar sempre, diferentemente de outras disciplinas, que as aulas de Educação Física existem não somente para “o amanhã” do aluno, mas são benéficas para o hoje delas. Até porque, quando algum susto chega, lá pelos 50 anos de idade e as pessoas começam a praticar atividade física, é sempre bom lembrar que todas as corridas, saltos e risadas de hoje da criançada, serão “lembradas” pelo corpo amanhã, junto com as cicatrizes curadas com merthiolate. Pulmões, coração, articulações e músculos estão sempre oxigenando o cérebro e ajudando a construir, também, adultos mais felizes.

(Altemir Dalpiaz, professor de Educação Física)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias