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OPINIÃO

  Por que não é dado o esquecimento?

Ah, o esquecimento! Esse desabafo me faz lembrar Olavo Bilac…

“Negra lembrança do passado! Lento

Martírio, lento e atroz! Por que não há de

Ser dado a toda mágoa o esquecimento?”

Refletiu bem o nosso príncipe dos poetas! Quantas vezes o esquecimento das mágoas, lembranças, contrariedades me trouxe reparos, conforto, perdão?

Lembro-me de quantas vezes eu me metia em brigas, encrencas, inimizades e, passados alguns dias, reencontrava os adversários e voltava a conversar com eles normalmente, sem me lembrar do desentendimento de dias anteriores?

Só lembrava quando os “desafetos” revelavam alguma estranheza comigo. Batia na lembrança o atrito que tivera, e eu, então, brincava ou continuava passando por distraído, e a embroma conciliava, fazendo a conversa fluir, normal.

Não sei se é virtude, ou se esquecimento, não levo a sério discussões, entreveros, desentendimentos com pessoa alguma. Sei que esses comportamentos existem na vida de todos, então, jamais lhes dei importância alguma.

Fosse qual fosse a discussão, o motivo do desentendimento, terminada a briga eu me retirava, talvez, até, depois de escalpelar o contendor, verbalmente, ou dar-lhe um tranco na cara, mas o fazia, nervoso talvez só no momento, minutos depois, nada de mágoa.

Nos dias posteriores, completamente esquecido do entrevero, eu me colocava, inclusive, em risco de ser agredido por algum desafeto, na rua, por não ter guardado ressentimentos, sem lembrar que o inimigo poderia atacar.

Certa vez, eu discutia com um amigo e ele falava alto. Nisto, um rapaz do tamanho de um cavalo surgiu não sei de onde e me empurrou com o pé no ombro que eu caí num canteiro.

Chamei o colega que estava comigo, dizendo-lhe:

— Vamos daqui, que o idiota que me atingiu com essa patada está bêbado.

Era filho da pessoa com quem eu discutia. No outro dia, nem mais me lembrava da infeliz ocorrência quando me encontro com o amigo que estava na discussão tão recente, e ele me disse:

— Você sabe que ontem, depois que saímos do local da “pezada” que você levou, o agressor ficou com tanto medo que, juntamente com um colega, entrou no carro e, armados, foram lhe procurar?

— Mesmo? Exclamei surpreso.

— Dizem que ele achou que você fora buscar uma arma e ficou a noite toda sem dormir com medo de lhe encontrar.

Enquanto o amigo Júlio me contava esta, eu ria de achar bom, porque, na verdade, não lembrava quem era o cara. O que sei é que era um idiota do tamanho de uma jamanta. Até hoje o desconheço pessoalmente. Só sei que é um odontólogo. Devo ter passado por ele várias vezes. Mas como todo jumento tem a mesma cara…

De outra vez estava eu trabalhando quando meu mano mais velho Osair chegou à redação da Rádio, onde eu escrevia um programa de humor, me entregou uma Bereta, e me chamou para ajudá-lo a enfrentar quatro rapazes que pretendiam pegá-lo. Tudo por causa de política. O mano tomou as dores do nosso pai e arranjou esses inimigos. Entramos numa camioneta e o Osair foi ao encontro dos caras. Ao encontrá-los, os quatro desceram de um fusca e caminharam em nossa direção, confiantes, todos altos (meu irmão também), de nanico, apenas eu. Acho que, por isso, todos os quatro “adversários” me ignoraram totalmente, caminhando em direção ao mano Osair, quais cowboys de cinema, com armas na cintura. Quando vi que iam fazer besteira mesmo, tentei evitar, dizendo a todos:

— Quem de vocês der mais um passo, eu “casco” fogo!

Foi aí que deram pela minha presença, entretanto, ainda assim, não ligaram.

Olhei se não vinha gente atrás deles e tirei a Bereta do bolso e disparei o berro, só para intimidá-los. Os quatro cowboys sumiram num carreirão que — juro! — até hoje nunca mais os vi. O mano e eu, igualmente, raspamos dali quando o Sr. José Feres gritou: “corram, que a polícia está chegando!”

No dia seguinte estava eu pelas ruas da cidade, no meu percurso habitual, quando um conhecido me disse:

— Mas, rapaz! Você não tem medo de ser atacado por aí?

— Uai, mas por quem?

— Pelos quatro homens de ontem!

Eu, de alma tranquila e coração lavado, respondi com a verdade:

— Não. Não conheço nenhum deles!

— Mas eles o conhecem.

— Que bom que me conhecem — expliquei — assim, lembrarão que nunca os vi antes nem tenho motivo de guardar mágoa deles nem eles de mim.

Podem acreditar… Até hoje não sei quem são.

Ainda naquele tempo fui ver uma feira de artesanato na Praça Bom Jesus. Olhava os trabalhos de madeira onde havia o nome do artista: Moneró.

Pensei: “Moneró… Será aquele colega de rádio, que era a cara do Ronaldo Golias, e filho do Sr. Henrique, o tenor que sempre vai a São Paulo, a meu pedido?”

Procurei o dono da banca. Era um senhor de cabelo branco tragando um pito de palha.

— Quem é o Moneró? Perguntei. Ao que o atendente respondeu, de cigarro na boca:

— Às ordens! Respondeu. “Somos” a gente…

Era o Edilberto Moneró. A última vez que o vira fora num centro espírita, há muito tempo.

— Moneró! Falei surpreso e feliz. Você reapareceu! Por que sumiu? Seu pai encontro sempre. De vez em quando vai a São Paulo comprar peça de máquina gráfica para o Lar da Criança!

— É, meu pai me fala mesmo e bronqueia comigo…

— Bronqueia, por quê?

— Porque ele me chama pra ir onde você está e eu não vou… — e continuava lascando uma peça de madeira com um canivete, e pitando.

— E por que você não vai? Indaguei.

— Porque fiquei de mal com você… — disse.

— Mesmo? Quando foi isso?

— Ah, deve ter uns 15 anos…

— Por quê?

— Foi quando o Uranio e eu estávamos fazendo bagunça na sessão espírita e você nos mandou calar o bico e nos chamou de moleques!

Então lembrei… Foi mesmo. Só que, no outro dia, eu me encontrara com o Uranio e ele estava normal comigo e, quanto ao Moneró, nunca mais o encontrei. Havia se melindrado…

— Foi aí que você ficara de mal, Moneró?

— Foi.

— Você devia ter me avisado!

Daquele dia em diante Edilberto Moneró voltou a ser amigo e, logo, trabalhamos juntos fazendo comerciais de televisão, os melhores da localidade à época, porque, além de muito habilidoso, ele era um grande ator e humorista. Está memorizado em alguns VTs, embora tenha partido para a outra vida, precocemente, traído pelo coração.

Tem gente que pergunta… Por que a gente não se lembra das vidas passadas? Se há pessoas que carregam tormentos no coração por erros e mágoas na vida atual e não se dão ao perdão nem ao esquecimento, já pensaram se se lembrassem dos erros e crimes que cometeram em vidas pretéritas?

Mas a misericórdia de Deus é tão grande que nos é dado o esquecimento do passado na existência de agora, já pensaram se nos lembrássemos dos crimes que cometemos em vidas pretéritas?

O esquecimento gera o perdão e o perdão, o esquecimento.

Reconforta-nos o gênio de Olavo Bilac:

“Negra lembrança do passado! Lento

Martírio, lento e atroz! Por que não há de

Ser dado a toda mágoa o esquecimento?”

Por quê?

(Iron Junqueira, escritor)

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