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OPINIÃO

Ideologia, tendências e partidos políticos

A (des)informação patrocinada por alguns setores da mídia, reproduzida e difundida amplamente por parcela das redes sociais, contribuem para a propagação da ignorância sobre o que está ocorrendo no Brasil. Porém, essa prática não resiste a alguns minutos de pesquisa através dos instrumentos de comunicação – Internet, blogs, revistas, livros, jornais – denominados alternativos, que ao se contraporem a essa enxurrada (des)informativa, contribuem para a formação de opiniões críticas sobre a  Realidade.

Hoje, aproveitando-se do excesso de senso comum e da escassez de bom senso, a “nova” direita, em suas múltiplas tendências e orientações ideológicas, se unifica e procura difundir sua “velha e superada ideologia (neo)liberal”. Mentem descaradamente ao afirmar que chegamos ao “fim das ideologias”, que os embates entre esquerda e direita estão superados e os partidos políticos, em crise de representatividade, se encontram em fase terminal. Tentam transformar suas falácias em verdades absolutas. A gravidade disso decorre do fato de que infelizmente, essas ideias e posicionamentos decadentes, se apresentam uma vez mais, como se fosse “algo novo” e encontram receptividade e adeptos entre aqueles que não são acostumados a realizar estudos mais sistemáticos, a se dedicarem a leitura de fontes diversificadas de informações e a conhecer um pouco melhor a História.

Esse comportamento foi demonstrado recentemente nas manifestações de 15 de março e 12 de abril, últimos, constituídas em sua grande maioria por membros das camadas sociais da alta classe média, que mesmo possuindo diplomas universitários, não conseguem desenvolver e fundamentar a contento, o raciocínio político e as ideias que afirmam defender, restringindo-se a pronunciamentos agressivos e a exibir cartazes direcionados contra a Presidenta Dilma e o PT. Apresentam assim, um quadro curioso de reducionismo político e de despolitização da política, amplamente veiculados através da mídia e reproduzidos nas redes sociais. Suas principais lideranças, tergiversam, escamoteiam, escondem e não divulgam a pretensão de criação do “novo” partido de direita. Acreditam equivocamente, que o caminho mais curto para viabilizar um partido político é a crítica feroz aos partidos políticos existentes, aos “políticos” e à própria Política. Procuram se apresentar como (os únicos) interessados no combate a corrupção na Petrobrás. Alguns, inclusive chegam a histeria de apregoar uma “intervenção militar constitucional” – eufemismo para a defesa do golpe militar.

Procuram “despertar emoções”, criar clima de agressividade e ódio, concentrando-os e dirigindo-os contra o Governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores. Evidentemente, esse posicionamento político-partidário encontra apoio entre membros dos partidos de oposição e parcelas da própria base do Governo, interessados de forma eleitoreira, no desgaste daqueles que assumem maior responsabilidade pela governabilidade.

Os partidos de oposição, interessados em disputar em melhores condições as eleições de 2018, pretendem até lá atacar cotidianamente o Governo Dilma e o PT, promovendo seu “sangramento”. “Sabedores” de que em águas turvas, os peixes podem ser confundidos, “os traíras” procuram “surfar” na confusão política, passando a defender abertamente interesses de setores do grande capital, contrários aos trabalhadores e procurando impor uma “agenda” conservadora a ser aprovada no Congresso Nacional. Os exemplos são cotidianos, vide posicionamentos do Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros; ambos vinculados ao PMDB, principal partido da base da aliança de sustentação ao Governo Dilma e ao qual inclusive, pertence o Vice-\Presidente da República. Os dois primeiros são conhecidos por significativa parcela dos brasileiros. Evidentemente, não por suas identidades com obras “santificadas”, e agora, denunciados, estão sendo investigados pelo STF em decorrência de fortes evidencias de participação no processo de corrupção na Petrobrás.

É sintomático o fato de que essa direita e os referidos setores da mídia, apresentada como nova, que sai às ruas combatendo a corrupção na Petrobrás, silenciam-se e continuam cultivando profundo silêncio frente as outras denúncias sobre verdadeiros esquemas de corrupção ligados por exemplo, ao processo de privatização em geral e da Vale do Rio doce, em particular; ao Banestado; Operação Santiagraha; o escândalo e corrupção no metrô de São Paulo; “O caso” Furnas; Operação Zelotes; ao Caso HSBC, denominado Swissleaks, etc., etc., etc.

Não é excessivo recordar, mesmo que de forma muito sintética, que a ascensão de Adolf Hitler e do nazismo na Alemanha e de Benito Mussolini e do fascismo na Itália, durante os anos 1920, 1930 e 1940, só foi possível com a colaboração e o suporte financeiro de grandes corporações, ainda hoje muito poderosas: BMW, Fiat, IG Farben (Bayer), Volkswagen, Siemens, IBM, Chase Bank, Allianz… Sem contar, é claro, com os grupos ligados aos instrumentos e meios de comunicação.

No documentário Fascismo Inc. (https://www.youtube.com/watch?v=-L5Xlgc8S2Q), o cineasta independente grego Aris Chatzistefanou esmiúça a estreita colaboração de industriais e banqueiros com os nazistas para perseguir e destruir o sindicalismo e os socialistas, a quem chamavam de “terroristas” (qualquer coincidência com o Brasil de hoje será mera semelhança? A circular do Banco Satander aos clientes mais “abastados”, orientando o voto contrário a Presidenta Dilma, foi apenas um equívoco de uma – anônima – gerente de uma determinada agência?). Detalhe: Hitler extinguiu o Partido Comunista alemão um dia depois de tomar posse, passando a perseguir e eliminar a oposição, mesmo a socialdemocrata.

O vídeo em questão relata inclusive, o fato de que a perseguição aos judeus não foi apenas uma questão racial, tinha também interesses econômicos: os judeus integravam uma poderosa classe média na Alemanha, à época, então os nazis utilizaram o discurso racista, transformando os judeus em bode expiatório da crise, acusando-os de “roubar os empregos” dos alemães. Não por acaso, esse é o mesmo discurso utilizado pela direita europeia atualmente em relação aos imigrantes que procuram melhores condições de sobrevivência na Europa. No Brasil, discurso semelhante tem sido utilizado por “classe média” para atacar os “nordestinos” e mais recentemente, os “haitianos”. O fascismo de Benito Mussolini não foi um movimento de massas, ao contrário do que tentam difundir. O rei Emanuel III entregou o poder à Mussolini para atender reivindicações de industriais do Norte da Itália e liquidar o sindicalismo e os partidos de esquerda, fortes na região. A defesa dos interesses patronais, conservadores e direitistas, por representarem a barbárie, necessitam ter seus “braços populares e sindicais” para melhor enganar e domesticar os trabalhadores. Para confrontar os trabalhadores e a esquerda, era preciso criar um movimento de massas de direita. Que melhores líderes para isso do que o desequilibrado Adolf Hitler e o fanfarrão Benito Mussolini?

Nos dias atuais, a defesa da nefasta terceirização e precarização do trabalho não é realizada apenas pelo patronato, conta ele, com importantes aliados entre os próprios trabalhadores, a Força Sindical e a UGT, que através de campanha “bilionária”, em horários “nobres” de televisão, tenta enganar a maioria da população e colher apoio a essas medidas impopulares. Os interessados em conhecer um pouco mais sobre a barbárie capitalista, poderá acessar o documentário “O Capital” (https://www.youtube.com/watch?v=xL8hXYGg8mA&spfreload=10).

Em artigo anterior , ao analisar questões relacionadas a partidos políticos, afirmei: “A sociedade atual, composta por diferentes classes, frações de classes, grupos e segmentos sociais, possuem diferentes interesses econômicos, sociais, culturais, religiosos, etc. e expressam distintas concepções de mundo. Em defesa de seus interesses e para melhor expressá-los, elas se articulam e organizam-se de diversas formas – organizações de moradores, associações profissionais, sindicatos, etc. –, nos denominados movimentos sociais. Os diferentes credos religiosos, enquanto parte integrante da sociedade e dos movimentos sociais, formam as “igrejas”. No regime democrático, a articulação desse conjunto de funções obedece a princípios constitucionais, que ao possibilitar a explicitação das contradições, cria espaços específicos para que as diferenças e antagonismos não levem à sua destruição. No que diz respeito as disputas pelo poder e ao exercício de governo, estabelece que as mesmas ocorram através de partidos políticos; organizações legais em defesa dos diferentes interesses econômico-político e sociocultural, ou seja as disputas pelo poder político concentrado (o poder público, o Estado), segundo estabelece a Constituição brasileira só é possível através dos Partidos Políticos, submissos a Ordem Constitucional, ou seja, subordinados as leis vigentes, respeitados os compromissos de não promover a ruptura da ordem (democrática) existente.”

Nessas disputas sobressaem o papel desempenhado pelos partidos políticos institucionais (registrados no TSE) ou por aqueles setores e segmentos sociais, organizados em tendências políticas, que agem de forma articulada, com maior ou menor organização, em defesa de determinados interesses econômico-político-sociais, como por exemplo, os movimentos sociais – centrais sindicais, sindicatos, ONGs, movimentos feministas, LGBT, etc.

Nas duas últimas décadas, principalmente depois do desmoronamento do sistema soviético, se desenvolve, de forma mais ou menos articulada, uma grande campanha para nos levar a acreditar que “não há mais espaços” para as ideologias . Esta, não raramente é associada a radicalismos “apaixonados” e “totalitários”, e até com um certo “romantismo”, que leva a luta por transformar a sociedade e construir uma nova (ou outra diferente).

Este posicionamento, em sua grande maioria, associa-se a negação da existência de classes e da luta de classes nas sociedades “tecnológicas” e da “informação”, na negação da persistência da divisão político-partidária entre direitas e esquerdas. Argumenta-se que atualmente, a política é somente uma atividade de “profissionais”, seja de “parlamentares” ou de “acadêmicos”; à grande maioria não lhes interessa um envolvimento mais direto; não lhes interessa a prática militante, e isto porque há uma convergência, e até mesmo uma identidade pragmática, entre   as   diferentes   posições    político-programáticas. Argumenta-se que na defesa de princípios ideológicos e políticos de esquerdas e direitas, permanecem somente pequenos grupos de “dogmáticos”, de “totalitários”. A diversidade político-ideológica está destinada a desaparecer em um pequeno espaço temporal, pois há uma convergência rumo ao centro político.

É impossível eliminar as ideologias que, orientadoras da conduta humana, continuam atuais

Mas o que chama a atenção, e assume certo destaque, é a tentativa de nos fazer acreditar no “fim das ideologias”.  Ao nos identificarmos com este posicionamento, permitimos que a ideologia dominante nos seja apresentada como a – única – expressão da realidade, ou melhor, uma determinada ideologia, a liberal – ou sua expressão neoliberal – seja apresentada como a única possível. É a tentativa mistificadora de imposição do pensamento único.

Mas, ao olharmos com um pouco mais de atenção qualquer atividade humana e social percebemos sem grande esforço que estes “conceitos” estão muito atuais: as pessoas continuam, conscientes ou não, movidas por um conjunto de ideias, sistematizadas ou não, coerentes ou não; e a interessar-se por política, não somente nos períodos de eleições. Para uma comprovação desta afirmação é suficiente observar o conteúdo das conversas nas ruas, as notícias das televisões e nos jornais impressos; no conteúdo de grande número de filmes e de novelas, etc.

Caso essas afirmações fossem verdadeiras, ficariam as perguntas: Por que os proprietários das empresas de comunicação – televisão, imprensa escrita, etc. –, mantém o mais estrito controle e determinam despoticamente o que se deve ou não divulgar? Por que é assegurado o controle econômico e político sobre os meios de comunicação, e porque, não raramente, estão associados com a censura, aberta ou disfarçada, por parte de seus controladores? Por que aqueles que se identificam e defendem as transformações sociais, que não aceitam os limites estabelecidos pela ordem vigente, não tem acesso aos meios de comunicação? Por que utilizar os meios de comunicação para reafirmar e fazer propaganda, com grande parcialidade, de uma determinada concepção de mundo?

Acreditamos, ao contrário das opiniões dominantes, que as ideologias, continuam tendo importante papel na vida cotidiana e nos processos sociais, principalmente nos momentos de crise, onde possibilitam a existência de um corpo unificado de ideias e “uma linguagem comum” de protesto. Portanto, a busca do entendimento do significado de uma ou outra ideologia, das formas de sua manifestação, dos instrumentos de sua divulgação e propagação, nos leva a procurar ter acesso a um conhecimento mais amplo, que nos permita compreender os múltiplos aspectos da sociedade em que vivemos.

A modernidade, principalmente a partir dos séculos XVII e XVIII, produz a grande maioria das ideias que ainda vigoram no pensamento político dos dias atuais. São destes séculos a maioria das ideias que originam as ideologias e conceitos atuais: crise e revolução; liberalismo e individualismo; democracia e direitos políticos; igualdade econômico-social e socialismo; nacionalismo e autodeterminação, etc.

As ideias articuladas e coerentes entre si, a formulação de ideologias e de projetos de sociedade, necessitam para jogar papel decisivo nos processos de mudança social, de um conjunto de outros fatores – econômicos, sociais, políticos –, que conjugados, produzem as crises estruturais, as crises revolucionárias.  “Se bem que as revoluções, sobretudo em suas primeiras etapas, ocorrem produzir-se de maneira repentina, é raro que sejam espontâneas por completo. São necessárias décadas de fermento revolucionário e um lento desenvolvimento das ideias para gerar o clima moral e político no qual possa ser possível uma destruição revolucionária da antiga ordem. De modo que, antecedendo uma revolução, são necessários muitos anos de esforços e atividades revolucionárias.” (TODD, 2000: 56).

Assim, para compreender as transformações produzidas nos últimos séculos, é de fundamental importância estudar as lutas dos diferentes povos e sociedades em defesa de seus direitos, as ideologias que as orientam e os caminhos seguidos na busca de uma vida melhor para a grande maioria da população. E, entre os fatos históricos protagonizados pelo proletariado, a Comuna de Paris de 1871 assume destacada importância. Pois, em linhas gerais, podemos dizer que foi o primeiro e grande confronto de classes que colocou de um lado, a burguesia e a aristocracia, conservadores e reacionários, e de outro, o proletariado e os setores populares, que tentavam conquistar a República social, que havia levado seus antepassados a participarem das lutas em defesa de liberdade, igualdade e fraternidade (COSTA, 2011: 14-15), conforme está sendo analisado nesta série de artigos.

As ideologias na Comuna de Paris

Os trabalhadores que vinham participando de forma destacada no processo da revolução burguesa na França, ao perceber que os direitos sociais pelos quais lutavam se reduziam a bandeiras formais e de simples propaganda, se tornam, cada dia em maior número, adeptos de uma ou outra entre as diversas ideologias com conteúdo social – socialista – e buscam formar organizações que defendam seus interesses imediatos e futuros. E a Comuna de Paris de 1871, é o primeiro momento em que essas ideologias se manifestam na prática e com nitidez, de forma mais organizada, com conteúdo revolucionário e identidade de classe.

“Predominava no movimento socialista francês, no período anterior à Comuna e em sua época, principalmente as influências blanquista, proudhonista e anarquista, que tinham a concepção revolucionária do assalto ao poder: acreditava-se que um grupo pequeno, extremamente organizado e incansável, poderia assumir o poder e conservá-lo. Essa concepção, somada a não existência de partido(s) proletário(s) de caráter nacional, privou o mundo do trabalho na sociedade francesa, de um trabalho político-cultural de elevado alcance e de uma unidade de ação. Os chamamentos dos Communards para o levante geral das classes populares da França contra o governo Thiers e em socorro a Paris, mesmo tendo em vista a construção de uma nova ordem social, mesmo esboçadas, não foram atendidas. ” (BARBOSA, 1999: 5)

Até o final do século XIX, não se pode falar da existência de partido(s) político(s) nacional(is) e ideológico(s), representante de interesses de classes ou frações de classes, com programas políticos e com unidade e disciplina próprias, tal como os conhecemos nos dias atuais. Falar de partidos políticos, a imagem dos partidos institucionais “modernos”, pode nos levar a erros. Acreditamos ser mais correto a utilização do termo tendências políticas, por que se tratar de agrupamentos mais flexíveis ideologicamente e com menor nível de disciplina que os atuais partidos, se assemelhando sociologicamente ao que poderia ser entendido como “partidos”, ou seja, “partes”, “parcelas”.

A prática política nos séculos XVIII e XIX era desenvolvida através de Clubes políticos, identificados com uma ou outra ideologia e/ou um líder. Assim, foi durante todo o processo revolucionário francês depois de 1788-1789 até o final do século XIX. No período imediato, que a antecede e no desenvolvimento da Comuna, os ativistas revolucionários organizam diversos clubes políticos, identificados com uma ou outra ideologia, como por exemplo o Clube Comunal, e formam a Federação Republicana e elegem um Comitê Central de 60 membros para dirigir a Guarda Nacional Parisiense, onde se encontravam representada toda as tendências identificadas com as transformações sociais: jacobinos, blanquistas, proudhonianos, anarquistas e marxistas. A diversidade ideológica no Conselho da Comuna não se limita às concepções revolucionárias, inclusive entre os 92 membros eleitos em 26 de março para dirigir a Comuna; 21 não eram revolucionários, mas representavam os bairros burgueses, e com a radicalização da luta, abandonam seus postos.

No que diz respeito a origem social dos líderes da Comuna, não se pode estabelecer do ponto de vista individual e de frações sociais, uma vinculação direta entre classe e ideologia; entre origem de classe e defesa dos interesses de sua classe; entre partido de classe e filiação ao partido da classe da qual se origina, pois “mais ou menos dois terços dos membros da Comuna pertenciam a classe média, aproximadamente um terço eram operários manuais, e a insurreição communard foi em grande medida um fenômeno da classe operária. Um terço das pessoas presas depois da repressão foram artesões e operários manuais, muitos dos quais atuaram como suboficiais e oficiais na Guarda Nacional Parisiense. Isto foi o que induziu a Thiers e seu governo, com razão ou sem ela, a considerar a Comuna como o começo de uma revolução social proletária de influência marxista. ” (TODD, 2000: 66-67).

Deve-se destacar que a identificação da Comuna como sendo uma iniciativa da I Internacional , dirigida por adeptos do marxismo, é um equívoco, que pode ser atribuído muito mais aos temores que infundiu na burguesia e na aristocracia, franceses e europeus, que utilizaram este acontecimento como uma arma no combate contra a “ameaça vermelha”, o socialismo e a I Internacional. Sem dúvida, é também, um equívoco afirmar que a Comuna de Paris de 1871 se inspirou a priori, nas ideologias do socialismo de finais do século XIX, principalmente nas de Marx, em que pese o fato de que suas ações possuíram um forte conteúdo igualitário e cooperativo.

O Socialismo como ideologia orientadora da Comuna de Paris

Em relação às identidades ideológicas, não havia somente uma corrente ou tendência ideológica que contribuiu para a implantação da Comuna. Inclusive, a mais forte e majoritária, nas eleições de março foi o republicanismo de herança jacobina, ainda que se tratasse de uma variante de esquerda, mais radical, não pode ser identificada como uma tendência explicitamente socialista, podendo-se identificá-la mais com uma diversificação do jacobinismo de 1792-1794.

As concepções de conteúdo expressamente socialista e revolucionária, que se articulam em tendências delineadas, e que se manifestaram na Comuna, são basicamente três: blanquismo, marxismo e anarquismo.

Os seguidores de Blanqui  exercem significativa influência na Comuna e defendem a implantação de uma ditadura revolucionária do proletariado, através de um coup d´etat, que permitiria a um pequeno grupo de conspiradores revolucionários chegar ao poder.  Segundo Engels, os blanquistas, em seu conjunto, eram socialistas só por instinto revolucionário e proletário; somente um reduzido número entre eles alcançou uma maior clareza de princípios, pois foram educados na escola da conspiração e mantidos coesos pela rígida disciplina. Os blanquistas partiam da ideia de que um grupo relativamente reduzido de homens decididos e bem organizados estaria em condições não só de apoderar-se da direção do Estado em um momento propício, mas também, desenvolvendo uma ação enérgica e incansável, seriam capazes de manter-se até conseguir arrastar as massas para a revolução e organizá-la em volta de um pequeno grupo dirigente.

Outra tendência socialista, denominada por Marx de comunista, era formada por parcela dos partidários da I Internacional, identificados com as ideias de Marx e Engels  e denominados marxistas. Esta corrente é minoritária e sua participação na Comuna ficou conhecida muito mais pela atuação destacada de seus membros e pelos ataques que sofreu posteriormente a Internacional.

Outra influência ideológica e minoritária na Comuna foi o anarquismo, que se baseava sobre tudo nas ideias de Pierre Joseph Proudhon  e, especialmente, Bakunin . Estas ideias também se desenvolveram depois de 1848, sobretudo durante a década de 1860, e implicavam o ódio para qualquer sistema de governo e a crença de que era necessária a destruição do antigo para poder construir um novo. Ainda que esta corrente política fosse o bastante forte para contribuir para a divisão e desmoronamento final da Primeira Internacional em 1872 e se tenha propagado a muitos países, sobre tudo a Espanha, nos séculos XIX e XX, trata-se em grande parte de uma influência minoritária na Comuna de 1871” (TODD, 2000: 67).

Mas, o que permite identificar a Comuna de Paris de 1871 como a Primeira revolução socialista, ou a última do ciclo de revoluções burguesas na França, não é só o predomínio, entre seus membros, das ideias com conteúdo social, de ideologias socialistas, e por sua organização em tendências – partidos – socialistas, mas sim pelo conjunto de aspectos que a envolvem, com destaque para as iniciativas de organização político-administrativa, que mesmo com maior ou menor consciência, apresentam conteúdos socialistas.  Seu caráter socialista foi estabelecido muito mais pela busca de soluções a problemas práticos e imediatos, do que por tratar-se de uma insurreição orientada a priori por esta ideologia, conforme ocorrerá a partir de 1917 com a Revolução Russa.

Mentem descaradamente ao afirmar que chegamos ao “fim das ideologias”, que os embates entre esquerda e direita estão superados e os partidos políticos, em crise de representatividade, se encontram em fase terminal. Tentam transformar suas falácias em verdades absolutas. A gravidade disso decorre do fato de que, infelizmente, essas ideias e posicionamentos decadentes se apresentam, uma vez mais, como se fosse ‘algo novo’...”

Referências bibliográficas

BARBOSA, Walmir. “O prenúncio das revoluções. ” In Opção, Ano V, nº 242, Goiânia, 16 a 22 de maio de 1999. Caderno Opção Cultural.

COSTA, Silvio (2011): Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto. 2ª Ed., São Paulo / Goiânia : Anita Garibaldi / Fundação Mauricio Grabois / Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

__________ (2015): A emancipação feminina prossegue, mas no momento encontra-se represada, Diário da Manhã, Caderno Opinião Pública, págs. 04 e 05, de 11 de abril de 2015. Para baixar o artigo, acesse http://www.dm.com.br/opiniao/2015/04/a-emancipacao-feminina-prossegue-mas-no-momento-encontra-se-represada.html;

__________ (2015): Modernização, crise política e insurreição em Paris, Diário da Manhã, Caderno Opinião Pública, págs. 04 e 05, de 18 de abril de 2015. Para baixar o artigo, acesse http://digital.dm.com.br/#!/mini?e=20150418;

ENGELS, F. “Introdução a “Guerra civil na França”. In MARX & ENGELS (1977): Textos. São Paulo. Alfa-Ômega. 1977.

LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na Revolução. São Paulo. Hucitec. 1987.

LISSAGARAY, Hippolyte Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo. Ensaio. 1991.

MARX, Karl. A guerra civil na França. In MARX e ENGELS (1977): Textos 1, 3 Vol. São Paulo. Alfa-Ômega. 1977.

MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto Comunista. 2. ed. Prefácio e introdução Harold Laski. Rio de Janeiro. Zahar. 1978.

NERÉ, JACQUES (et. Al.). História Contemporânea. São Paulo. Difel. 1975.

TODD, Allan. Las revoluciones. 1789-1917. Madrid. Alianza. 2000.

(Silvio Costa, professor de Sociologia, Ciência e Teoria Política na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. É autor dos livros Tendências e centrais sindicais; Comuna de Paris: o proletariado toma o céu de assalto e Revolução e Contra-Revolução na França. É organizador de Concepções e formação do Estado brasileiro e Estado e poder político: do realismo político à radicalidade da soberania popular. Endereços eletrônicos: [email protected] e [email protected])

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